Nicole Kidman vive terror entre vaias e aplausos no Festival de Cannes
O cineasta Yorgos Lanthimos exigiu um verdadeiro sacrifício grego do público no Festival de Cannes. Brutal, “The Killing of a Sacred Deer” fez pessoas abandonarem a sala de projeção, tamanha aflição causada por seu suspense. Mas a vingança não tardou, ouvida nas sonoras vaias que acompanharam a exibição dos créditos finais. A crítica, porém, elogiou o tom fúnebre do horror e a ousadia com que a trama se descortina. O novo filme do diretor grego, que venceu o Prêmio do Júri do festival em 2015 com “O Lagosta”, gira em torno de uma família rica e feliz, formado por Colin Farrell. Nicole Kidman (ambos também presentes em outro filme da competição: “O Estranho que Nós Amamos”, de Sofia Coppola) e seus dois filhos. O personagem de Farrell fez fortuna como um cirurgião carismático e não estranha quando é procurado por um adolescente (Barry Keoghan, que está em “Dunkirk”, de Christopher Nolan), filho de um paciente que morreu sob os seus cuidados. O rapaz parece idolatrá-lo. Mas o que começa como uma relação amistosa vai, aos poucos, revelando-se uma obsessão. O adolescente passa a exigir cada vez mais atenção do seu novo “amigo”. E quando um dos filhos do médico fica gravemente doente, ele anuncia: “Você tirou uma vida da minha família, eu vou tirar uma da sua”. O impacto é de filme de terror, mas a origem das vinganças sangrentas preconizados pela trama vem mesmo dos clássicos gregos. E embora o público perceba tudo como uma grande tragédia, o diretor insiste que se trata de uma comédia. De humor negro e perturbador, mas ainda assim uma comédia. “Eu disse aos meus atores que o projeto era uma comédia, e acredito nisso”, Lanthimos revelou, durante o encontro com a imprensa. “Nunca tratei de temas pesados com seriedade”, explicou, revelando que o filme se torna “brutal por acumulação de elementos, não em suas partes menores”. Como comédia, porém, “The Killing of a Sacred Deer” é muito sem graça. Os risos são apenas nervosos. E o que acontece… “Meus filhos não vão ver esse filme”, sintetizou Nicole Kidman, após a exibição.
Michael Haneke filma burguesia para falar de crise humanitária em Cannes
Apresentado como um drama sobre a crise da imigração na Europa, o novo filme de Michael Heneke (“Amor”), que compete no Festival de Cannes, foca o tema apenas de forma ambígua, como um elemento secundário. Na verdade, “Happy End” é um drama sobre uma família burguesa de Calais, no Norte da França, onde existiu um dos maiores campos de refugiados europeus. Mas, segundo o diretor, o que não se vê destacado na tela é que é importante. E ele explicou porquê, durante a entrevista coletiva do festival. Em “Happy End”, a atriz Isabelle Huppert (“Elle”), que realiza seu quarto filme com o diretor, vive a chefe da família Laurent, administrando a empresa construtora do pai (Jean-Louis Trintignant, de “Amor”), um viúvo octogenário que não quer mais viver. Uma curiosidade da trama é que os personagens de ambos parecem ser os mesmos de “Amor”. Mas o tom, entretanto, é de ódio. As tensões entre os membros da família se tornam cada vez mais evidentes, envolvidos com negócios, divórcios, filhos negligenciados, ao mesmo tempo em que o filme ressalta seus privilégios de classe. Já a crise humanitária é sugerida apenas levemente, pela presença dos serviçais da família e os imigrantes que perambulam pelas ruas da cidade. Segundo o diretor, isso é proposital e reflete a forma como os personagens veem o mundo. “Essa história poderia acontecer em qualquer lugar do mundo, não é sobre a situação em Calais, especificamente. O que o ambiente do filme pode fornecer é a ideia do quanto nos tornamos alheios à realidade à nossa volta”, apontou Haneke, na entrevista coletiva do festival. “Não é tão óbvio quanto parece, porque na realidade não há grandes surpresas nem artifícios em ‘Happy End’. Mas, sim, queria que ficassem claras as linhas que sobrevoam o argumento. Minha aposta é mostrar o menos possível para que seja a imaginação do espectador que complete o filme”. Mesmo assim, ele não reforça nenhum ponto com esclarecimentos necessários. “Não quero responder sobre os imigrantes, porque é você quem tem que responder a essa pergunta. Eu coloco pistas para o espectador e ele tem que encontrar suas respostas”, disparou, diante da tentativa de se criar um esboço mais claro de suas intenções. Mas Haneke não quer deixar nada claro. Ele busca provocar a imaginação desde as primeiras cenas de “Happy End”, que são perturbadoras, criadas pelo diretor de 75 anos com imagens de aplicativos de telefone. A opção também visou ressaltar que o excesso de informação da vida moderna não ensina nada sobre como se deve viver. “Há uma certa amargura no tipo de vida que levamos”, ele observou. “Somos constantemente inundados por informações, mas continuamos sem aprender nada com elas. A única coisa que conhecemos vem das nossas experiências pessoais.” Diante disso, torna-se inevitável questionar o título. Afinal, qual é o final feliz da história? Assim como todo o filme, Jean-Louis Trintignant explicou que o desfecho é propositalmente ambíguo. “Michael decidiu que seria assim, e, por isso, eu também estou contente”.
