Gilberto Braga, um dos mais importantes autores de novelas do Brasil, morreu nesta terça-feira (26/10). O escritor, que completaria 76 anos na próxima segunda-feira, estava internado no Hospital Copa Star, no Rio de Janeiro, onde enfrentava uma infecção sistêmica após uma perfuração do esôfago – lesão apontada como causa da morte.
Casado com o decorador Edgar Moura Brasil, o autor também sofria do Mal de Alzheimer.
Braga escreveu mais de 20 novelas, especializando-se em apresentar tramas de assassinato misterioso, que precisava ser resolvido nos últimos capítulos.
Ele foi o primeiro teledramaturgo autêntico do Brasil, o primeiro autor brasileiro formado exclusivamente na televisão – jamais escreveu para teatro – , e fez sua trajetória praticamente inteira na rede Globo, iniciando com tramas do “Caso Especial” (antologia de teledramas) em 1972.
Em toda a carreira, ele só fez uma obra fora da Globo, o roteiro do filme “Fim de Festa”, dirigido por Paulo Porto em 1978.
A especialização em novelas aconteceu por acaso e sob pressão. Após entregar o quinto roteiro de “Caso Especial”, foi convencido pelo diretor Daniel Filho, na época responsável pela dramaturgia da Globo, a escrever seu primeiro folhetim em 1974, em parceria com o já experiente Lauro César Muniz. O resultado foi a novela “Corrida do Ouro”, desenvolvida para o horário das 19h “aos trancos e barrancos”, como ele próprio descreveu em entrevista à sua irmã historiadora Rosa Maria Araujo, num especial sobre os 70 da televisão do jornal O Globo.
Em seguida, recebeu de Daniel Filho a missão de preencher o novo horário de novelas da emissora às 18h, inaugurando a fase áurea de adaptações de romances históricos com “Helena”, de Machado de Assis, em 1975. No mesmo ano, ainda escreveu a adaptação de “Senhora”, de José de Alencar, antes de criar seu primeiro fenômeno de audiência.
Estrelada por Lucélia Santos, “Escrava Isaura” marcou época. A versão televisiva do romance de Bernardo Guimarães tornou-se a novela das 18h mais famosa de todos os tempos, ampliando sua popularidade com a passagem do tempo, graças a várias reprises. A produção também virou o primeiro grande produto de exportação da Globo, numa época em que a emissora carioca mal tinha planos de expansão internacional. Foi exibida até na China.
Depois de despedir-se das 18h com “Dona Xepa” (1977), outro sucesso, foi direto, sem escalas, para o horário nobre, assinando sua primeira novela das 20h: o estouro “Dancin’ Days” em 1978. O melodrama, que combinava vida noturna moderna e drama existencial de uma ex-presidiária, foi a primeira novela urbana de Sonia Braga, fez deslanchar a carreira da adolescente Gloria Pires e contou com uma das melhores brigas femininas da história da TV brasileira (entre Sonia Braga e Joana Fomm), sem esquecer que lançou moda, vendeu muitos discos e ajudou a popularizar as discotecas no país.
O autor continuou a fazer sucesso em “Água Viva” (1978), na qual inaugurou sua mania de mistérios criminais, lançando o bordão “Quem matou Miguel Fragonard?” (Raul Cortez), além de ter sido responsável por introduzir em “Brilhante” (1980) o primeiro protagonista homossexual (então no armário) da teledramaturgia nacional, vivido por Dennis Carvalho. Mais: com “Corpo a Corpo” e a genial atriz Zezé Motta, assinou mais um divisor de águas, transformando racismo em tema de novela em 1984.
Entre tantas novelas, Braga ainda teve tempo para revolucionar as minisséries com sua primeira incursão no gênero, a romântica e nostálgica “Anos Dourados”, que fez o país se apaixonar por Malu Mader em 1986, seguida pela produção de “O Primo Basílio”, adaptação primorosa do romance histórico de Eça de Queirós.
Revigorado pelas minisséries, ele voltou com tudo às narrativas longas. E dez anos depois de eletrizar o público com “Dancin’ Days”, parou o Brasil com “Vale Tudo” (1988). A trama de mau-caratismo consagrou a jovem adulta Gloria Pires como a malvadinha Maria de Fátima, eternizou a diva Beatriz Segall como a vilã das vilãs, Odete Roitman, e terminou quebrando todos os recordes de audiência, graças ao mistério de “Quem matou Odete Roitman”.
Ironicamente, foi quando se achou o dono do mundo, em que nada que escrevia parecia falhar, que Braga amargou seu maior – talvez o único – dissabor, com a rejeição do público à trama de “O Dono do Mundo” (1991). A novela enfrentou vários protestos por sua premissa, em que Antonio Fagundes apostava ser capaz de tirar a virgindade de Malu Mader. A intenção era discutir ética. Mas o público se assustou. A ironia é que, dois anos depois, o mesmo público foi lotar os cinemas para ver uma parábola moral similar, só que made in Hollywood, no filme americano “Proposta Indecente”.
O autor se vingou com a minissérie “Anos Rebeldes” (1992), retratando a resistência à ditadura, então ainda recente, com cenas de tortura para sacudir o público. A série acabou projetando Cláudia Abreu, que depois faria o melhor papel da carreira na melhor novela de Braga, “Celebridade”, em 2003.
Juntando suas estrelas de “Anos Dourados” e “Anos Rebeldes”, Braga mostrou um novo “Vale Tudo” na era do culto às celebridades e com direito até a um “quem matou Lineu?” (Hugo Carvana). Só que, diferente dos anos 1980, pela primeira vez controlou todos os aspectos da obra, da escalação do elenco à trilha sonora. Por isso, dizia que “Celebridade” era sua novela favorita.
Entre outras novelas, ainda se consagrou com “Paraíso Tropical” (2008), que também é lembrada por seus vilões – Bebel e Olavo, vividos por Camila Pitanga e Wagner Moura. A obra recebeu indicação ao Emmy Internacional.
Ele continuou a escrever novelas até 2015, quando assinou “Babilônia”, mas a doença o tirou da TV.
Nos últimos anos, tornou-se recluso. Mesmo assim, tinha planos. Na entrevista à irmã, publicada em 2020 em O Globo, disse que estava aproveitando a quarentena da pandemia para realizar com colaboradores uma adaptação do clássico britânico “Feira das Vaidades”, de William Makepeace Thackeray, passada no Rio de Janeiro dos anos 1920.