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Divulgação/Universal

Filme|29 de maio de 2025

O que ver no cinema: Novo filme de Wes Anderson é principal lançamento da semana

"O Esquema Fenício" reúne grande elenco, de Benício del Toro a Scarlett Johansson, e chega acompanhado da fantasia "A Lenda de Ochi" e da sci-fi evangélica "O Refúgio"

Com “Missão: Impossível – O Ajuste Final” e “Lilo & Stitch” ocupando a maioria das salas, os lançamentos desta quinta (29/5) chegam em circuito intermediário e limitado nos cinemas. O destaque é a nova comédia surreal de Wes Anderson, “O Esquema Fenício”, que reúne grande elenco de famosos. A programação ainda inclui “A Lenda de Ochi” para as crianças e “O Refúgio” como opção de apocalipse evangélico, além da destruição de Lisboa e trabalho de faxina de Juliette Binoche. Confira todos os novos títulos a seguir.

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1 O ESQUEMA FENÍCIO
2 A LENDA DE OCHI
3 O REFÚGIO
4 CONFINADO
5 TERREMOTO EM LISBOA
6 ENTRE DOIS MUNDOS
7 A MATRIARCA
8 SANEAMENTO BÁSICO, O FILME
9 ERNEST COLE: ACHADOS E PERDIDOS

O ESQUEMA FENÍCIO

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A nova comédia estilosa de Wes Anderson mescla espionagem e drama familiar com o estilo visual inconfundível do cineasta. A trama se passa em meados da Guerra Fria e acompanha o extravagante magnata Zsa-zsa Korda – considerado um dos homens mais ricos do mundo – em sua missão obsessiva de realizar um projeto de infraestrutura faraônico apelidado “Esquema Fenício”. Para proteger esse empreendimento mirabolante e tirá-lo do papel, Korda decide contar com uma aliada improvável: sua única filha, Liesl, uma jovem freira que até então vivia afastada dos negócios do pai. Ele declara que ela será a herdeira exclusiva de seu império, mas impõe como condição que Liesl o ajude pessoalmente a despistar rivais e inimigos que possam sabotar o projeto. Ao lado do ingênuo tutor da moça, Bjorn, pai e filha embarcam numa jornada itinerante por diversas cidades europeias e pelo Oriente Médio, negociando secretamente com empresários inescrupulosos, empreiteiros e até criminosos – tudo enquanto tentam confundir os concorrentes sobre as verdadeiras intenções do “Esquema Fenício”. Entre jantares opulentos, reuniões clandestinas e perseguições excêntricas, o roteiro costura uma sátira da diplomacia empresarial em tempos de tensão geopolítica, sempre com o humor deadpan e os diálogos afiados característicos de Anderson.

Conhecido por filmes cultuados como “Os Excêntricos Tenenbaums” e “O Grande Hotel Budapeste”, Anderson volta a reunir um elenco grandioso, como já é praxe em seus lançamentos. Benicio Del Toro (“Sicário: Terra de Ninguém”) assume o centro das atenções como Zsa-zsa Korda, equilibrando a excentricidade cômica do personagem – um bon vivant que já sobreviveu a seis acidentes de avião – com um ar melancólico de quem carrega segredos e traumas. A jovem Mia Threapleton (“Os Buscaneiros”) retrata Liesl com uma curiosa mistura de inocência e determinação silenciosa. Michael Cera (“Scott Pilgrim Contra o Mundo”) encarna o desajeitado tutor Bjorn e serve de alívio cômico em muitas cenas, representando o ponto de vista do espectador perplexo diante das extravagâncias da família Korda. Eles são acompanhados por vários atores da entourage de Anderson: do velho parceiro Bill Murray à nova seguidora Scarlett Johansson, dando vida a oficiais militares caricatos, espiões atrapalhados e personagens idiossincráticos que cruzam o caminho do trio protagonista. Visualmente, Anderson imprime sua marca registrada: composições simétricas meticulosas, paleta de cores pastéis e cenografia retrô constroem um mundo ligeiramente paralelo, onde a estética de época flerta com o absurdo. A diferença notada por alguns críticos é o ritmo – os minutos iniciais figuram entre os mais frenéticos e chocantes da filmografia do diretor. Logo na abertura, por exemplo, uma sequência insólita mostra o atentado contra Korda: uma bomba explode dentro de seu avião particular, em pleno voo, resultando numa cena gráfica (um corpo despedaçado) que surpreende por sua violência cênica em um filme de Anderson. Essa introdução estabelece o tom: embora elegante e cheia de humor, a obra abraça também uma ação mais visceral, quase paródica dos filmes de espionagem convencionais.