Cineastas europeus famosos assinam manifesto para enquadrar a Netflix
Importantes cineastas europeus, incluindo Michael Haneke (Áustria), Wim Wenders (Alemanha), Paolo Sorrentino (Itália), os irmãos Dardenne (Bélgica), Stephen Frears (Reino Unido), Michel Hazanavicius (França), Cristian Mungiu (Romênia), Fernando Trueba e Alejandro Amenábar (ambos da Espanha), assinaram nesta segunda-feira (22/5) um manifesto em defesa de maior regulamentação sobre os serviços de streaming na Europa. Divulgado no Festival de Cannes, onde a seleção de dois filmes da Netflix despertou polêmica, o abaixo-assinado defende a “territorialização” dos serviços, pede cotas para filmes europeus nos serviços de streaming em atividade na Europa, diferenciando a produção cinematográfica de cada país, além da implementação da mesma taxação existente para a TV e pagamentos vinculados à lucratividade de um filme. Enfim, regras fiscais e de proteção de mercado, num apelo dirigido ao Parlamento Europeu. Segundo o texto, “a integração dos gigantes da Internet na economia criativa europeia é determinante para o futuro do cinema”. E, para que isso aconteça, os cineastas consideram que “a Europa deve definir uma meta e assegurar as condições de um jogo competitivo mais justo e sustentável entre todos aqueles que difundem nossas obras”. “Todos os autores esperam que suas obras sejam acessíveis para o maior número de pessoas possível. Suas obras devem estar amplamente disponíveis em telas de cinema, TV e suas variantes digitais, e em todos os serviços on-demand”, diz o manifesto, que conclui com um chamamento. “Há muita coisa em jogo, mas o desafio é formidável: nos unirmos – atores políticos, criadores e cidadãos – para redesenhar e reconstruir uma política cultural exigente e ambiciosa, adaptada ao ambiente digital, a sua economia e as suas aplicações, que valorizem as obras e situem os criadores no epicentro da ação”, concluem. O texto até inclui um chavão: “A Europa não é o Velho Oeste selvagem e sem lei”. A frase visa reforçar o pedido de regulamentação, igualando streaming à exibição televisa. Ou, nas palavras do texto, “a aplicação das mesmas regras a todos os radiodifusores, plataformas, sites de compartilhamento e redes sociais”. Mas enquanto os cineastas buscam enquadrar a Netflix, não oferecem nenhuma palavra para incentivar o investimento, preferindo ignorar completamente a polêmica do festival francês, originada pela janela de lançamentos. Na França, o parque exibidor tem exclusividade de três anos sobre um filme, antes dele poder ser distribuído em outro formato, como streaming e vídeo. É um monopólio em descompasso com o resto do mundo e na contramão do interesse dos estúdios. O manifesto pode ser lido na íntegra, em inglês, no site da FERA, Federação dos Diretores de Cinema Europeus.
Único longa brasileiro em Cannes, Gabriel e a Montanha é elogiado pela crítica internacional
“Gabriel e a Montanha”, único longa-metragem brasileiro selecionado para o Festival de Cannes deste ano, foi exibido neste domingo (21/5), durante a programação da Semana da Crítica, prestigiada mostra paralela do festival. O filme dirigido por Fellipe Barbosa (“Casa Grande”) emocionou o público, que aplaudiu a obra no Espace Miramar, e a crítica internacional, que aplaudiu na internet. “O filme aborda sua narrativa com um ar de autenticidade inescapavelmente emocionante”, publicou o site Screen Daily. “Um sucesso brilhante em termos de forma para um filme que não visa resolver todas as questões misteriosas em torno de uma vida e uma morte, mas extrai um perfume de encanto inebriante”, classificou o site Cineuropa. “Barbosa tem de ser elogiado por querer enfrentar o que é claramente uma produção complexa em sua segunda empreitada cinematográfica, filmando em vários países da África e em locais que nem sempre são facilmente acessíveis e ainda contando parcialmente com um elenco não-profissional. Se nada mais, as imagens… são lindas na tela grande, sugerindo pelo menos uma das razões pelas quais Gabriel embarcou em sua viagem malfadada”, exaltou o site da revista The Hollywood Reporter. A obra dramatiza os últimos dias de Gabriel Buchmann, jovem economista brasileiro que morreu em 2009, aos 28 anos, durante uma escalada no Malawi. Buchmann, que era amigo de infância do diretor, estava viajando pelo mundo antes de iniciar um programa de doutorado sobre desenvolvimento social. Ao subir o Monte Mulanje, pico mais alto do Malawi com mais de 3 mil metros de altitude, ele se perdeu e acabou morrendo de hipotermia. A projeção em Cannes contou com a presença de Fátima Buchmann. Mãe do personagem do título, ela assistiu ao longa pela primeira e, emocionada, foi a primeira a abraçar o diretor após o fim da exibição. Nina Buchmann, irmã de Gabriel, João Pedro Zappa – que interpreta o protagonista -, o ator Leonard Siampala e o produtor-executivo da TvZERO Rodrigo Letier também estiveram presentes na sessão. Gabriel Buchmann viajou para a África com o objetivo de analisar de perto a pobreza e se qualificar para um doutorado na UCLA, nos Estados Unidos. A adaptação cinematográfica foi desenvolvida a partir de anotações, e-mails de Gabriel para a mãe e a namorada e entrevistas com pessoas que cruzaram seu caminho na África. Algumas dessas pessoas trabalham no filme interpretando a si mesmas. Na viagem, Gabriel também passou por países como Quênia e Tanzânia, sempre preocupado em conhecer as particularidades das comunidades locais, como a tribo dos Massais. Ele gastava entre dois e três dólares por dia e chegou a ajudar amigos que fez nessas regiões, pagando o aluguel mensal da casa de uma família africana com somente 12 dólares. No filme, Gabriel (João Pedro Zappa) se aventura por outras subidas difíceis, como o Kilimanjaro, ponto mais alto do continente africano. Ele também recebe a visita de sua namorada, Cris (Caroline Abras), que estava na África do Sul participando de um seminário sobre políticas públicas e, juntos, viajaram pela Tanzânia e Zâmbia. “O significado de uma viagem só pode ser definido após o retorno. Gabriel não teve a oportunidade de retornar. Minha motivação para fazer esse filme foi descobrir o significado da viagem que ficou perdido e compartilhá-lo, que é exatamente o que o Gabriel teria feito”, explicou Fellipe Barbosa, em comunicado para a imprensa. Este é o segundo longa-metragem de ficção dirigido por Fellipe Barbosa, que esteve à frente do elogiado “Casa Grande”, vencedor do prêmio do público no Festival do Rio e considerado Melhor Filme Brasileiro exibido em 2015 pela Pipoca Moderna.
