O Oscar passa por um dos momentos mais decisivos de toda a sua história. Em um cenário de pós-pandemia, que prejudicou a maioria dos cinemas ao redor do mundo e fortaleceu a transição dos filmes para o streaming, os eleitores da Academia parecem estar tentando encontrar um equilíbrio entre abraçar as novas plataformas de exibição e premiar os grandes sucessos de bilheteria, que tem sido os grandes pilares de uma indústria que precisa se reerguer.
Se as previsões se concretizarem, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” sairá da cerimônia com a cobiçada estatueta de Melhor Filme. E esta parece ser uma das vitórias mais óbvias da noite porque, além de ter acumulado 11 indicações ao Oscar, o longa já venceu prêmios importantíssimos no sindicato dos diretores, produtores, roteiristas, atores e editores. É o grande favorito da noite sem sobra de dúvidas. Qualquer um que derrubá-lo será considerado uma grande zebra.
Caso a vitória aconteça, os eleitores do Oscar estarão escolhendo um filme que realmente prosperou em termos de bilheteria. Afinal de contas, a obra conseguiu arrecadar uma inesperada quantia de US$ 100 milhões em todo o mundo e bateu o recorde de faturamento da A24, seu pequeno estúdio independente.
Por outro lado, as continuações de “Top Gun” e “Avatar” marcaram o retorno do grande público às salas de cinema. No almoço dos indicados ao Oscar deste ano, no Beverly Hilton Hotel, de Los Angeles, Steven Spielberg rasgou elogios a Tom Cruise e afirmou que o astro “salvou Hollywood”. E este sentimento parece ser compartilhado pela Academia, que colocou o filme na disputa do Oscar de Melhor Filme.
E não é pra menos: “Top Gun: Maverick” arrecadou quase US$ 1,5 bilhão em todo o mundo. Os mesmos elogios também poderiam ser ditos sobre “Avatar: O Caminho da Água”, de James Cameron, que, assim como seu antecessor, ultrapassou o patamar global de US$ 2 bilhões e se tornou a 3ª maior bilheteria de todos os tempos no cinema.
Apesar de seu relativo sucesso comercial, “Tudo em Todo o Lugar” se inclina para uma nova tendência da Academia, que – nos últimos anos – decidiu premiar um cinema independente que celebra o trabalho de seus autores. Algo que aconteceu com “Nomadland” (2020) e “Moonlight” (2015).
Embora os blockbusters possam ganhar um convite para a festa do Oscar, isso dificilmente é traduzido em prêmios. É comum que a Academia ignore os grandes sucessos de bilheteria, principalmente quando se trata de filmes de terror, super-heróis ou ficção científica. Filmes que priorizam o espetáculo em detrimento do enredo e da história costumam serem ofuscados na premiação. Mas a consagração de “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei” (2003) com 11 Oscars prova que a regra não é à prova de exceções.
Indicar filmes populares ajuda a trazer o grande público para a cerimônia e, consequentemente, melhora a audiência de sua transmissão televisiva. Com uma receita bruta mundial de US$ 2,3 bilhões, o total da arrecadação de “Avatar” é quatro vezes maior que a de oito candidatos a melhor filme juntos – excluindo “Top Gun”.
Hollywood também adotou o streaming como uma opção viável para a premiação e a pandemia ajudou muito a corroer essa antiga resistência da Academia. Tanto que “No Ritmo do Coração”, produção adquirida pela Apple TV+, conseguiram sair com o principal prêmio no ano passado.
Mesmo com uma presença reduzida no Oscar deste ano, os serviços de streaming provavelmente não sairão de mãos abanando. Dois filmes da Netflix, o alemão “Nada de Novo no Front” e “Pinóquio de Guillermo del Toro”, são os principais candidatos a Melhor Longa Internacional e Melhor Filme de Animação, respectivamente.
Vale notar que a prevalência de blockbusters escapistas tirou da pauta do Oscar as produções politizadas. Até os super-heróis foram lembrados em importantes categorias desse ano (“Batman” e “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre”). Mas os filmes de temática racial (“Till – A Busca por Justiça”, “A Mulher Rei”) foram totalmente relevados, assim como questões de abuso sexual na própria Hollywood (“Ela Disse”) e denúncias em geral – com a única exceção da denúncia da guerra em “Nada de Novo no Front”.
A grande participação do filme alemão de Edward Berger, com 9 indicações, também reflete a abertura internacional da premiação, que não foi revertida após a vitória de “Parasita” (2019). Este impulso ainda inclui “Triângulo da Tristeza”, do sueco Ruben Östlund, que disputa três Oscars após vencer o Festival de Cannes.
No fundo, o Oscar é reflexo de uma indústria que quer estar em “tudo e todo lugar ao mesmo tempo”, e nada atinge mais pessoas que um grande sucesso de bilheterias.