Ao mesmo tempo, sob a superfície exuberante – cada cena repleta de detalhes exaustivos –, há um fio afetivo sincero: no fundo, trata-se de uma história sobre pai e filha tentando se reconectar em meio ao caos.

A LENDA DE OCHI

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Misturando elementos de fantasia medieval e aventura familiar, a produção infantil apresenta um mundo mágico criado pelo diretor de clipes Isaiah Saxon, em sua estreia em longa-metragem. A protagonista da história é Yuri (Helena Zengel, revelada em “Relatos do Mundo”), uma garota tímida que vive em um isolado vilarejo na ilha fictícia de Carpathia, onde desde cedo lhe ensinam a temer criaturas lendárias conhecidas como Ochi. Essas criaturas reclusas da floresta, reputadas como malignas e perigosas, são caçadas há gerações pelos moradores locais. Certo dia, ao acompanhar o pai numa caçada, Yuri encontra um filhote de Ochi ferido e abandonado. Movida pela compaixão, ela decide devolvê-lo à sua família, iniciando uma jornada repleta de obstáculos pelas densas matas e montanhas da região.

Conforme adentra territórios desconhecidos, a jovem descobre segredos sobre os Ochi e enfrenta desafios que testarão sua coragem, aprendendo lições de vida. A trama se desenvolve como um conto de fadas moderno, no qual a comunicação entre a menina e a criatura – sem palavras, baseada apenas em confiança – busca emocionar e cativar os espectadores.

O elenco estelar reforça a ambição do projeto: Finn Wolfhard (“Stranger Things”) vive Petro, irmão de Yuri que participa da caçada inicial e cujas convicções serão desafiadas pela aventura da irmã; Willem Dafoe (“Nosferatu”) interpreta Maxim, um enigmático explorador que cruza o caminho de Yuri e carrega conhecimentos antigos sobre os Ochi; e Emily Watson (“Chernobyl”) assume o papel de Dasha, uma habitante da vila dividida entre o medo e a curiosidade em relação ao desconhecido. Cada ator imprime autenticidade ao universo fantástico, tratando as interações com a criatura – concebida por efeitos especiais – de forma natural e afetiva.

Dirigindo seu primeiro longa-metragem, Isaiah Saxon demonstra um apuro visual singular, herdado de sua experiência prévia em animações e videoclipes. Ele filmou grande parte das cenas em locações reais nas montanhas dos Cárpatos, na Romênia, para trazer veracidade às paisagens encantadas de Carpathia. Essa opção confere ao filme um cenário de beleza rústica e palpável, contrastando com a fantasia das criaturas digitais. A fotografia valoriza luzes naturais e névoas matinais, criando uma atmosfera onírica que remete aos clássicos dos anos 1980, mas com toques contemporâneos de sensibilidade ambiental e tolerância.