Elenco de Okja avisa: “A Netflix vai mudar o mundo”
O elenco de “Okja”, um dos filmes produzidos pela Netflix no Festival de Cannes, deu uma entrevista arrojada para o site Deadline. Lily Collins (“Os Instrumentos Mortais: Cidade dos Ossos”), Paul Dano (“12 Anos de Escravidão”), Giancarlo Esposito (série “Breaking Bad”) e Steven Yeun (série “The Walking Dead”) falaram com muito mais empolgação sobre o que a Netflix representa para o futuro do cinema do que na entrevista coletiva oficial. “A Netflix vai mudar o mundo”, disse candidamente Esposito. Os atores apontaram que o principal diferencial não está no lugar onde filme do sul-coreano Bong Joon Ho será visto, mas como ele foi feito e quantas pessoas o verão. “Bong Joon Ho só conseguiria realizar esse filme do jeito que fez porque teve completa liberdade. Esta é maior mensagem que se tira disso”, avaliou Yeun. “Como cineasta, você quer que seu filme seja visto pelo maior número de pessoas e no maior quantidade de lugares em que for possível. E para este filme, ser feito como uma produção de baixo orçamento para uma exibição durante um mês, não seria o suficiente. Este é um grande filme visionário e graças a Deus que alguém apareceu e cobriu os valores para ele ser realizado”, completou Esposito. No encontro com a imprensa internacional, o diretor já tinha relatado como trabalhar com o serviço de streaming tinha sido uma experiência positiva, sem mencionar o sofrimento que passou com sua produção cinematográfica anterior. Para quem não lembra, “O Expresso do Amanhã” sofreu adiamentos sucessivos e ameaças do produtor Harvey Weinstein, que queria cortar o filme para que ficasse num tamanho que pudesse render mais sessões em salas de cinema. “A Netflix me deu um orçamento excepcional e total liberdade de criação, desde o roteiro à edição. Nunca interferiram no projeto. Não senti qualquer pressão deles, mesmo trabalhando em um filme que seria desaconselhável para menores de 13 anos”, comparou Joon Ho. Esposito demonstra otimismo em relação à convivência da Netflix e o parque de exibidor. Para isso, porém, algumas concessões precisarão ser feitas, principalmente por parte do circuito cinematográfico. Janelas como as da França, que exigem intervalo de três anos entre a exibição nas salas e a disponibilização em streaming, são superprotecionistas e já atuam contra os interesses dos próprios estúdios de cinema no mundo atual. “Acredito que, no futuro, encontraremos um meio termo feliz, onde os filmes serão exibidos por um período de tempo nos cinemas franceses, e é preciso resolver isso, pois nem os cinemas nem a Neflix vão sumir. Eles nos dão a oportunidade de ver filmes onde quisermos, como quisermos, inclusive no conforto das nossas casas, e a forma como a Netflix faz isso vai mudar o mundo”. “O jeito como os filmes são vistos já mudou muito ao longo dos anos e continua a mudar. Estar aqui, no meio de uma conversa tão intensa sobre mudanças, é interessante e uma honra”, conclui Lily Collins. Veja abaixo o vídeo com a entrevista completa com os atores do filme. Além deles, a produção ainda inclui Tilda Swinton (“Doutor Estranho”), Jake Gyllenhaal (“O Abutre”), Devon Bostick (série “The 100”) e a dupla Byeon Hie-bong e Yun Je-mun, que trabalhou com o diretor em vários filmes, entre eles “O Hospedeiro” (2006), primeiro filme de monstros de Bong Joon Ho.
Diretor de O Artista ousa fazer Festival de Cannes rir de Godard
Além de Netflix, o Festival de Cannes também teve cinema neste domingo (21/5). Um filme sobre cinema, para deixar bem claro: o francês “Le Redoutable”, de Michel Hazanavicius (diretor de “O Artista”), sobre o lendário cineasta Jean-Luc Godard. Abordar um personagem tão complexo como Godard, que continua ativo aos 86 anos, foi considerado um desafio, que Hazanavicius transformou em comédia. “Algumas pessoas provavelmente pensam que contar a história de Godard é blasfêmia”, disse o diretor à imprensa. “Meus amigos estavam preocupados. Mas ele não é meu herói ou meu Deus. Godard é como o líder de uma seita e eu sou um agnóstico”. Mesmo assim, Hazanavicius não vê problema em crucificar Godard. Seu filme encontra o cineasta em crise, renegando sua filmografia em meio ao contexto das rebeliões de maio de 1968 na França, logo após filmar “A Chinesa” (1967) sobre uma estudante marxista-maoista, vivida por Anne Wiazemsky, sua musa e esposa. O que atraiu Hazanavicius ao projeto foi o livro de memórias de Wiazemsky, a francesa de origem alemã que cativou os diretores da nouvelle vague. Em 1966, com 18 anos, ela estrelou o filme de Robert Bresson “A Grande Testemunha”, e, durante a filmagem, conheceu Godard, com quem se casou um ano depois. Segundo o diretor, o livro explica como a ainda adolescente ficou apaixonada pelo cineasta de meia-idade, que se mantinha espirituoso, charmoso e rebelde numa época em que a juventude não confiava em ninguém com mais de 30 anos. “Todo mundo já ouviu falar que ele era um cara difícil. Para mim, isso não poderia ter sido toda a história. Havia claramente algo muito sedutor sobre ele”. “É por isso que eu queria que Louis Garrel vivesse Godard”, completou, referindo-se à fama de sex symbol do ator francês, que na tela contracena com a jovem Stacy Martin (revelação de “Ninfomaníaca”). A própria Anne Wiazemsky elogiou a transformação de Garrel, algo que chamou atenção de toda a crítica. “Fiquei hipnotizada com a semelhança alucinante entre Louis Garrel e Jean-Luc. Fala como ele”, declarou a atriz de 69 anos. O que Godard exprime no filme da Hazanavicius, porém, é pura amargura, resultado da impossibilidade de ser jovem para sempre, da dificuldade de revolucionar a sociedade e o cinema como desejaria, e da insustentabilidade de seu casamento. A personalidade difícil não perdoa nem seus fãs, porque gostam de filmes que ele já considerava antigos e ultrapassados em 1968. O mau humor permanente gera frases impagáveis, mas também conduz à situações de pastelão, em que o protagonista sempre quebra seus óculos no final das piadas. Hazanavicius retoma os truques de “O Artista”, ao transformar as características da nouvelle vague em clichês, que ajudam a informar as cenas, ao mesmo tempo em que cutuca Godard e a geração de 1968, ao insinuar que era uma loucura o cineasta desdenhar de seus melhores filmes, especialmente porque ele não sabia nada sobre a luta de classes dos proletários que supostamente abraçava com “A Chinesa”. É realmente uma heresia para os cinéfilos que ainda acreditam que Godard é Deus. E são muitos, como se viu pela quantidade de críticos que considerou seu último filme experimental como um dos melhores do ano passado. “Estou preparado para o pior, mas espero o melhor”, completou o diretor, ciente do que fez.
