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Brian Wilson, gênio dos Beach Boys, morre aos 82 anos
Músico que criou hits eternos, revolucionou o rock e influenciou os Beatles morreu aos 82 anos, deixando legado marcante
A despedida de um gênio
Brian Wilson, que transformou o estilo de vida adolescente da Califórnia em uma série de sucessos dos anos 1960 com sua banda The Beach Boys, morreu aos 82 anos. A informação foi anunciada pela família em publicação no Instagram: “Estamos de coração partido ao anunciar que nosso amado pai Brian Wilson faleceu. Estamos sem palavras neste momento. Por favor, respeitem nossa privacidade enquanto nossa família está de luto.” A mensagem foi encerrada com a frase “Love & Mercy”, referência ao single de estreia solo de Wilson e ao título do filme de 2014 sobre sua vida.
Wilson, que fundou a banda na cidade costeira de Hawthorne, Califórnia, ao lado dos irmãos Carl Wilson e Dennis Wilson, do primo Mike Love e do colega de escola Al Jardine, compôs clássicos atemporais como “Surfin’ U.S.A.”, “In My Room”, “God Only Knows”, “Caroline, No”, “California Girls”, “Wouldn’t It Be Nice” e “Good Vibrations”. Ele foi o cérebro por trás de “Pet Sounds” (1966), álbum considerado um dos maiores da história do rock. Tanto Paul McCartney quanto o produtor da banda The Beatles, George Martin, reconhecem a influência de “Pet Sounds” no álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, lançado pelos Fab Four em 1967. Em 2003, a revista Rolling Stone chegou a colocar os álbuns dos Beatles e dos Beach Boys, respectivamente, em 1º e 2º lugar na lista dos 500 maiores discos de todos os tempos.
Primeiros passos
Nascido em 20 de junho de 1942, em Inglewood, Califórnia, Brian Douglas Wilson era o mais velho de três filhos de Audree Neva e do compositor frustrado Murry Wilson. A família mudou-se para Hawthorne quando ele tinha dois anos. Wilson foi considerado um prodígio musical desde cedo, tendo uma revelação ao ouvir “Rhapsody in Blue”, de George Gershwin, ainda criança. Pouco tempo depois, foi diagnosticado com perda auditiva no ouvido direito, condição frequentemente atribuída a um suposto soco do pai, nunca confirmado. Aos nove anos, Brian já se apresentava em reuniões familiares, cantando canções compostas pelo primo Mike Love.
Na adolescência, Brian já ensinava harmonia aos irmãos Carl e Dennis e reproduzia, nota por nota, as harmonias do grupo Four Freshmen ao piano. Com Mike Love e Carl, formou o grupo Carl and the Passions, tocando covers em apresentações escolares e impressionando Al Jardine, colega de classe que depois se juntaria ao grupo.
Surfe, garotas, carros e verão
Em 1961, Brian, Carl, Dennis, Love e Jardine juntaram a mesada dos pais para alugar instrumentos e fazer shows colegiais como The Pendletones. Com os instrumentos, eles criaram o arranjo do primeiro sucesso, “Surfin’”, inspirado por Dennis, o único surfista real da banda.
Murry Wilson incentivou os filhos, levando-os a gravar a música em estúdio, quando mudaram o nome para The Beach Boys, visando refletir o nome da gravação. O single “Surfin’” virou hit regional e garantiu contrato com a Capitol Records, por onde rapidamente lançaram “Surfin’ Safari”, “Surfin’ U.S.A.” e “Surfer Girl”, hits absolutos entre 1962 e 1963. Outros sucessos da época celebraram a paixão californiana por carros (“Shut Down”, “409”, “Little Deuce Coupe”) e o verão (“Be True To Your School”, “Fun, Fun, Fun”, “I Get Around”), muitos gravados no estúdio United Western Recorders, onde Brian inovou ao dobrar as vozes do grupo.
Brian assinou pela primeira vez como produtor no álbum “Surfer Girl” (1963) e passou a focar mais na composição e produção. Seu primeiro número 1 veio com “Surf City”, parceria com Jan Berry, que foi lançado pela dupla Jan and Dean, o que causou desavenças com o pai. Murry não gostou de ver o filho ajudando rivais. Mas não faltariam hits para o futuro dos Beach Boys.