O REFÚGIO

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O thriller de ação pós-apocalíptico combina tensão de sobrevivência com reflexões sobre fé e moralidade em tempos de colapso social. Dirigido por Ben Smallbone – cineasta oriundo do circuito de filmes cristãos – o filme imagina um cenário em que os Estados Unidos sucumbem ao caos após um ataque nuclear devastador. No centro da história está Jeff Eriksson (Bailey Chase, de “Longmire”), ex-soldado das Forças Especiais do Exército que, diante da catástrofe, decide tirar sua família de Los Angeles e buscar abrigo longe do centro urbano. Após um êxodo desesperado, eles se estabelecem em uma região montanhosa isolada, onde se juntam a um grupo de survivalistas – pessoas que já viviam preparadas para o fim da civilização. Entretanto, o que poderia ser um porto seguro logo se revela uma arena de desafios igualmente perigosos: ameaças violentas vindas do ambiente contaminado, disputas de liderança dentro da pequena comunidade e a crescente escassez de recursos colocam todos à prova. Enquanto nuvens radioativas cobrem o céu e tremores secundários sacodem a terra, Jeff tenta manter sua esposa (Dawn Olivieri, de “Covil de Ladrões”) e seus filhos a salvo, enfrentando dilemas morais sobre até onde ir para protegê-los.

Não há monstros mutantes nem cenas de violência exagerada, mas sim uma abordagem realista das consequências de um colapso social e da luta por humanidade em meio à barbárie. Neal McDonough, ator conhecido por “Arrow” e frequentemente associado a papéis de vilão, faz uma participação como líder dos survivalistas, imbuindo o personagem de ambiguidade moral – ora mentor, ora rival do protagonista Jeff. O elenco conta ainda com Susan Misner (“The Americans”), que interpreta uma médica dividida entre o pragmatismo da ciência e a fé em tempos extremos.

Filmado com um estilo ágil, “O Refúgio” investe em uma estética que lembra clássicos pós-apocalípticos, com uma fotografia em tons dessaturados e paisagens semidesérticas para ilustrar a terra arrasada, com a diferença de incluir muitas orações e leituras de trechos bíblicos, refletindo o subtexto evangélico da produção, que também inclui uma trilha musical assinada por músicos do universo country-gospel.

CONFINADO

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O thriller claustrofóbico explora os limites da vigilância e da vingança nas sociedades urbanas. A trama segue Eddie (Bill Skarsgård, conhecido por viver o palhaço de “It – A Coisa”), um pai de família em apuros financeiros que decide cometer um furto para pagar dívidas. Ao tentar roubar um luxuoso carro aparentemente vazio, ele cai em uma armadilha engenhosamente arquitetada pelo proprietário do veículo, William (papel do veterano Anthony Hopkins). Eddie logo percebe que está trancado dentro do automóvel sem possibilidade de fuga, tornando-se joguete nas mãos de William – um misterioso vigilante que, à distância, submete o ladrão a um perverso jogo de punições morais. Conforme as horas avançam, o protagonista enfrenta privação de água e torturas psicológicas e físicas acionadas remotamente, enquanto o carrasco busca castigá-lo cruelmente por seu crime. A tensão crescente se sustenta na dinâmica de gato e rato entre os dois homens, confinados respectivamente em um cárcere de metal e numa obsessão justicialista.

Se a história parece conhecida, é porque se trata de remake do filme argentino “4×4” (2019), concebido pelos ótimos Mariano Cohn e Gastón Duprat (“Concorrência Oficial”), e que também já ganhou uma versão brasileira: “A Jaula” (2021), com Shay Suede no papel principal. Dirigido por David Yarovesky – cineasta por trás do terror subversivo “Brightburn: Filho das Trevas” – a versão americana refina a premissa de cenário único, praticamente limitado ao interior do carro, apostando na atuação intensa de Skarsgård e na voz implacável de Hopkins para conduzir o suspense.

TERREMOTO EM LISBOA

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O raro thriller de catástrofe português imagina as consequências de um desastre natural iminente. A premissa parte de um fato histórico – o catastrófico terremoto que destruiu Lisboa em 1755 – e o transpõe para um futuro próximo, o ano de 2027, quando um grupo de cientistas descobre sinais alarmantes de que uma catástrofe similar pode estar prestes a acontecer. À frente da equipe está Marta (Sara Barros Leitão), uma sismóloga dedicada e convicta que, analisando dados de novos sensores submarinos, calcula alta probabilidade de um grande sismo atingir a capital em breve. Tal possibilidade coloca os pesquisadores diante de um dilema ético dilacerante: deveriam soar o alarme à população, salvando vidas mas semeando pânico em massa, ou silenciar por precaução, evitando caos possivelmente desnecessário? A tensão crescente decorre desse debate moral – uns temem que um alerta falso destrua a ordem social, enquanto outros argumentam que ocultar a informação seria irresponsável.