Adam Sandler transforma vaias em elogios no Festival de Cannes
A Netflix continua a ser o assunto dominante no Festival de Cannes. Mal a poeira de sua estreia no evento se assentou, chega seu segundo filme, “The Meyerowitz Stories”, de Noah Baumbach. E novamente a projeção foi marcada por vaias da crítica ao logotipo da plataforma de streaming. O cineasta espanhol Pedro Almodóvar, presidente do júri da competição, deu aval para as manifestações conservadoras ao declarar-se contrário à premiação, no festival, de um filme que não será exibido no cinema. Seria um “paradoxo”, na sua definição. Sem ter como evitar o tema, o diretor americano de “The Meyerowitz Stories” brincou, na entrevista coletiva: “Não fiquei sabendo dessa controvérsia”. Baumbach explicou que sua obra não foi planejada como um produto destinado ao serviço de streaming, e que o local de exibição não alterou em nada seu trabalho atrás das câmeras. Em suma, que filme é filme e não sala de cinema. E que ainda assim prefere a forma tradicional de se assistir cinema, embora seu novo longa, como todos de sua carreira, seja rodado em 16mm, uma bitola antiga, que não é recomendada para as atuais salas de projeção digital. Um paradoxo, como diria Almodóvar. “O filme foi feito com a expectativa de ser exibido em tela grande, que ainda considero uma experiência única, que não vai acabar. O fiz de forma independente, com película em Super 16mm, assim como tenho feito todos os meus trabalhos. A Netflix adquiriu os direitos sobre ele na fase de pós-produção e, deste então, ela tem nos dado todo apoio e suporte”, resumiu. O elenco eclético da produção, composto por Adam Sandler, Ben Stiller, Dustin Hoffman e Emma Thompson, resolveu encarar a polêmica com humor. “Eu tenho uma televisão bem grande”, disse Hoffman, após Baumbach mencionar que preferia assisti-lo em “tela grande”. A discussão sobre formato quase ofuscou o debate do conteúdo, que, por sinal, tende a dar muito o que falar. Quando isso se tornou possível, veio à tona que o elenco queria evitar participar do filme por motivos bem diversos da Netflix. Os quatro atores principais chegaram a recusar o convite inicial do diretor, e só aceitaram após muita insistência para lerem o roteiro. Para começar, Adam Sandler tinha medo de fazer um papel dramático tão complexo, completamente diferente dos que costumava interpretar. Já Stiller, ao contrário, achava que o personagem se parecia demais com todos que ele tem interpretado. O receio de Thompson era atuar como uma alcoólatra com sotaque americano. E, para completar, Dustin Hoffman “não queria interpretar um velho”, brincou. “The Meyerowitz Stories” gira em torno de uma família cujos membros, que não se veem há anos, são obrigados a se reunirem para um evento que celebra as obras de arte do pai (Hoffman), um escultor que já foi famoso e se encontra em decadência. Aos poucos, as feridas e rancores do passado retornam, entre refeições e reuniões familiares. “O que me interessa em meus filmes é a diferença entre o que somos realmente e o que gostaríamos de ser. Neste filme, eu queria abordar o tema do sucesso, o que o sucesso significa para diferentes pessoas”, afirmou o diretor. E, assim como aconteceu com “Okja”, após a poeira se assentar, o filme de Baumbach recebeu críticas bastante positivas. Até Adam Sandler foi elogiado, situação rara na carreira do ator, que prefere se ridicularizar em suas comédias apelativas. Sua interpretação de um músico desempregado e em processo de divórcio chamou tanta atenção que algumas publicações até especulam a possibilidade de obter premiação. O jornal britânico The Guardian declarou ter visto um “ator formidável na tela”. E o site Indiewire completou: “Como Adam Sandler pode ser bom quando não protagoniza filmes típicos de Adam Sandler”. A Netflix ainda não divulgou a data do lançamento.
Netflix estreia em Cannes sob vaias e vontade de aplaudir
A estreia de “Okja” no Festival de Cannes foi histórica. A primeira produção da Netflix foi recebida, na sessão para a imprensa, com vaias da crítica, que começaram quando o logotipo da empresa apareceu na tela. Brasileiros poderiam brincar que o filme é golpista. Mas a crítica de Cannes é que é elitista. O protesto aconteceu porque “Okja” não será exibido nos cinemas franceses, ganhando um lançamento direto em streaming. Para completar o incômodo, a projeção teve problemas técnicos e gerou ainda mais vaias, precisando ser interrompida e recomeçar. Adeptos de teorias conspiratórias já imaginaram sabotagem. Mas o diretor sul-coreano Bong Joon Ho adorou, dizendo que o acidente permitiu à imprensa ver duas vezes a abertura. Vale observar que a segunda projeção veio sem vaias. E, ao final da sessão, houve constrangimento em relação ao que fazer. Afinal, como se veria mais tarde, todos queriam aplaudir. Joon-Ho não quis entrar em polêmicas. Declarando-se fã de Pedro Almodóvar, presidente do júri da competição deste ano, que lamentou a inclusão de filmes da Netflix no festival, o sul-coreano se disse satisfeito pelo simples fato de “Okja” ser visto. “Não importa o que aconteça com o filme, que falem bem ou mau dele, para mim está ok”. “Não viemos para Cannes para ganhar prêmios, mas para mostrá-lo ao mundo, e o festival é uma tela importante. Acho que, em muitos assuntos, há espaço para todo mundo”, emendou Tilda Swinton, que vive a vilã da trama. A atriz completou seu raciocínio com um comentário fulminante sobre os protestos. “Há dezenas de filmes exibidos em Cannes que não serão exibidos em cinemas de muitos países do mundo. Na verdade, temos que agradecer o apoio que a Netflix tem dados aos realizadores”, apontou. Também presente à entrevista coletiva, o ator Jake Gyllenhaal ecoou a colega. “A plataforma de um filme, a partir de onde ele pode alcançar o público para comunicar sua mensagem, é realmente importante. É extraordinário quando um filme atinge uma pessoa, que dirá milhões de pessoas. É bom espalhar a arte da forma que for possível. Mas claro que o debate sempre é fundamental”, completou. Por fim, o diretor falou sobre sua experiência de trabalhar com o serviço de streaming, após ter sofrido com adiamentos sucessivos e ameaças do produtor Harvey Weinstein, que queria cortar seu filme anterior, “O Expresso do Amanhã”, para que ficasse num tamanho que pudesse render mais sessões nas tais salas de cinema idolatradas pela crítica cannina. “A Netflix me deu um orçamento excepcional e total liberdade de criação, desde o roteiro à edição. Nunca interferiram no projeto. Não