“Medida Provisória” chega ao Festival do Rio sofrendo “operação padrão” da Ancine

A Ancine aproveitou a première nacional de “Medida Provisória”, primeiro longa de Lázaro Ramos, marcada para acontecer no Festival do Rio nesta quarta (15/12), para tentar se justificar em relação ao motivo […]

Divulgação/Elo Company

A Ancine aproveitou a première nacional de “Medida Provisória”, primeiro longa de Lázaro Ramos, marcada para acontecer no Festival do Rio nesta quarta (15/12), para tentar se justificar em relação ao motivo que mantém o filme sem previsão de estreia comercial no Brasil. O entrave burocrático, que parece surgir apenas diante de determinados títulos, é o mesmo que fez “Marighella” demorar dois anos para ser lançado.

Trata-se da retenção de verba do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) destinada a auxiliar a distribuição do filme. Não é verba pública, sempre é bom salientar. É dinheiro do próprio setor audiovisual, que paga uma taxa específica (Condecine) para investimento em conteúdo nacional. Esta verba é controlada pela Ancine, que desde o governo Bolsonaro tem um déficit de centenas de milhões – talvez bilhão – de reais que foram arrecadados e não direcionados para o audiovisual brasileiro – uma caixa preta para o próximo governo.

O método adotado para manter o dinheiro distante de seu objetivo tem sido a burocracia. Reuniões específicas do FSA, que costumavam ser feitas no começo do ano fiscal durante os governos anteriores, agora acontecem no final do ano, engolindo-se assim 12 meses de verba sem destinação. E “filtros” pedidos publicamente por Bolsonaro tem encontrado alvos evidentes. Todos os filmes citados nominalmente pelo governo tem sofrido algum tipo de revés na Ancine, desde projetos LGBTQIAP+ que o presidente citou numa live e foram reprovados em edital, até a aplicação de “operação padrão” – nome dado à realização de um serviço seguindo os procedimentos operacionais padrão com rigor excessivo com o objetivo explícito de retardar ou dificultar – em produções que desagradam a chamada “ala ideológica” (extremistas radicais) do governo.

Em sua nota oficial, a Ancine usou os argumentos de praxe para tentar transparecer que não há censura, mas trâmites burocráticos (isto é, operação padrão).

“A Ancine informa que o filme “Medida Provisória” recebeu para a sua produção o valor total de R$ 2,7 milhões, por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Atualmente o projeto encontra-se na fase de análise do pedido de investimento para a sua distribuição em salas de cinema. O investimento em distribuição é uma opção do Fundo para aumento da sua rentabilidade, a ser decidido após conclusão da análise técnica. O projeto, portanto, segue o trâmite normal no âmbito da Agência”, informou a agência.

A orientação para usar burocracia como entrave encontra eco numa declaração do ex-PM que atualmente é secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula. Em uma audiência da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), órgão independente da OEA (Organização dos Estados Americanos), ele confirma que aquilo que os críticos chamam de censura são na verdade “meras regras burocráticas”. De fato, é isto.

A censura via burocracia voltou a ser denunciada pela Trigo Agência, responsável pela assessoria de imprensa do filme “Medida Provisória”, após a manifestação da Ancine.

Em nota, a assessoria esclareceu que “a inscrição em opção de comercialização foi regularmente feita pela produtora dentro do prazo estabelecido para este procedimento”.

“O que impede o lançamento da obra é, na verdade, a demora da Ancine em concluir os trâmites necessários para a troca de distribuidora do filme. Embora a Análise de Alteração Técnica realizada pela Coordenação de Análise Técnica e Seleção em 20/08/2021 não tenha encontrado óbices para aprovação da nova distribuidora, até o momento a Superintendência de Fomento não tomou as devidas providências. Com isso, a data de lançamento do filme já precisou ser alterada duas vezes”, segue o texto.

“Esta situação gera profunda insegurança jurídica para as produtoras e distribuidoras envolvidas, pois a ausência de uma posição da Ancine impede que sejam tomadas as medidas necessárias para divulgação do filme e, consequentemente, para definição da data de lançamento comercial em cinemas no Brasil”, aponta a assessoria.

Apesar da demora do seguimento das “meras regras burocráticas”, a Trigo Agência espera “muito em breve poder divulgar a data de lançamento do filme ‘Medida Provisória'”, conclui o texto.