O roteiro equilibra o drama íntimo e a tensão diante do desastre: conforme pequenos tremores e anomalias meteorológicas começam a surgir, a urgência de uma decisão se impõe, abalando também as relações pessoais dos protagonistas.

A diretora Rita Nunes (“O Melhor dos Mundos”) constrói a atmosfera de ameaça de forma gradual, privilegiando realismo. Em vez de efeitos grandiosos típicos de superproduções hollywoodianas, o filme aposta em sutilezas e antecipação – uma rachadura no azulejo, um copo tremendo sobre a mesa – para ilustrar a aproximação do perigo. Essa escolha estilística e o orçamento limitado resultam num rigor quase documental.

ENTRE DOIS MUNDOS

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Baseado na experiência real de uma jornalista, o drama social mergulha nas duras condições do trabalho precarizado na Europa contemporânea. A renomada escritora Marianne Winckler (Juliette Binoche, de “Acima das Nuvens”) decide se infiltrar anonimamente no cotidiano de trabalhadores braçais para investigar em primeira mão a realidade dos desempregados de longa data e subempregados no norte da França. Escondendo sua identidade e status, Marianne consegue emprego como faxineira em uma empresa de limpeza que atua num ferryboat que cruza o Canal da Mancha. Ao lado de colegas que mal conseguem pagar as contas mês a mês, ela passa madrugadas esfregando banheiros e recolhendo lixo, experimentando a exaustão física e a invisibilidade social que marcam esses profissionais. Durante seis meses vivendo esse alter ego, a autora forma laços de amizade verdadeiros com as outras faxineiras, em especial com a espontânea Christèle (Hélène Lambert, não-atriz descoberta na vida real), que lhe ensina truques do trabalho e compartilha sua intimidade. A imersão, porém, cobra um preço psicológico: conforme Marianne se aprofunda nas dificuldades financeiras e emocionais das novas companheiras, ela sente pesar por estar levando adiante uma farsa – afinal, ao término do livro investigativo, retornará ao seu confortável mundo de privilégios, enquanto aquelas mulheres permanecerão lutando para sobreviver. O filme explora esse conflito interno da protagonista, questionando a ética por trás de sua empreitada jornalística e as barreiras invisíveis entre classes sociais, mesmo quando indivíduos de origens distintas convivem lado a lado.

Dirigido por Emmanuel Carrère, escritor francês de prestígio em sua estreia na ficção cinematográfica, “Entre Dois Mundos” adota uma estética semi-documental que amplifica o realismo. Carrère lança mão de câmera no ombro e luz natural para filmar as longas jornadas de trabalho de Marianne e suas colegas, muitas vezes em silêncio ou em conversas banais que revelam muito sobre suas personalidades. Juliette Binoche, conhecida por equilibrar estrelato e comprometimento artístico, some na personagem – de cabelos desalinhados e mãos calejadas, ela convence como uma mulher de meia idade sem qualificações formais, desesperada por qualquer trabalho. Sua presença traz atenção ao filme, mas Binoche contracena sem vaidade com as atrizes amadoras que interpretam as faxineiras, gerando momentos de interação genuína e por vezes improvisada.

Lançado com boa recepção crítica na França, “Entre Dois Mundos” provoca discussões sobre empatia e desigualdade social, somando-se a outras produções europeias recentes sobre a precarização do trabalho – como “Dois Dias, Uma Noite”, dos irmãos Dardenne.