senti qualquer pressão deles, mesmo trabalhando em um filme que seria desaconselhável para menores de 13 anos”, comparou Joon Ho. O filme é uma fábula sobre o crescimento, com inspiração no cinema de Steven Spielberg e Hayao Miyazaki, e gira em torno da amizade entre uma menina (An Seo Hyun) e seu animal de estimação, a Okja do título. O detalhe é que o bicho pertence a uma espécie nova, um “super porco” desenvolvido em laboratório, que uma grande corporação, a Mirando, liderada pela personagem de Tilda Swinton, criou para ser estrela de uma campanha promocional contra a fome mundial – e abater. E para salvar seu amigo, a menina contará com apoio de um grupo radical de proteção dos animais comandado por Paul Dano. Jake Gyllenhaal participa como um biólogo contratado para dar uma aparência de comprometimento ético à Mirando. A trama sugere uma aventura infantil, e há instantes de comédia pastelão, mas também exibe cenas de violência gráfica pouco aconselháveis para crianças. Ou, pelo menos, é assim que o cérebro ocidental o processa, num curto-circuíto de intensões. Mas, apesar dos atores conhecidos de Hollywood, a produção não é ocidental. Tanto Joon Ho como Tilda Swinton abordaram a influência dos longas animados do diretor japonês Hayo Miyazaki na trama. “Quando se faz um filme sobre vida e natureza, é difícil não pensar em Miyazaki”, admitiu o diretor. “Há algo nos filmes de Miyazaki que vão para além da questão da nossa relação emocional com o meio ambiente. Eles também aludem a outro ambiente, o da infância, que é um lugar pra onde podemos ir”, aprofundou a atriz. E assim, após vaias, “Okja” sutilmente trouxe o cinema para dentro da discussão. E os críticos se interessou em esmiuçar essas referências, em resenhas assombrosamente positivas. “Glorioso” e “um grande prazer”, definiu o jornal The Guardian. “Seriamente gratificante”, elogiou a revista “Time Out. “Uma fábula alucinada tão cheia de propósito quanto imprevisível”, apontou a New York Magazine. “Esta produção da Netflix pertence à tela grande”, concluiu a Variety. Para o bem e para o mal, a Netflix estreou em Cannes.
Filmes da Netflix fazem Pedro Almodóvar e Will Smith dividirem o júri do Festival de Cannes
A polêmica sobre a inclusão de filmes da Netflix no Festival de Cannes 2017 dividiu os responsáveis pela escolha do vencedor da Palma de Ouro. De um lado, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar (“Julieta”), que preside o juri, manifestou-se contra premiar um filme que não seja exibido no cinema. Do outro, o ator americano Will Smith (“Esquadrão Suicida”), que estrela um lançamento exclusivo da Netflix, disse estar pronto a bater o pé e discordar. A disputa da Palma de Ouro terá este ano dois filmes que não serão exibidos nos cinemas: “The Meyerowitz Stories”, de Noah Baumbach, e “Okja”, de Bong Joon-Ho. Ambos serão disponibilizados apenas via streaming na França, o que levou os exibidores franceses a protestarem contra sua inclusão do evento. Por conta da controvérsia, o festival acabou se comprometendo a não selecionar mais filmes com distribuição exclusiva em streaming. Para Almodóvar, seria um paradoxo que um filme premiado em Cannes não pudesse ser visto nos cinemas. Durante a entrevista coletiva do juri, ele partiu com ímpeto contra o streaming. “Eu pessoalmente entendo que a Palma de Ouro não deve ser entregue para um filme que não seja visto nos cinemas”, afirmou. “Tudo isso não significa que eu não esteja aberto para celebrar novas tecnologias e oportunidades, mas enquanto eu estiver vivo, vou defender a capacidade de hipnose que uma tela grande tem sobre o espectador, algo que as novas gerações não conhecem”. A imprensa internacional resolveu provocar, questionando se ele preferia vencer a Palma de Ouro ou ser assistido nos 190 países nos quais os serviços da Netflix são oferecidos. Almodóvar reagiu de forma exaltada. “Mais do que ser visto em 190 países, para mim um filme meu precisa sempre ser assistido em uma tela grande”. Em seguida, o cineasta leu um comunicado em que esclarece sobre sua opinião do assunto. “Plataformas digitais são uma nova maneira de oferecer imagens e palavras, o que, por si só é enriquecedor. Mas estas plataformas não deveriam tomar o lugar de plataformas pré-existentes, como cinemas”, afirmou. “Elas não deveriam, sob nenhuma circunstância, mudar a oferta para os espectadores. A única solução que vejo seria que as novas plataformas aceitassem e obedecessem as regras que já foram adotadas e respeitadas por meios mais antigos.” A declaração de Almodóvar levantou a suspeita de que as produções da Netflix não seriam consideradas para os prêmios do festival. Mas Will Smith promete lutar contra o preconceito cinéfilo. Ele afirmou que discorda de Almodóvar e que não se furtaria de realizar um belo “escândalo”, em suas palavras. “Eu tenho filhos de 16, 18 e 24 anos em casa”, disse o ator, usando Willow, Jaden e Trey Smith como exemplos. “Eles vão aos cinemas duas vezes por semana e assistem Netflix. Uma coisa não atrapalha a outra”, comentou o astro, que estrela a sci-fi “Bright”, com lançamento exclusivo por streaming. “Em casa, a Netflix é absolutamente benéfica — meus filmes assistem filmes que não teriam acesso de outra maneira. Ela tem expandido a compreensão global dos meus filhos sobre cinema”, afirmou o ator, observado por um Almodóvar contrariado. Também parte do júri, a diretora francesa Agnès Jaoui (“Além do Arco-Íris”) se aliou a Will Smith ao defender as produções da Netflix que concorrem à Palma de Ouro. “Não podemos fingir que a tecnologia não existe. Mas seria um absurdo penalizar esses diretores apenas por causa disso.” Os demais integrantes do júri da Palma de Ouro são a atriz americana Jessica Chastain (“A Colina Escarlate”), a atriz chinesa Fan Bingbing (“X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”), o diretor italiano Paolo Sorrentino (“Juventude”), a cineasta alemã Maren Ade (“Toni Erdmann”), o diretor sul-coreano Park Chan-woo (“A Criada”) e o compositor libanês Gabriel Yared (“É Apenas o Fim do Mundo”). Vale observar que “Okja” será lançado nos cinemas na Coreia do Sul. E os dois filmes da Netflix só não serão exibidos nas salas francesas porque as redes se valem de uma regulamentação que estabelece uma janela de 36 meses entre a distribuição em cinema e a disponibilização em streaming de uma produção. “Estamos certos de que os amantes franceses de cinema não vão querer ver esses filmes três anos depois do resto do mundo”, rebateu a Netflix em um comunicado.
