Richard Hatch (1945 – 2017)
Morreu o ator Richard Hatch, que se tornou conhecido como o Capitão Apollo da série clássica “Galactica: Astronave de Combate” (Battlestar galactica), grande sucesso do fim da década de 1970. Ele lutava contra um câncer avançado no pâncreas e faleceu na terça-feira (7/2), aos 71 anos. “Richard Hatch era um bom homem, amável, e um profissional perfeito. Sua morte é um duro golpe para toda a família ‘BSG’, escreveu Ronald D. Moore, criador da nova versão televisiva da história, em seu Twitter — o reboot ficou no ar entre 2004 e 2009 e também contava com Hatch no elenco. O ator nasceu em 1945, em Santa Monica, na Califórnia, e iniciou a carreira televisiva com uma participação na novela “All My Children” em 1971. Logo se tornou bastante requisitado, aparecendo em inúmeras séries clássicas dos anos 1970, de “Kung Fu” a “Havaí 5-0”, e até teve participação recorrente como um integrante da família de “Os Waltons”, antes de conquistar seu primeiro papel fixo, como o inspetor Dan Robbins, substituindo Michael Douglas na 5ª e última temporada de “San Francisco Urgente”, em 1978. Mas foi por “Battlestar Galactica” que ganhou legiões de fãs. A série foi a primeira tentativa televisiva de realizar uma produção com nível cinematográfico. Tanto que os primeiros episódios foram exibidos nos cinemas em diversos países. A série foi criada por Glen A. Larson, que depois faria “Buck Rogers”, “A Supermáquina”, “Duro na Queda” e “Magnum”, entre outras. Mas tão importante quanto o roteirista foram os efeitos visuais empregados na atração. Um dos produtores era John Dykstra, supervisor de efeitos de “Guerra nas Estrelas” (1977), que trouxe para o projeto um virtuosismo visual até então inédito na TV. A premissa era uma espécie de “Eram os Deuses Astronautas?” misturado à “batalhas navais” que aconteciam no espaço. Combinando mitologias de antigas civilizações, dos egípcios aos gregos, a trama acompanhava um grande êxodo espacial, após um ataque alienígena destruir 12 planetas, com os últimos sobreviventes buscando um novo lar na 13ª colônia, que tinha se tornado perdida há muitos anos. O problema é que os inimigos, chamados de cylons, vinham atrás para destruir as naves que escaparam. E a única nave de combate que restara era a Galactica, uma espécie de porta-aviões espacial, que abrigava pequenos caças capazes de enfrentar as forças alienígenas. O Capitão Apollo, personagem de Hatch, era o líder do esquadrão de caças e filho do Comandante Adama (o veterano Lorne Greene, patriarca de “Bonanza”), principal oficial da Galactica. A série era caríssima e durou só uma temporada de 21 episódios. Graças à sua popularidade, porém, a rede ABC retomou a produção em 1980 com novo título, “Galactica: Batalha nas Estrelas” (1980), e menos efeitos visuais. A redução de custos foi obtida com a chegada da nave à colônia perdida: o planeta Terra. Infelizmente, vários personagens não sobreviveram à transição, entre eles os dois favoritos do público, Apollo e seu parceiro Starbuck. De todo modo, a série voltou a ser cancelada após o novo ciclo e nunca mais voltou ao ar na TV aberta. O ator foi reaparecer na 5ª temporada da série “Dinastia”, além de acumular passagens por atrações da época, de “Ilha da Fantasia” a “SOS Malibu” (Baywatch). Mas jamais superou o reconhecimento obtido por “Galactica”. Diante dos inúmeros convites para participar de convenções de fãs, ele chegou a escrever, produzir e estrelar um curta-metragem em forma de trailer em 1999, intitulado “Battlestar Galactica: The Second Coming”, com vários integrantes do elenco original, para tentar convencer a rede ABC a retomar a série. “The Second Coming” nunca virou realidade. Mas o sucesso do trailer nas convenções mostrou que a franquia tinha potencial para ser revivida. Isto acabou acontecendo em 2003, pelas mãos do produtor e roteirista Donald D. Moore, no canal pago Sci-Fi (atualmente, renomeado SyFy). O revival aconteceu como uma minissérie de dois episódios, que aproveitou a maior liberdade da TV paga para deixar a premissa mais sexy, violenta, política e realista. O sucesso foi tanto que o canal encomendou a produção de uma série semanal. E “Battlestar Galactica” virou a franquia mais importante do Sci-Fi, acumulando picos de audiência, prêmios, telefilmes, quadrinhos e spin-offs. Ciente da importância de Hatch para a série, Moore o trouxe à bordo da nova versão como um novo personagem, um líder rebelde e oportunista, chamado Tom Zarek, que ajudou a movimentar a trama. Ao fim do reboot de “Battlestar Galactica”, o ator voltou ao cotidiano de participações em convenções. Mas não reclamava. “‘Battlestar Galactica’ foi um marco histórico. Ela me permitiu viver meus sonhos e fantasias de infância”, disse, em seu site oficial.