A MATRIARCA

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O drama brasileiro intimista explora os laços e conflitos de uma família do interior da Bahia, ao mesmo tempo que homenageia a rica cultura regional da região. Dirigido pelo jornalista e cineasta Lula Oliveira, o filme reúne parentes distantes na fictícia cidade de Itabaína para celebrar o aniversário de 90 anos da matriarca da família. O reencontro, cercado de preparativos festivos e emoções nostálgicas, ganha contornos inesperados quando a homenageada falece repentinamente em pleno dia da festa. A tragédia transforma a comemoração em um velório improvisado e, conforme as horas avançam, velhos segredos familiares e ressentimentos há muito guardados vêm à tona. O roteiro conduz o espectador por um labirinto de revelações: disputas de herança, mágoas do passado e verdades não ditas emergem entre os parentes, obrigados a confrontar não apenas a dor da perda, mas também uns aos outros.

Com um tom que alterna momentos de ternura e tensão, “A Matriarca” examina as dinâmicas de poder dentro da família, o peso das ausências e a necessidade de reconciliar-se com as próprias raízes. A figura da matriarca falecida – presente em memórias e flashbacks – atua quase como um espírito orientador, cuja partida obriga filhos e netos a se entenderem e a reavaliar suas próprias trajetórias.

Um dos trunfos da produção é seu elenco formado exclusivamente por artistas baianos, muitos deles renomados no teatro e cinema locais. Luciana Souza encabeça o elenco no papel de uma das filhas da matriarca, entregando uma atuação contida que gradualmente se intensifica conforme segredos familiares a envolvem. Jackson Costa vive o filho mais velho, dividido entre o papel de anfitrião do velório e a revelação de pecados antigos, enquanto Aicha Marques interpreta uma neta que retorna após anos fora e se vê confrontada com questões que pensava ter deixado para trás. Há participações especiais que chamam atenção, como a da cantora Mariela Santiago – cuja voz embala momentos-chave da trilha sonora – e da atriz francesa Lucile Prément, que aporta um olhar externo na trama como uma visitante intrigada com os rituais baianos. Além disso, o filme conta com Vinícius Oliveira, ator que despontou menino em “Central do Brasil”, agora interpretando um dos jovens da família e trazendo consigo a memória afetiva de um clássico nacional. Essa diversidade de experiências entre os atores se reflete em cenas orgânicas e cheias de verdade: muitos diálogos parecem emergir espontaneamente das conversas, e o sotaque, as expressões regionais e os silêncios carregados conferem camadas de realismo.

O filme demonstra que histórias locais, quando bem contadas, têm ressonância ampla: qualquer espectador que já vivenciou encontros familiares cheios de amor e conflito poderá se identificar.

SANEAMENTO BÁSICO, O FILME

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Quase duas décadas após encantar o público brasileiro, a comédia retorna aos cinemas em versão restaurada, reafirmando seu status de clássico do cinema nacional. Dirigido pelo premiado gaúcho Jorge Furtado, o longa-metragem se passa numa pitoresca vila de colonização italiana no sul do Brasil e aborda, com humor afiado e sátira metalinguística, a seguinte situação inusitada: os moradores locais precisam urgentemente construir uma fossa para tratar o esgoto da comunidade, mas só dispõem de verbas públicas destinadas ao projeto de um filme. A solução encontrada é fingir que farão um filme amador, apenas para usar o dinheiro na obra de saneamento – ideia que desencadeia uma série de situações cômicas e críticas. Enquanto organizam uma pequena equipe de filmagem improvisada, os moradores – interpretados por um elenco estelar liderado por Fernanda Torres, Wagner Moura e Camila Pitanga – esbarram em dificuldades técnicas e burocráticas, ao mesmo tempo em que refletem sobre a própria identidade cultural e as prioridades da gestão pública. O roteiro de Furtado, baseado em sua própria peça teatral, equilibra as piadas regionais e o comentário social: a falta de infraestrutura básica contrasta ironicamente com a aspiração de fazer arte, levando o espectador a rir e pensar sobre o absurdo de certas políticas.