Romance húngaro apolítico vence o politizado Festival de Berlim
O filme húngaro “On Body and Soul” foi o vencedor do Urso de Ouro, prêmio máximo do Festival de Berlim 2017. O longa superou outros 17 concorrentes da mostra competitiva para celebrar sua vitória na cerimônia realizada neste sábado (18/2) na capital da Alemanha. “On Body and Soul” já tinha conquistado o prêmio da crítica. O longa da cineasta Ildikó Enyedi (responsável pela versão húngara da série “Sessão de Terapia”) foi apontado desde o começo como um dos favoritos, mas curiosamente sua história de amor era uma das tramas mais despolitizadas da competição, num ambiente marcado por dramas de refugiados e protestos políticos. O filme também venceu um prêmio do público, conferido pelo jornal alemão Berliner Morgenpost, e o prêmio do juri ecumênico. Pela coincidência com os prêmios independentes, o Urso de Ouro de “On Body and Soul” foi considerado um acerto do júri presidido pelo cineasta Paul Verhoeven (“Elle”). Mas houve quem preferisse maior reconhecimento para o filme de Aki Kaurismãki, um dos mais politizados do festival, que foi contemplado com um Urso de Prata. O finlandês Kaurismäki recebeu o troféu de Melhor Direção, após seu filme “The Other Side of Hope” ser um dos mais aplaudidos da Berlinale. O longa é uma história tragicômica, que gira em torno de um refugiado sírio. O mestre finlandês já tinha tratado do tema dos refugiados em seu filme anterior, “O Porto” (2011). Com uma filmografia que já abrange três décadas, ele nunca venceu nenhum dos grandes festivais e havia grande torcida por um Leão de Ouro. Mesmo assim, o Leão de Prata de Berlim é o prêmio mais importante de sua carreira. Outro filme bastante comentado, “Una Mujer Fantástica”, do chileno Sebastian Lélio (do premiadíssimo “Gloria”), venceu como Melhor Roteiro. A produção gira em torno de uma mulher transgênero que tenta superar o luto, e também conquistou o prêmio Teddy, que elege as melhores obras LGBTQ do festival. Mas a torcida também queria ver a transexual Daniela Vega vencer como Melhor Atriz. Os prêmios de interpretação foram para o veterano austríaco Georg Frederich (de “Faust”) por “Bright Nights”, de Thomas Arslan (“Gold”), e a sul-coreana Kim Min-hee (estrela de “A Criada”), por “On the Beach at Night Alone”, sua segunda parceria com o diretor Hong Sang-soo após “Certo Agora, Errado Antes” (2015). “Ana, Mon Amour”, do romeno Cãlin Peter Netzer, também teve uma recepção muito boa da parte da imprensa, tendo como único senão o fato de seu cineasta ter vencido o Urso de Ouro recentemente – por “Instinto Materno” (2013). Acabou rendendo um prêmio para sua editora, Dana Bunescu, como Melhor Contribuição Artística. O júri também deu um prêmio especial a “Félicité”, do senegalês Alain Gomis (“Andalucia”), sobre uma mãe solteira que trabalha como cantora de bar e se desespera pela falta de dinheiro quando o filho precisa ser hospitalizado em Kinshasa. E entregou à veterana Agnieszka Holland (“Na Escuridão”) o troféu Alfred Bauer, voltado a produções que abrem novos horizontes artísticos, por “Pokot”. Esta homenagem destoou das demais, uma vez que longa da cineasta polonesa, sobre uma serial killer vegana que mata caçadores para defender os animais de uma floresta, foi vaiado durante sua projeção. Completam a premiação principal os troféus de Melhor Filme de Estreia para “Summer of 1993”, da espanhola Carla Simon, e de Melhor Documentário para “Ghost Hunting”, do palestino Raed Andoni. E entre os curtas, vale mencionar a vitória de “Cidade Pequena”, do português Diogo Costa Amarante. O Brasil foi representado na competição por “Joaquim”, de Marcelo Gomes, que a crítica internacional considerou fraco. Um jornal português chegou a questionar sua inclusão na seleção, mencionando que havia obras brasileiras melhores nas mostras paralelas. Por sinal, “Pendular”, de Julia Murat, recebeu o prêmio da crítica como Melhor Filme da mostra Panorama. Vencedores do Festival de Berlim 2017 Urso de Ouro – Melhor Filme “On Body And Soul”, de Ildiko Enyedi Urso de Prata – Grande Premio do Júri “Félicité”, de Alain Gomis Urso de Prata – Prêmio Alfred Bauer “Pokot”, de Agnieszka Holland Urso de Prata – Melhor Diretor Aki Kaursimaki, “The Other Side of Hope” Urso de Prata – Melhor Atriz Min-hee Kim, por “On the Beach at Night Alone” Urso de Prata – Melhor Ator Georg Friedrich, por “Bright Nights” Urso de Prata – Melhor Roteiro Sebastian Lelio e Gonzalo Maza, por “Una Mujer Fantástica” Urso de Prata para Melhor Contribuição Artística Dana Bunescu, pela edição em “Ana, Mon Amour” Melhor Documentário “Ghost Hunting”, Raed Andoni Melhor Filme de Estreia “Summer 1993”, Carla Simon Urso de Ouro – Melhor Curta-Metragem “Cidade Pequena” Urso de Prata – Prêmio de Júri de Curta-Metragem “Reverie in the Meadow” Prêmio Audi para Curta-Metragem “Street of Death”
Filme de Julia Murat é o único brasileiro premiado no Festival de Berlim