Oscar 2016: Spotlight é o Melhor Filme, mas o Regresso e Mad Max são os maiores vencedores
“Spotlight – Segredos Revelados” foi eleito o Melhor Filme na cerimônia mais politizada da história do Oscar. Menos inventivo entre todos os candidatos, o longa em que jornalistas investigam a pedofilia disseminada na Igreja também conquistou o troféu de Melhor Roteiro Original e era o favorito do maior colégio eleitoral da Academia, os atores – o filme havia vencido o prêmio do Sindicato dos Atores por seu elenco. O reconhecimento técnico, entretanto, foi compartilhado por “O Regresso” e “Mad Max: Estrada da Fúria”. O primeiro rendeu bis para Alejandro G. Iñarritu, eleito Melhor Diretor pelo segundo ano consecutivo, e para Emmanuel Lubezki, único cinematógrafo a vencer o Oscar de Melhor Direção de Fotografia por três anos seguidos, enquanto o longa dirigido por George Miller liderou o arremate das demais estatuetas, conquistando seis prêmios técnicos – menos, curiosamente, o de Efeitos Visuais, vencido por “Ex Machina”. Entre os intérpretes, três premiados pelo Sindicato dos Atores foram confirmados. A vitória de Leonardo DiCaprio, que tinha torcida organizada nas ruas, rendeu os aplausos mais ruidosos dentro da própria cerimônia. Ele também fez um dos melhores discursos da noite, apontando as dificuldades de encontrar regiões nevadas para filmar “O Regresso”, devido às mudanças climáticas. Em seu alerta, ele ainda sugeriu medidas de apoio às lideranças globais não comprometidas pelos interesses das corporações, para que se possa salvar o planeta antes que seja tarde. Brie Larson e Alicia Vikander foram confirmadas, respectivamente, como Melhor Atriz por “O Quarto de Jack” e Atriz Coadjuvante por “A Garota Dinamarquesa”. Mas Sylvester Stallone não referendou seu favoritismo por “Creed”, perdendo a estatueta de Melhor Coadjuvante para Mark Rylance, em “Ponte dos Espiões”. Quem aplaudiu mais sem graça, porém, foi Lady Gaga, que viu Sam Smith conquistar a estatueta de Melhor Canção pela música-tema de “007 Contra Spectre”. Minutos antes, Gaga tinha emocionado os espectadores com a melhor performance musical da noite, levando ao palco diversas vítimas de abuso sexual, enquanto Smith desafinara sozinho, pavorosamente. Por sua vez, o apresentador Chris Rock (“Gente Grande”) intercalou críticas à indústria cinematográfica em quase todas as suas intervenções, realçando a falta de diversidade dos concorrentes – questão que chegou a inspirar um incipiente boicote. Diversos apresentadores negros, convocados para comentar a questão, seguiram a deixa, mas também houve quem debochasse, como Sacha Baron Cohen, que apareceu como sua persona black, Ali G. Mesmo assim, em contraste com o discurso racial, o Oscar 2016 acabou se provando um dos mais diversificados dos últimos anos, ao menos em termos de nacionalidades. Além dos mexicanos de “O Regresso”, os australianos, ingleses e sul-africanos de “Mad Max”, também comemoraram vitórias a sueca Alicia Vikander, o inglês Mark Rylance, o lendário italiano Ennio Morricone (Melhor Trilha Sonora) e os vencedores das categorias de Documentário, Curtas (entre eles, um chileno) e, claro, Filme Estrangeiro. Infelizmente, a animação brasileira “O Menino e o Mundo” não se juntou à lista, perdendo para “Divertida Mente”. Confira abaixo a lista completa dos premiados e aproveite para ler uma análise mais abrangente do Oscar 2016. Se tiver curiosidade, confira também o texto sobre a expectativa da premiação, que aborda vários