No aspecto técnico e artístico, o filme não aparenta a idade que tem. A restauração em 4K, realizada para este relançamento, realça as belas paisagens serranas onde a história foi gravada – localidades como Bento Gonçalves e Monte Belo do Sul, na Serra Gaúcha, cujos cenários idílicos servem de pano de fundo para a trama comunitária. A direção de Jorge Furtado permanece ágil e inventiva, incorporando deliberadamente erros e limitações da “filmagem” dentro do filme como parte do charme cômico. Assim, tomadas tremidas, microfones aparecendo em cena e diálogos improvisados pelos personagens se tornam ferramentas narrativas que expõem a falta de recursos enquanto evidenciam a criatividade popular. O elenco, repleto de nomes consagrados – além de Torres, Moura e Pitanga, há participações de Bruno Garcia, Lázaro Ramos, Tonico Pereira e Paulo José – entrega atuações naturalistas e entrosadas, como se realmente fossem vizinhos de longa data embarcados na aventura de rodar um filme caseiro. A química entre os atores e o timing cômico preciso garantem risos genuínos.

O relançamento também convida a uma reflexão renovada sobre seu subtexto, que permanece pertinente. Na época da estreia original, Jorge Furtado provocou o debate: um país com déficit de saneamento tem o direito de financiar cinema com dinheiro público? A resposta proposta pelo próprio filme – e reafirmada pelo diretor – é que sim, pois uma sociedade precisa crescer em todas as áreas igualmente, e cultura é fundamental para a sobrevivência de uma nação. Essa mensagem, inserida de forma bem-humorada na narrativa, ganha ainda mais eco atualmente, num momento em que se discute investimento em arte e prioridades governamentais. A recepção crítica histórica da obra foi positiva, enaltecendo justamente essa mistura de sátira social e afeto pelos personagens. Agora, com o distanciamento do tempo, a obra se consolida como um retrato carinhoso de um Brasil profundo e de suas dificuldades cotidianas, sem deixar de ser universal em sua defesa da arte e da coletividade.

ERNEST COLE: ACHADOS E PERDIDOS

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O premiado cineasta Raoul Peck reconstrói a trajetória notável do fotógrafo sul-africano Ernest Cole, primeiro a expor mundialmente os horrores do apartheid por meio do livro *House of Bondage* (1967). O documentário combina imagens de arquivo e entrevistas para retratar o exílio forçado de Cole após a publicação de sua obra impactante e sua luta contínua contra a repressão racial. Peck revela como o silêncio e a cumplicidade internacional diante do regime segregacionista indignavam o fotógrafo, cuja câmera tornou-se arma de denúncia. A narrativa ganha um elemento de suspense histórico com a descoberta, em 2017, de um tesouro esquecido: 60 mil negativos de fotografias de Cole guardados em um cofre na Suécia, material que o filme apresenta como um resgate póstumo de seu legado.

Visualmente, a obra valoriza o acervo fotográfico em preto e branco de Cole, exibindo imagens chocantes da vida sob o apartheid e inserindo-as em contexto por meio de uma montagem sóbria. Essa estética respeitosa permite que as fotografias falem por si, evidenciando tanto o talento artístico do fotógrafo quanto a dura realidade que ele capturou. Peck complementa o material de arquivo com filmagens contemporâneas e entrevistas esclarecedoras, tecendo um diálogo entre passado e presente sobre memória e justiça social.

O documentário também conta com a participação do ator Lakeith Stanfield (“Judas e o Messias Negro”) dando voz às palavras de Cole, ao lado do próprio Raoul Peck em cena. A escolha de Stanfield – conhecido por papéis intensos em obras sobre questões raciais – reforça a conexão emocional com o público, enquanto Peck, diretor também de “Eu Não Sou Seu Negro”, empresta ao longa a mesma autoridade e sensibilidade jornalística que marcaram seus projetos anteriores. Recebido com entusiasmo pela crítica, “Achados e Perdidos” conquistou o prêmio de Melhor Documentário no Festival de Cannes, destacando-se internacionalmente pela importância de seu tema e abordagem.

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Marcel Plasse

Marcel Plasse é jornalista, participou da geração histórica da revista de música Bizz, editou as primeiras graphic novels lançadas no Brasil, criou a revista Set de cinema, foi crítico na Folha, Estadão e Valor Econômico, escreveu na Playboy, assinou colunas na Superinteressante e DVD News, produziu discos indies e é criador e editor do site Pipoca Moderna.

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