Ascensão, inovação e crise: “Pet Sounds” e “Smile”
Entre 1962 e 1966, os Beach Boys emplacaram 10 hits no Top 10 e outros sete no Top 40 da Billboard, todos com forte participação autoral e produção de Brian Wilson. Rivalizando em popularidade com os Beatles, Brian buscava inovação e apelou para o uso de maconha e ácido lisérgico, que influenciaram álbuns como “Today!” e “Summer Days”, além de músicas como “California Girls”.
Em 1965, Wilson iniciou o projeto “Pet Sounds”, ao lado do letrista Tony Asher. O álbum foi promovido como “o mais progressivo do pop” e é reconhecido pelas orquestrações sofisticadas, harmonias complexas e temas de amadurecimento, misturando pop, jazz, música clássica, exotica e instrumentos inusitados no rock. “Caroline, No”, o single de estreia solo de Wilson, abriu a sequência, seguida por “Sloop John B” e “Wouldn’t It Be Nice”. Considerado um dos álbuns mais influentes da história, o disco foi ovacionado no Reino Unido, mas teve uma recepção inicial morna nos EUA.
O cantor enxergava “Pet Sounds” como um álbum solo e uma resposta a “Rubber Soul” (1965) dos Beatles. Impulsionado pelo trabalho de seus rivais, ele pretendia criar “o maior álbum de rock já feito”. Entretanto, a imprensa da época não enxergou assim – algo que só revisto no fim do século 20. Insatisfeito com as críticas a “Pet Sounds”, Brian decidiu radicalizar ainda mais. Ele mergulhou na criação do single “Good Vibrations”, uma viagem lisérgica coescrita com Mike Love. Após sete meses de sessões e experimentações, a música surpreendeu por seu arranjo e sonoridade, que misturavam o estilo ensolarado dos Beach Boys com psicodelia. O single atingiu o 1º lugar nas paradas americanas, inovando com uso de Theremin, cordas e colagens sonoras.
O sucesso impulsionou o compositor a iniciar o projeto “Smile”, junto ao letrista Van Dyke Parks, descrito como “uma sinfonia adolescente para Deus”. À medida que o trabalho no álbum avançava lentamente ao longo de um ano, as letras enigmáticas e as orquestrações distantes do padrão pop da banda encontraram resistência crescente tanto dos demais integrantes dos Beach Boys quanto de executivos apreensivos da gravadora. O grupo, em especial Mike Love, manifestou insatisfação com a nova direção artística, o que levou Brian a um colapso mental. A pressão culminou no abandono das sessões de sua obra-prima, que foram encerradas de forma dramática, quando ele ateou fogo no estúdio. Cancelado em maio de 1967, “Smile” imediatamente virou lenda, com suas gravações não finalizadas se tornando as mais pirateadas de todos os tempos, e motivo de curiosidade, fascínio e debates durante décadas.
Queda, isolamento e luta pela saúde mental
Abalado pelo fracasso de “Smile” e por conflitos internos, Brian reduziu sua atuação criativa no grupo, foi substituído nos shows por Bruce Johnston e passou por episódios de comportamento errático, reclusão e abuso de drogas, que se intensificaram após a morte do pai em 1973. Sem contar com a criatividade de Brian, os Beach Boys apelaram para usar faixas do projeto cancelado em discos subsequentes, como “Heroes and Villains” em “Smiley Smile” (1967), outras faixas em “20/20” (1969) e a lendária “Surf’s Up”, que se tornou título de um álbum em 1971.
Enquanto isso, Brian chegou a construir um “caixote de areia” em casa para o piano, e passou a aparecer de roupão e chinelos em eventos públicos. O vício em cocaína, a obesidade cada vez mais descontrolada e internações psiquiátricas marcaram a fase, apesar de contribuições pontuais como “Do It Again”, que alcançou o topo no Reino Unido em 1968.