pontos realçados pela confirmação dos vitoriosos. VENCEDORES DO OSCAR 2016 FILME “Spotlight – Segredos Revelados” DIREÇÃO Alejandro G. Iñarritu, “O Regresso” ATOR Leonardo DiCaprio, “O Regresso” ATRIZ Brie Larson, “O Quarto de Jack” ATOR COADJUVANTE Mark Rylance, “Ponte dos Espiões” ATRIZ COADJUVANTE Alicia Vikander, “A Garota Dinamarquesa” ROTEIRO ORIGINAL “Spotlight: Segredos Revelados” – Josh Singer e Tom McCarthy ROTEIRO ADAPTADO “A Grande Aposta” – Charles Randolph e Adam McKay FOTOGRAFIA “O Regresso” – Emmanuel Lubezki EDIÇÃO “Mad Max: Estrada de Fúria” – Margaret Sixel DOCUMENTÁRIO “Amy” ANIMAÇÃO “Divertida Mente” FILME ESTRANGEIRO “O Filho de Saul” (Hungria) TRILHA SONORA ORIGINAL “Os Oito Odiados” – Ennio Morricone CANÇÃO ORIGINAL “Writing’s On The Wall”, de “007 contra Spectre” (Jimmy Napes/Sam Smith) EFEITOS VISUAIS “Ex Machina” – Andrew Whitehurst, Paul Norris, Mark Williams Ardington e Sara Bennett CENOGRAFIA “Mad Max: Estrada da Fúria” – Colin Gibson e Lisa Thompson FIGURINO “Mad Max: Estrada da Fúria” – Jenny Beavan MAQUIAGEM E CABELO “Mad Max: Estrada da Fúria” – Lesley Vanderwalt, Elka Wardega e Damian Martin EDIÇÃO DE SOM “Mad Max: Estrada da Fúria” – Mark A. Mangini e David White MIXAGEM DE SOM “Mad Max: Estrada da Fúria” – Chris Jenkins, Gregg Rudloff e Ben Osmo CURTA-METRAGEM “Stutterer” CURTA DE ANIMAÇÃO “Bear Story” DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM “A Girl in the River: The Price of Forgiveness”
Oscar 2016: Cerimônia exibirá a maior saia justa da história da Academia de Hollywood
A premiação do Oscar 2016, que acontece na noite deste domingo (28/2), já é considerada a maior saia justa da história da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Criticada pela ausência, pelo segundo ano consecutivo, de artistas negros entre seus indicados, a situação constrangedora tem sido reforçada por vitórias de atores negros em outras premiações importantes da temporada. E amplificada por novas gafes da produção do evento, como a exclusão da cerimônia da cantora transexual Anohni, indicada ao Oscar de Melhor Canção (por “Manta Ray”, de “A Corrida contra a Extinção”). Discursos contundentes são esperados. Mas grandes mudanças já estão em curso, que tendem a fazer deste o último Oscar à moda antiga. O último Oscar escolhido por uma maioria esmagadora de homens brancos idosos. Não deixa de ser interessante que a premiação chegue a seu crepúsculo dividida, em seu favoritismo, entre seus três candidatos mais brancos e masculinos, “O Regresso”, “A Grande Aposta” e “Spotlight – Segredos Revelados”, que expõem a macheza de seus protagonistas, capazes de vencer a natureza, a economia e as instituições, rangendo os dentes e se dizendo mais puros e dignos que seus rivais. Esta divisão foi expressa nas votações dos sindicatos de Hollywood, em que diretores preferiram “O Regresso”, produtores “A Grande Aposta” e atores “Spotlight”. Dos favoritos, o mais fraco agrada ao maior grupo de votantes. “Spotlight” não é apenas um filme conservador, no sentido de não ousar esteticamente como os demais, mas se mostra reducionista até naquilo que tem motivado elogios à sua realização. Para o filme do diretor Tom McCarthy, jornalismo investigativo se resume à pesquisa de arquivos, especialmente reportagens antigas. Como a história se passa no começo dos anos 2000, boa parte de sua “ação” acontece em salas cheias de pastas e papéis. Mas se fosse trazida para os dias atuais, a trama mostraria um jornalismo paralisado