O filme brasileiro “Pendular”, de Julia Murat, venceu o prêmio da crítica no Festival de Berlim 2017. Ele foi eleito pela Federação Internacional dos Críticos de Cinema (Fripresci) como o melhor filme da mostra Panorama do festival alemão. Os críticos elogiaram a “excelente qualidade visual” e “força narrativa” do filme, que aborda o relacionamento entre uma dançarina e um escultor boêmios à beira da meia-idade. Ao receber o prêmio, Murat afirmou que, após dias falando sobre política – ela foi uma das cineastas que assinou a carta contra mudanças na política do audiovisual – , falaria sobre “afeto” e dedicou o troféu ao crítico José Carlos Avellar, morto em 2016. “Pendular” foi uma das 12 produções brasileiras selecionadas para o festival alemão este ano, incluindo oito longa-metragens, numa participação recorde. A maioria dos filmes estava concentrado na mostra Panorama, mas nenhuma outra produção nacional foi premiada. Todos os prêmios independentes já foram entregues, faltando apenas a disputa do Urso de Ouro. Além de “Pendular”, a crítica elegeu a história de amor húngara “On Body and Soul” como Melhor Filme da mostra Competitiva. O mesmo filme venceu um prêmio do público, conferido pelo jornal alemão Berliner Morgenpost, e o prêmio do juri ecumênico. Os vencedores da mostra Panorama, eleitos pelo público, foram “Insyriated”, um drama do diretor belga Philippe van Leeuw sobre uma casa sitiada durante a guerra civil síria, como Melhor Ficção, e “Eu Não Sou Seu Negro”, do haitiano Raoul Peck, já em cartaz no Brasil, como Melhor Documentário. O filme de Peck também concorre ao Oscar 2017 de sua categoria. O longa que venceu a mostra Forum foi “Mama Colonel”, de Georg Genoux, documentário sobre como os militares lidam com a situação dos refugiados no Congo, país dividido numa eterna guerra civil. “Butterfly Kisses”, estreia do polonês Rafael Kapelinski, venceu o Urso de Cristal como Melhor Filme da seção Geração, dedicada a filmes sobre a infância e a juventude. E, para completar, o chileno “Una Mujer Fantástica”, de Sebastían Lelio, saiu com o prêmio Teddy, que elege as melhores obras LGBTQ, e também recebeu menção especial do júri ecumênico.
Logan tem a première mais aplaudida e a entrevista mais concorrida do festival de Berlim
A première de “Logan” foi uma das sessões mais aplaudidas do Festival de Berlim 2017. E a que gerou mais comoção, com lágrimas escorrendo dos rostos de críticos internacionais, a ponto de aplausos se confundirem com soluços. Muitos ficaram esperando pela cena pós-crédito em busca de um alívio. Mas ela não veio. A entrevista coletiva, com a participação do diretor James Mangold, do astro Hugh Jackman, do veterano Patrick Stewart e da jovem Dafne Keen, também foi a mais concorrida do festival alemão, com dezenas de jornalistas e um número ainda maior de fotógrafos tentando encontrar lugares que não existiam para registrar a opinião dos artistas. Além do tom dramático, a questão da violência excessiva da trama foi tratada com atenção, assim como a impressionante liberdade conferida pela 20th Century Fox para que fizessem uma produção de super-heróis com pegada autoral… e com aquele final. Jackman afirmou que o projeto foi concebido, desde seu primeiro esboço, para ser completamente diferente dos demais filmes dos X-Men. “Sabíamos que esta seria minha última vez no papel, então não queríamos que o filme fosse limitado por um gênero, classificação indicativa ou conexões com longas anteriores. Decidimos também que não seria um filme divertido. Queríamos apenas que fosse um bom filme. Mas o resultado ultrapassou as minhas expectativas”, explicou. “Não posso dizer que vou sentir saudade dele, porque Logan sempre vai viver aqui comigo. E os fãs vão me lembrar dele também”, disse, rindo. “É parte de quem sou. Mas não vou sentir falta da dieta de frango”, brincou, referindo-se à alimentação com base em proteínas para entrar em forma para o papel. “São 17 anos no personagem”, ele continuou, “mas se alguém me perguntasse o que deveria ver da franquia para poder entendê-lo, eu diria que deveria ir diretamente para ‘Logan’, pois foi só com este filme que eu cheguei ao coração de Wolverine. E é muito bom chegar a esta produção sem que ela carregue o estigma de ‘filme de gênero’ ou de ser mais um filme de super-herói. Esta história sobre a formação de uma família é uma carta de amor aos fãs de Wolverine”, completou. Mangold citou “Os Imperdoáveis”, de Clint Eastwood, e outros westerns como principal referência, em vez das habituais histórias em quadrinhos, que, por sua vez, aparecem na trama como metalinguagem. Os trailers já tinham mostrado Logan criticando os gibis que contavam as “aventuras dele”. “Pensamos muito em ‘Os Imperdoáveis’ na concepção do roteiro, com menção específica à figura do pistoleiro vivido por Richard Harris, que tem sua história narrada por um escritor”, explicou Mangold, à respeito da ideia de incluir os quadrinhos na própria história. “Conversei com Hugh e com nossos parceiros sobre o fato de que os feitos dos X-Men, naquele mundo de ficção, seriam tão populares que alguém escreveria sobre eles como heróis folclóricos. Por isso, seria normal que eles virassem personagens de quadrinhos”, contou. O diretor assegurou que não houve interferências do estúdio, apesar do temor dos executivos, confirmado pela presidente da 20th Century Fox Stacey Snider numa convenção desta semana. “Fiz o filme como quis. O estúdio podia ficar assustado por estarmos fazendo algo fora do normal, mas eles nos apoiaram. Deixaram-nos experimentar e para isso é preciso ter coragem. Agradeço-lhes profundamente”. Na trama, que se passa no futuro, Logan aparece envelhecido e perdendo os poderes, mas é convencido pelo Professor Xavier (Patrick Stewart) a realizar uma última missão: levar uma menina mutante (Dafne Keen) para um local seguro, enquanto é perseguido por mercenários. Mas a menina acaba se revelando tão feroz quanto o velho Wolverine, inclusive demonstrando os mesmos poderes – fãs dos quadrinhos e das animações dos X-Men sabem porquê. Indagado se não deveria evitar retratar uma criança assassina num filme, o diretor se defendeu. “Essas crianças são atores. Criamos um ambiente de muito amor. Fazer um filme é muito diferente de ver. Dafne