A banda tentava seguir sem Brian, mas as decisões foram desastrosas, especialmente o envolvimento de Mike Love e Dennis Wilson com figuras controvertidas do período. Os músicos gravaram o álbum “Friends” (1968) influenciados pela Meditação Transcendental, após contato de Mike Love com o Maharishi Mahesh Yogi. A turnê americana com o guru fracassou, resultando no cancelamento de 24 shows e prejuízo financeiro.
Em 1968, Dennis Wilson aproximou-se de Charles Manson e uma composição do psicopata foi incluída no álbum “20/20”, lançado em 1969, quando Brian estava recluso em um hospital psiquiátrico. Após os assassinatos cometidos pela “Família Manson” em agosto de 1969, a associação criou um período de estigma para o grupo, agravado após a prisão e condenação de Manson por múltiplos assassinatos.
O mergulho na escuridão
A banda mudou de gravadora, que exigiu a participação de Brian Wilson como cantor e compositor para fechar o acordo, mas os discos não tiveram o sucesso de outrora. Preocupada com a deterioração mental do marido pela pressão comercial, Marilyn Wilson recorreu ao terapeuta Eugene Landy em 1975. O tratamento rígido inicialmente trouxe estabilidade, mas Landy foi dispensado por comportamento abusivo. Sem o terapeuta, porém, a sanidade de Brian se perdeu de vez, o que fez com que o profissional retornasse em 1982 a pedido de membros do grupo.
O controle do médico sobre a vida de Brian e a medicação debilitante se intensificou a ponto de torná-lo uma sombra do que era. Enquanto os sucessos de seu auge simbolizavam o cenário ensolarado da Califórnia, a vida pessoal do artista mergulhou numa escuridão cada vez profunda. Marilyn, sua esposa, pediu o divórcio em 1979 e, em 1982, ele foi oficialmente dispensado do grupo — 13 meses antes de seu irmão Dennis morrer afogado em Marina del Rey, Los Angeles.
Com a vida do artista em colapso, Eugene Landy passou a controlá-lo de maneira tão rígida que não surpreendeu quando o primeiro álbum solo do músico, lançado em 1988, trouxe o terapeuta creditado como coautor (crédito posteriormente removido) na maioria das faixas. Durante as gravações, Landy mantinha Brian sob uso constante de medicamentos. Apesar das circunstâncias, após um longo período de inatividade, o disco foi bem recebido por parte da crítica, que destacou canções como “Love and Mercy”, “Melt Away” e a expansiva “Rio Grande”. Já o trabalho seguinte, “Sweet Insanity”, igualmente sofisticado, foi rejeitado pela gravadora em 1990.
No mesmo ano, o cantor lançou uma “autobiografia”, “Wouldn’t It Be Nice”, escrita em parceria com Todd Gold e recheada de elogios ao método terapêutico de Landy. O livro, mais tarde renegado pelo próprio Brian, acelerou a disputa judicial entre Landy e a família Wilson, incluindo o irmão Carl, pelo controle legal do músico. Em 1992, Landy foi proibido de exercer psicologia na Califórnia e afastado definitivamente de Brian Wilson. Mas Carl Wilson morreu de câncer de pulmão logo depois, em 1998.
Reabilitação e a finalização de “Smile”
Em 2002, Brian lamentou que o tratamento tivesse inibido sua criatividade e capacidade de compor. Mas, pouco a pouco, foi encontrando disposição para retomar a carreira. Ele atribuía seu retorno à relação com a segunda esposa, Melinda Ledbetter Wilson, embora muitos alegam que ela também o explorou – o apelido “Melandy” chegou a circular durante um período. Em suas próprias palavras, o cantor afirmou que deveria ter passado o início dos anos 2000 “em uma instituição psiquiátrica sob forte sedação” devido ao estresse de sua condição. No entanto, admitiu: “As coisas começaram a ficar um pouco mais fáceis, mas nem sempre estou em um lugar positivo e feliz”.