diante do Google. “A Grande Aposta” é o mais arrojado. Usando técnicas de documentário e derrubando a quarta parede, o diretor Adam McKay surpreende por tornar interessante, da forma mais cínica possível, um tema que afeta a todos, mas que a maioria prefere ignorar: o funcionamento da bolsa de valores. Não que suas explicações convençam. Ao contrário, apenas entretêm. Mas a acidez com que corroem o capitalismo é bastante subversiva para o padrão dos liberais de Hollywood. Por sua vez, “O Regresso” já foi sublimado, pelo grande público, como o Oscar de Leonardo DiCaprio. Fãs que seguem o ator desde “Titanic” (1997) decidiram que o filme representará sua canonização no firmamento cinematográfico, tantas são as romarias anunciadas para celebrar o fim de seu martírio e sua esperada consagração como vencedor do Oscar. Entretanto, como cinema, o filme dirigido por Alejandro González Iñárritu é, na verdade, do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, que pode fazer História ao se tornar o primeiro cinematógrafo a vencer o Oscar por três anos consecutivos. Vista por outro ângulo, a escolha poderia ser bem mais simplificada. Afinal, quem merece vencer o Oscar 2016, o novo filme do diretor da bomba “Trocando os Pés” (2014), do pastelão “Tudo Por um Furo” (2013) ou do oscarizado “Birdman” (2014)? Azarão nesta disputa, “Mad Max: Estrada da Fúria”, de George Miller, mantém a torcida de uma parcela da crítica, que destaca suas cenas insanas e um diretor que merece mais reconhecimento. Além disso, o filme deixa um legado de frases impactantes e uma protagonista feminina poderosa, algo ainda raro na centenária Hollywood. O apuro de sua produção deve render muitos prêmios técnicos. Porém, todo esse talento é colocado a serviço de uma longa perseguição, que visa o espetáculo visual sem pretender chegar a lugar algum – tanto que é, de forma mais instigante que a jornada de DiCaprio, circular. Embora seja possível enxergar alegorias profundas em sua realização, até os fanboys mais radicalizados apostariam contra “Mad Max” numa disputa de roteiro – categoria a qual nem foi indicado. Há questões importantes de gênero embutidas também nas indicações periféricas de “Carol” e “A Garota Dinamarquesa”, que trazem o universo LGTB ao Oscar. Entretanto, quando barrou a participação de Anohni da cerimônia, a própria Academia tratou de colocar o tema em seu devido lugar, como figurante da festa, que não deve chamar mais atenção que já conquistou. Os dois sequer foram convidados a disputar o Oscar de Melhor Filme. Mesmo assim, “A Garota Dinamarquesa”, que resulta num filme mais convencional que seu tema, acabou criando uma polêmica inesperada. Mais uma. Isto porque a Academia permite aos produtores decidirem em que categoria os candidatos irão concorrer. E “A Garota Dinamarquesa” inscreveu sua protagonista, a atriz sueca Alicia Vikander, como coadjuvante. Graças a esta artimanha, ela se tornou favorita ao prêmio. Mas gerou protestos de quem ficou fora da disputa. Vikander pode ser responsável por impedir a reunião dos astros de “Titanic” na premiação, pois Kate Winslet vinha vencendo troféus como Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel em “Steve Jobs”. Indiretamente, ao evitar a disputa de Melhor Atriz, ela também deixa aberto o caminho para Brie Larson levar seu Oscar por “O Quarto de Jack”. Embora a seleção de filmes indicados apresente uma tendência inquietante, os flashes quase ofuscam outro tipo de conservadorismo. Afinal, o