cresceu neste meio e sabe a diferença entre ficção e realidade”, disse. “Agora, este filme não foi feito para crianças, não apenas por causa da violência, mas dos temas, como a natureza da vida e da morte.” Apesar da resposta, o diretor voltou a ser questionado sobre o excesso de violência na trama, que, apesar das restrições etárias, será vista por jovens quando chegar à TV. “Há programas na TV mais violentos e explícitos que os jovens veem. O trabalho de saber o que o seu filho vê não é meu, é seu. O meu é apenas o de fazer filmes. Quando mostramos violência, temos de saber mostrar as consequências. Que a vida acaba, o que hoje é muito ignorado no cinema. Muitas vezes nos filmes morrem centenas de pessoas, mas, como há menos sangue, a violência não é discutida. E é isso que o meu filme faz”, o cineasta respondeu, sob muitos aplausos. “As grandes histórias jogam luz sobre quem somos”, disse Jackman, que lembrou que, além de lidar com as consequências da violência, “‘Logan’ também é um filme sobre família, sobre cuidar dos mais velhos e dos mais jovens”. “O filme mostra um mundo em transformação, em que discutimos se é melhor se separar ou se conectar. Se é mais seguro viver sozinho e isolado de todos ou se, mesmo mais perigosa, a conexão com outros é melhor solução. Espero que o filme tenha essa ressonância”, concluiu. Logan estreia no Brasil em duas semanas, no dia 2 de março.
Berlim: Continuação de Trainspotting troca a juventude pela crise da meia-idade
Uma das sessões mais disputadas do Festival de Berlim, a exibição de “T2 Trainspotting” dividiu opiniões. Muitos esperavam uma retomada da ousadia do primeiro longa, com suas viagens aterrorizantes de heroína, mas, 20 anos depois, a continuação é quase uma sombra do original, mas nem por isso deixa de ser divertido. De certo modo, faz todo o sentido, inclusive narrativamente. “O primeiro longa juntou um ótimo tema e um roteiro excelente com o momento exato, o zeitgeist perfeito. Não dá para conseguir isso de novo, foi único”, considerou Jonny Lee Miller, intérprete de Simon, aka Sick Boy, durante o encontro com a imprensa internacional. “Eu mesmo só me interessei pelo novo projeto porque não seria ‘uma continuação’ típica… Até porque parece mais uma ‘post-mortem’ daquele universo”, brincou. De fato, “T2 Trainspotting” não tem o mesmo frescor, porque todos os envolvidos estão na meia-idade, tanto atrás das câmeras quanto na própria ficção. O tempo passou e o reencontro de personagens, atores, roteirista e diretor se dá em clima de nostalgia. As referências a eventos de 1996 surgem quase como memorabilia. Mas um filme é fruto do outro, e o cineasta Danny Boyle busca manter a continuidade estética entre as duas produções, optando pelo mesmo fluxo de imagens inspirados na estética de videoclipe, que parecia tão moderna na época do Britpop. Curiosamente, boa parte das críticas foram focadas nesta opção estética, centrada em movimentos de câmera “espertos” e visual “vibrante”, que mais parecem exercícios de estilo que uma estrutura a serviço da história. Mas há, sim, uma boa história captada pelas câmeras, da qual se ri muito. Na entrevista coletiva do festival, Boyle explicou que queria fazer um novo filme que fosse independente do original, mas achou difícil escapar da herança de “Trainspotting”. Ele revelou que o roteirista John Hodge escreveu um roteiro perfeitamente decente, baseado em parte no romance “Porno”, de Irvine Welsh, que é a sequência literária do primeiro filme. “Mas eu nem sequer me preocupei em enviá-lo para os atores”, disse. Isto porque o cineasta queria algo mais pessoal, que convencesse o elenco original a retornar. Ele precisava que o filme refletisse a passagem de tempo não só dos personagens, mas de todos os envolvidos. E assim se trancou com Hodge numa casa em Edimburgo, respirando o clima escocês para imaginar um reencontro com Renton, Sick Boy, Begbie e Spud na mesma cidade, mas numa época radicalmente diferente. “O filme é sobre a angústia do avançar da idade, é sobre questões envolvendo a masculinidade”, explica o diretor. “Era essencial que os atores trouxessem seus próprios conflitos pessoais com essas questões aos personagens”. Boyle acrescenta que até as mudanças tecnológicas dos últimos anos foram incorporadas na produção. “Muitas coisas mudaram no modo de se fazer cinema daquela época para cá. O mais importante é que as câmeras ficaram muito menores”, repara. “Com os aparelhos de hoje, você consegue captar em uma cena alguns detalhes que antes você sequer poderia imaginar enquanto escrevia o roteiro do filme. E também é possível acessar as performances dos atores de maneira diferente.” Mas mudanças também aconteceram durante as filmagens, afetando o mundo de todos os envolvidos. “Estávamos filmando quando aconteceu o Brexit, e foi um choque especial estar na Escócia” – que votou contra a saída do Reino Unido da União Européia – , contou Boyle. Talvez por reflexo disso, o filme é bem mais europeu que o primeiro, que foi todo concentrado em Edimburgo. Desta vez, há cenas na Holanda e na Romênia. Boyle também se dedicou a selecionar uma trilha sonora marcante, como a do primeiro filme, inclusive referenciando as duas músicas mais fortes do original, “Lust for Life”, de Iggy Pop, que ganhou um cover de Prodigy, e “Born Slippy”, refeita numa versão mais lenta pela própria banda Underworld. Mas, no lugar do Britpop de Blur, Elastica e Primal Scream, incluiu a nova geração de bandas britânicas, como Young Fathers e Fat White Family. Vale observar que os críticos britânicos foram os que mais gostaram do filme.