A virada veio em 2004, quando ele decidiu concluir o lendário e inacabado “Smile” com o tecladista Darian Sahanaja e o letrista original, Van Dyke Parks. A versão final da obra foi apresentada ao vivo em 20 de fevereiro de 2004, no Royal Festival Hall, em Londres. O lançamento do álbum após o concerto marcou o disco solo de maior sucesso comercial da carreira do cantor, alcançando o 13º lugar nas paradas dos Estados Unidos. O feito gerou uma turnê aclamada pelo país, registrada em documentário dirigido pelo biógrafo David Leaf. Diante do sucesso da iniciativa, a gravadora dos Beach Boys finalmente lançou o disco oficial. Em 2011, o box “Smile Sessions” reuniu as gravações originais do álbum e, dois anos depois, o lançamento rendeu a Brian Wilson seu segundo Grammy, na categoria Melhor Álbum Histórico, pelo disco lendário e tardio.
Aproveitando a onda nostálgica, Brian também realizou uma breve turnê em 2006 para celebrar os 40 anos de “Pet Sounds”, acompanhado por Al Jardine. Em 2008, gravou um novo álbum de canções inéditas, “That Lucky Old Sun”, seguido por apresentações nos EUA e Reino Unido, e, nos anos seguintes, lançou os discos de covers “Brian Wilson Reimagines Gershwin” (2010) e “In The Key Of Disney” (2011), frutos de uma parceria com a Hollywood Records da Disney.
Último aceno ao passado
O projeto de maior visibilidade na fase final de sua carreira foi “That’s Why God Made the Radio”, disco de reunião com os integrantes sobreviventes dos Beach Boys, em comemoração aos 50 anos da banda em 2012. Wilson foi produtor e coautor de 11 das 12 faixas do álbum, que marcou a volta de Mike Love, Al Jardine, Bruce Johnston e David Marks ao estúdio juntos, integrantes sobreviventes que participaram da banda em diferentes épocas. O disco atingiu o 3º lugar nas paradas dos EUA — a melhor posição do grupo desde 1965 — e antecipou uma turnê celebrando o cinquentenário, rapidamente interrompida quando Mike Love anunciou, de forma direta, que Wilson não participaria mais dos futuros shows da banda. Love e Johnston seguiram se apresentando como The Beach Boys.
A vida do cantor virou filme em 2014. “The Beach Boys: Uma História de Sucesso” (título original: “Love & Mercy”) alterava-se entre Paul Dano e John Cusack como Brian, retratando o período de “Pet Sounds”/”Smile” e a posterior relação com Eugene Landy. O filme recebeu elogios rasgados da crítica, atingindo 89% de aprovação no Rotten Tomatoes.
Trabalhos finais e legado
Em 2015, Brian lançou “No Pier Pressure”, com participações vocais de Al Jardine, Blondie Chaplin, Nate Reuss (do FUN), Zooey Deschanel, M. Ward e Kacey Musgraves, vindo a encerrar sua carreira no disco seguinte, após longo hiato: com “At My Piano”, sozinho ao piano, tocando versões instrumentais de antigos sucessos em 2021.
Wilson continuou em atividade nos palcos até 2022. Em 2023, apareceu ao lado dos outros integrantes sobreviventes dos Beach Boys na plateia do Dolby Theater, em Hollywood, durante a gravação do especial “A Grammy Salute to the Beach Boys”. Em 2024, um documentário da Disney+, intitulado apenas “The Beach Boys”, trouxe cenas inéditas de Wilson ao lado de Mike Love, Al Jardine e Bruce Johnston em um reencontro descontraído na praia — apenas em vídeo, sem áudio da reunião.
Naquele mesmo ano, foi revelado que Brian Wilson sofria de demência, e uma curatela foi estabelecida para atender suas necessidades pessoais, após a morte de sua esposa.
Entre os reconhecimentos, Brian Wilson foi incluído com os Beach Boys no Rock and Roll Hall of Fame (1988), entrou para o Songwriters Hall of Fame (2000), foi homenageado como BMI Icon (2004) e recebeu o Kennedy Center Honors (2007). Também foi indicado ao Globo de Ouro em 2015, pela canção original “One Kind of Love”, do filme “Love & Mercy”.
Wilson deixa cinco filhos adotivos e duas filhas biológicas, Carnie e Wendy, do casamento anterior com Marilyn Rovell. Carnie e Wendy também conquistaram sucesso nas paradas musicais nos anos 1990 como integrantes do grupo pop Wilson Phillips, formado em parceria com duas filhas de integrantes do The Mamas and the Papas.