tapete vermelho é mais que um ritual cafona, em que estrelas desfilam vestidos de grife. É o instante em que a Academia, com a ajuda da mídia, tenta evocar o antigo glamour de Hollywood. Um conceito que também emana da visão de homens brancos idosos, que guardam saudades de uma época em que astros e estrelas, em suas roupas de gala, pareciam descer de carruagens num baile de contos de fadas. A consagração dessa nostalgia, por uma mídia mais interessada em vestidos e sapatinhos de cristal, é o que inspira as torcidas fabulosas por DiCaprio. A generalização do “será que DiCaprio vence?” é digna do público de novelas, que torce pela reviravolta redentora, mesmo que o desfecho tenha sido vazado com antecedência. Melhor seria, ainda, se houvesse a consagração simultânea de Kate Winslet, materializando o final feliz que faltou a “Titanic”, como num conto de fadas da “vida real”. E tudo isso sem que os filmes atuais tenham qualquer relevância para a torcida. Isto é o Oscar para o público e a imprensa médias. O mesmo simbolismo alimenta a torcida por Sylvester Stallone, que concorre como Melhor Coadjuvante por “Creed – Nascido para Lutar”, 39 anos após disputar como Ator e Roteirista pelo mesmo personagem, Rocky. O público, de fato, gosta de um final feliz no cinema. A antítese dessa narrativa à moda antiga pode virar a vitória mais importante do Oscar 2016, encaminhada pelo resultado do Sindicato dos Atores, que já reconheceu, como sendo a melhor, a estrela menos badalada da festa: Brie Larson. Ela não é exatamente uma revelação, pois começou a fazer séries com 10 anos de idade e vem se destacando em filmes indies desde 2010. Aliás, já deveria ter sido indicada por “Temporário 12” (2013), filmaço que teve como pecado ser uma produção sem dinheiro para campanha de premiação. A importância de seu potencial Oscar, por sinal, reside em “O Quarto de Jack” ser a única produção realmente indie na disputa deste domingo, tendo fechado sua distribuição com a pequena A24 apenas após sua exibição no Festival de Toronto – que, inclusive, venceu. Os demais supostos indies da competição, como “Spotlight” e “Carol”, além de destacar estrelas já consagradas, foram realizados com toda a estrutura de estúdio e distribuição garantidas. Brie Larson não era visada por paparazzi antes de “O Quarto de Jack”. O filme não é repleto de famosos, não tem diretor incensado e seus produtores não frequentam a lista dos VIP de Hollywood. Além disso, trata de questões femininas, de abuso e maternidade, representadas sem maquiagem ou glamour algum. Menos comentado entre todos os indicados, trata-se do filme que mais bem representa as mudanças que se espera do Oscar, pós-velhos brancos. Já no outro extremo, o Oscar dos velhos brancos é mais bem representado por “Ponte dos Espiões”, que fez Steven Spielberg bater um recorde, atingindo nove indicações, como o diretor que mais vezes disputou o Oscar de Melhor Filme em todos os tempos. Infelizmente, também é o mais fraco dos trabalhos com que o cineasta concorreu, discutindo justiça e espionagem num cenário de Guerra Fria – a analogia serve, mas seria mais corajoso se, de fato, tratasse do mundo em que vive Edward Snowden. A propósito, a presença de “Ponte dos Espiões” é um dos motivos de questionamento da lista do Oscar de Melhor Filme do ano. Produção apenas mediana, deixou de fora “Straight Outta Compton: A História do N.W.A.”, “Creed – Nascido para Lutar” e “Carol”, para citar apenas os mais evidentes – dois filmes estrelados