O mais importante festival de cinema do mundo começa nesta terça-feira (14/5), estendendo o tapete vermelho para diversas estrelas, incluindo o diretor Francis Ford Coppola e as atrizes Meryl Streep e Emma Stone. Entretanto, a sombra do movimento #MeToo paira sobre Cannes e uma greve está prevista para tomar a atenção.
Greves e protestos
Trabalhadores da indústria cinematográfica ameaçam entrar em greve durante o festival, protestando contra condições de trabalho consideradas precárias na França. A associação “Sob as telas, a miséria” lidera o movimento, buscando melhorias e maior reconhecimento para os trabalhadores envolvidos na produção de filmes. A presidente do festival, Iris Knobloch, reconheceu as dificuldades e expressou disposição para o diálogo.
Já a versão francesa do #MeToo, que expôs casos de abuso e assédio sexual na indústria do cinema, pretende aproveitar Cannes para renovar o foco em acusações recentes contra figuras de destaque do cinema francês. A atriz Judith Godrèche, uma das vozes principais do movimento na França, apresentará um curta-metragem com depoimentos de vítimas de violência sexual, reforçando a importância do tema no festival.
Politização do evento
Os organizadores do evento estão preparados para lidar com possíveis protestos e tensões. Entretanto, o diretor artístico do festival, Thierry Frémaux, não vê com bons olhos a politização de Cannes.
“O ano passado foi ótimo em termos de cinema, assim como este ano é ótimo em termos de cinema. 20 anos atrás, essa era a nossa única preocupação com o festival – selecionar bons filmes, filmes representativos do cinema mundial, e especular sobre quem vai ganhar os prêmios”, comentou Frémaux na entrevista coletiva realizado no fim de semana, frustrado com a situação. “O que mudou nesse tempo, ao que me parece, são as questões que vocês levantam em coletivas como esta, trazendo polêmicas e questões que são externas ao festival”.
Para ele, mesmo que os filmes sejam políticos, a política deve se restringir à projeção na tela, uma opinião extremamente conservadora, que contrasta com o engajamento de muitos cineastas presentes no festival. E até de diretor que não pode ir, porque a política nunca se restringe às telas na vida real. Com filme inédito na programação, o cineasta iraniano Mohammad Rasoulof (vencedor do Festival de Berlim com “Não Há Mal Algum”) foi preso e condenado a cinco anos de prisão, mais confisco de bens e chibatas por “conluio contra a segurança nacional” do Irã. Como exibir seu filme em Cannes, “The Seed of the Sacred Fig”, sem tratar dessas “questões que são externas ao festival”?
Filmes em destaque
O evento começa com a exibição de “O Segundo Ato, do diretor francês Quentin Dupieux, e trará títulos aguardadíssimos, como “Kinds of Kindness”, novo filme de Yorgos Lanthimos com Emma Stone após “Pobres Criaturas”, “Megalopolis”, de Francis Ford Coppola (diretor de “O Poderoso Chefão” e “Apocalypse Now”), e “The Shrouds”, de David Cronenberg. Além disso, a seleção oficial do festival francês conta com novidades dos americanos Paul Schrader e Sean Baker, da inglesa Andrea Arnold, do italiano Paolo Sorrentino, dos iranianos Ali Abassi e Coralie Fargeat, do chinês Jia Zhang-Ke, do russo Kirill Serebrennikov e do português Miguel Gomes, entre muitos outros cineastas renomados.
Uma das premières mais especuladas é a do francês Jacques Audiard: “Emilia Pérez”, categorizado entre thriller e musical, sobre um chefe do tráfico de drogas mexicano que quer mudar de sexo, com Selena Gomez e Zoe Saldaña no elenco.
O brasileiro Karim Ainouz é o único latino-americano na competição de longas com “Motel Destino”, que explora as nuances do thriller erótico ambientado no calor intenso do Nordeste brasileiro. Mas o Brasil ainda concorre a Palma de Ouro com o curta “Amarela”, de André Hayato Saito e está muito bem representado nas mostras paralelas. “Baby”, o segundo longa-metragem de Marcelo Caetano, que estreou com o premiado “Corpo Elétrico” (2017), foi selecionado para a 63ª Semana da Crítica. O documentário sobre o povo Yanomami, “A Queda do Céu”, dirigido por Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, está na Quinzena dos Realizadores. Outro curta, “A Menina e o Pote”, de Valentina Homem, também entrou na Semana da Crítica. E a versão restaurada de “Bye Bye Brasil” (1970), dirigido por Carlos Diegues, será exibida na mostra Cannes Classics.
Para completar, o americano Oliver Stone vai apresentar um documentário sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, centrado no período de prisão e seu subsequente retorno ao poder.
Fora da competição, também são esperadas grandes produções na Croisette, incluindo “Furiosa”, de George Miller, um novo episódio de sua saga “Mad Max”, e “Horizon: An American Saga”, um faroeste de vários capítulos dirigido por Kevin Costner. Sem esquecer que outros dois pesos pesados do cinema, George Lucas, o criador de “Star Wars”, e a atriz americana Meryl Streep, vencedora de três Oscars, receberão uma Palma de Ouro honorária.
Expectativa tensa
No total, 22 filmes disputam a Palma de Ouro, dos quais quatro são dirigidos por mulheres, incluindo a britânica Andrea Arnold em sua quarta vez na disputa. Trata-se de um retrocesso em relação ao recorde do ano passado, quanto sete filmes dirigidos por mulheres se apresentaram na competição.
Isso também é motivo de protestos, com o #MeToo abalando o cinema francês. Os organizadores temem os rumos do evento, diante, inclusive, dos rumores de possíveis acusações de violência sexual contra figuras proeminentes que estarão presentes no evento. A presidente do festival, Iris Knobloch, afirmou na última semana que, se isso acontecesse, faria o possível para “tomar a decisão correta, caso por caso”, e consideraria os impactos no filme em questão.
O festival, que começa nesta terça, vai se encerrar no dia 25 de maio, quando o júri presidido pela diretora Greta Gerwig (do sucesso “Barbie”) entregar a Palma de Ouro para o sucessor de “Anatomia de uma Queda”. O filme da francesa Justine Triet, que também ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, foi o grande vencedor do festival do ano passado.