e dirigidos por negros e um terceiro sobre um casal lésbico. Mas a lista poderia incluir ainda “Tangerine”, a maior provocação de todas, protagonizado por uma transgênero negra. Afinal, “Tangerine” também vem conquistando prêmios importantes. Além disso, as regras da Academia permitem até dez indicações nesta categoria, e os escolhidos foram apenas sete, passando a mensagem de que os demais não eram bons – ou dignos – o suficiente para o Oscar. Vale destacar que nenhum filme premiado no Festival de Sundance foi selecionado – nem mesmo o brasileiro “Que Horas Ela Volta?”. Por fim, o foco da polêmica mais recente, o Oscar de Melhor Canção, pode se tornar ainda mais constrangedor. Único negro indicado a qualquer coisa no Oscar 2016, the Weeknd tem tudo para repetir o que aconteceu no ano passado, quando John Legend, o negro de 2015, levou a estatueta de Melhor Canção pelo tema do filme “Selma”. Infelizmente, the Weeknd também representa o pior filme do ano, “Cinquenta Tons de Cinza”, e, junto com Lady Gaga e Sam Smith, entra no mix como sugestão de que a Academia está atenta ao pop moderno. Tão atenta que deixou de fora a melhor música de cinema da temporada, “See You Again”, da trilha de “Velozes e Furiosos 7”, que emocionou tanto quanto o incensado tema de “Titanic”, cantado por Celine Dion. O consolo do rapper Wiz Khalifa é que a Academia jamais considerou rap digno da categoria de Melhor Canção, embora tenha tolerado Common na companhia de John Legend no ano passado – a música, porém, era um gospel. Talvez isto também explique porque nenhum diretor negro tenha, até hoje, “merecido” indicação ao Oscar. Mas nem tudo é apocalipse. Houve uma evolução positiva, por conta da internacionalização da categoria de Melhor Animação. Em vez das produções bobinhas da DreamWorks, acompanham “Divertida Mente” um filme indie (“Anomalisa”) e produções do Reino Unido (“Shaun, o Carneiro”), Japão (“Quando Estou com Marnie”) e até do Brasil! “O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu, emplacou a primeira indicação de um filme 100% brasileiro no Oscar desde que “Cidade de Deus” surpreendeu em 2004. Apesar disso, a vitória de “Divertida Mente” é considerada até mais garantida que o Oscar de Leonardo DiCaprio. Justos ou injustos, os vencedores do Oscar 2016 serão conhecidos na noite deste domingo (28/2), em cerimônia que será realizada no Dolby Theatre, em Los Angeles, com apresentação do comediante Chris Rock (“Gente Grande”) e transmissão ao vivo para o Brasil pelos canais TNT e Globo. Confira abaixo a lista completa dos indicados: INDICADOS AO OSCAR 2016 FILME “A Grande Aposta” “Ponte dos Espiões” “Brooklyn” “Mad Max: Estrada da Fúria” “Perdido em Marte” “O Regresso” “O Quarto de Jack” “Spotlight – Segredos Revelados” DIREÇÃO Adam McKay, “A Grande Aposta” George Miller, “Mad Max: Estrada da Fúria” Alejandro G. Iñarritu, “O Regresso” Lenny Abrahamson, “O Quarto de Jack” Tom McCarthy, “Spotlight: Segredos Revelados” ATOR Bryan Cranston, “Trumbo – Lista Negra” Leonardo DiCaprio, “O Regresso” Eddie Redmayne, “A Garota Dinamarquesa” Michael Fassbender, “Steve Jobs” Matt Damon, “Perdido em Marte” ATOR COADJUVANTE Christian Bale, “A Grande Aposta” Tom Hardy, “O Regresso” Mark Ruffalo, “Spotlight – Segredos Revelados” Mark Rylance, “Ponte dos Espiões” Sylvester Stallone, “Creed: Nascido Para Lutar” ATRIZ Cate Blanchett, “Carol” Brie Larson, “O Quarto de Jack” Jennifer Lawrence, “Joy: O Nome do Sucesso” Charlotte Rampling, “45 Anos” Saoirse...
A Garota Dinamarquesa transforma tema atual em filme à moda antiga
“A Garota Dinamarquesa” traz um diretor e um protagonista que já venceram o Oscar, respectivamente Tom Hooper (por “O Discurso do Rei”) e Eddie Redmayne (por “A Teoria de Tudo”), ambos com produções de época bem conservadoras. Por sorte, ambos são eclipsados no filme pela atriz sueca Alicia Vikander (“O Amante da Rainha”), que se posiciona como um dos grandes nomes da temporada de premiações. Ela surpreende num papel que é maior do que faz supor sua indicação ao Oscar de Atriz Coadjuvante, e evita que o longa sucumba aos exageros cafonas do cineasta e do protagonista. Na trama, o casal de pintores Gerda (Alicia Vikander) e Einar (Eddie Redmayne) vive uma vida relativamente tranquila na Dinamarca dos anos 1920, ainda que não seja nada fácil viver de arte. Gerda, principalmente, só vai conseguir sucesso com seus retratos quando pede que o marido pose para ela com um vestido. A pintura vira um sucesso e novos quadros são encomendados para uma exposição em um museu de arte de Copenhague. Só que a experiência de posar como mulher mexe com a cabeça de Einar, que percebe de imediato, ao usar um vestido, o quanto sua feminilidade estava prestes a aflorar. Trata-se de um assunto interessante e curioso, que culmina na primeira intervenção cirúrgica para mudança de sexo no mundo. Mas, apesar de baseada numa história verídica, há muita ficção no roteiro escrito por Lucinda Coxon (“Matador em Perigo”), que simplifica a questão de gênero sexual, a ponto de aproximar o caso de Einar/Lili do surto de Norman Bates em “Psicose” (1960), um homem que também se vestia de mulher. O embate interior entre as personalidades de Einar e Lili, o nome que ele adota ao decidir virar mulher, não deixa de ser interessante. Redmayne incorpora essa transformação por meio de lembranças da imagem da mãe e pela observação do gestual feminino, até que termina rejeitando seu órgão sexual masculino. Mesmo assim, mantém seu amor por Gerda. Vikander, por sinal, tem uma personagem tão interessante quanto Einar/Lili, no apoio e na frustração que acompanha a transformação de seu marido. Neste sentido, o ponto alto de “A Garota Dinamarquesa” acaba sendo o diálogo final entre o casal, que pode levar muitos espectadores às lágrimas. No mais, o longa incomoda pela utilização melodramática de sua trilha sonora (composta por Alexandre Desplat) e no modo exagerado com que Redmayne interpreta seu personagem. Junto à fotografia requintada e a reconstrução apurada do período, são fatores que contribuem para que “A Garota Dinamarquesa” se pareça, apesar do tema tão atual, com um filme à moda antiga.
Deadpool é a maior estreia da semana, que ainda inclui mais dois candidatos ao Oscar
O filme do super-herói “Deadpool” é a principal estreia da semana. Apesar do perfil de blockbuster, o lançamento em fevereiro assume que não se trata de um título típico do verão americano. Exibido com classificação etária para 16 anos no Brasil (mais baixa que o “R” obtido nos EUA), “Deadpool” subverte a fórmula dos super-heróis com um personagem que conversa com o público, fala palavrões, manifesta-se com violência e se porta de forma imprópria para menores. O resultado é ainda mais divertido que o primeiro “Kick-Ass” (2010), o filme que inaugurou esse filão de comédia ultraviolenta com heróis de quadrinhos, com uma diferença crucial: trata-se de uma criação da Marvel! A outra estreia ampla da semana também apela, com resultado diverso. “Um Suburbano Sortudo” é um teste de profundidade para o baixo nível nacional. Um verdadeiro marco histórico, repleto de clichês, caricaturas e piadas de duplo sentido, estrelado por Rodrigo Sant’anna, um humorista de TV que gosta de fazer piada montado como travesti/drag queen/mulher, mas que o roteiro insiste em juntar com a mocinha da história (Carol Castro, a bonitinha dos filmes ruins). A nova comédia brasileira vem da mesma fábrica de “Até que a Sorte nos Separe”: o diretor Roberto Santucci. Por sinal, onde foi mesmo que vimos, recentemente, um pobretão ficar inesperadamente milionário? Já o universo suburbano é o mesmo da série “Os Suburbanos”, estrelada pelo próprio Sant’anna. Até os saudosos filmes dos Trapalhões eram mais criativos. A transexualidade não é motivo de piada em “A Garota Dinamarquesa”, um dos dois filmes indicados ao Oscar que entram em cartaz. História do primeiro homem a realizar uma cirurgia bem-sucedida de troca de sexo, traz Eddie Redmayne, vencedor do Oscar do ano passado por “A Teoria de Tudo”, no papel principal. Mas quem rouba a cena é a sueca Alicia Vikander, favorita ao Oscar de Atriz Coadjuvante, como a esposa incentivadora do pioneiro transexual. Ela já venceu o prêmio do Sindicato dos Atores dos EUA (SAG Awards). Também na disputa do Oscar, “Brooklyn” é um romance mais convencional, passado numa época em que os imigrantes eram bem-vindos nos EUA. Roteirizado pelo escritor Nick Hornby, conta a história de uma jovem irlandesa, vivida por Saoirse Ronan, que viaja para Nova York, onde começa uma nova vida e se apaixona, até se ver forçada a retornar para a Irlanda, onde também encontra motivos para ficar. Pelo papel de mulher dividida, Soairse Ronan repetiu Jodie Foster, tornando-se uma das poucas atrizes-mirins indicadas para um Oscar, no começo de suas carreiras, a confirmarem seu talento com nova nomeação. Ela disputou a estatueta pela primeira vez aos 13 anos de idade, por “Desejo e Reparação” (2007). Completam a programação dois lançamentos invisíveis, o islandês “A Ovelha Negra”, de Grímur Hákonarson, vencedor da mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes do ano passado, e o espanhol “História da Minha Morte”, de Albert Serra, vencedor do Festival de Locarno em 2013. O primeiro conta a história de dois irmãos num vale remoto, que precisam superar o ódio que sentem um pelo outro para salvarem seus rebanhos de agentes da vigilância sanitária, cujo tratamento para o surto de uma doença animal é o extermínio. Já o segundo mostra o improvável encontro entre Casanova e Drácula, registrado em idioma catalão e com uma fotografia que parece pintura, especialmente as obras de Caravaggio, mas seu ritmo é dolorosamente arrastado e os atores não são profissionais. Cada filme estará disponível em apenas três salas em todo o país. Estreias de cinema nos shoppings Estreias em circuito limitado
A Garota Dinamarquesa: Eddie Redmayne muda de sexo em trailer de cinebiografia
A Focus Features divulgou o novo trailer do drama “A Garota Dinamarquesa”, história do primeiro transexual a mudar cirurgicamente de sexo. O vídeo resume a trama, mostrando como Einar Wegener, interpretado por Eddie Redmayne (vencedor do Oscar por “A Teoria de Tudo”), enfrentou preconceitos e contou com o apoio de sua esposa (Alicia Vikander, de “O Agente da UNCLE”) para alterar sua identidade sexual. Vikander, por sinal, parece se candidatar a prêmios em suas fortes aparições na prévia. A cinebiografia tem direção de Tom Hooper (vencedor do Oscar por “O Discurso do Rei”) e é baseada no livro homônimo de David Ebershoff sobre o dinamarquês que em 1930 se tornou um dos primeiros homens na história a se submeter a uma operação de mudança de sexo. O roteiro foi escrito por Lucinda Coxon (“Matador em Perigo”). “A Garota Dinamarquesa” marca o reencontro do diretor com Redmayne, depois de terem trabalhado juntos no musical “Os Miseráveis” (2012). O elenco também inclui Amber Heard (“3 Dias Para Matar”), Matthias Schoenaerts (“Ferrugem e Osso”) e Ben Whishaw (“007 – Operação Skyfall”). Exibido sob aplausos efusivos no Festival de Veneza, o filme estreia em 27 de novembro nos EUA e apenas em fevereiro de 2016 no Brasil.





