Caetano Veloso lançou um novo clipe após quase uma década distante do formato, hiato tão longo que transformou sua página do YouTube numa coleção de trechos de shows e registros ao violão.
Mas é como se o tempo não tivesse passado. O registro de “Anjos Tronchos” retoma a estética minimalista do último clipe produzido, “A Bossa Nova É Foda”, de 2013, voltando a trazer o cantor em poses acanhadas num estúdio escuro. O diretor é o mesmo, Fernando Young, também responsável pela fotografia, que explora reflexos. Em vez de ser abraçado sem parar, agora Caetano reflete-se infinitamente, num novo afago ao ego.
Moderna e desconcertante, a música destaca a guitarra de Pedro Sá, outro parceiro da década passada de Caetano, que integrou a banda Cê. A melodia de rock sombrio (choque de pós-punk com música concreta) embala uma letra pós-moderna, focada na internet.
Vão longe os tempos em que Caetano mandava notícias “via Intelsat” para “O Pasquim”. “Agora, a minha história é um denso algoritmo”, ele canta em “Anjos Tronchos”, poetizando desde a toxidade das redes (“Um post vil poderá matar”) até suas possibilidades artísticas (“Miss Eilish faz tudo o quarto com o irmão”).
A letra parafraseia o “anjo torto” de Carlos Drummond de Andrade, que já tinha inspirado Chico Buarque a ir “Até o Fim”. Desta vez, o anjo de silício faz Caetano olhar para a internet e se ver refletido, fazendo descobertas para redescobrir a si mesmo, porque “há poemas como jamais/Ou como algum poeta sonhou/Nos tempos em que havia tempos atrás/E eu vou, por que não?/Eu vou, por que não? Eu vou”.
Afinal, “Alegria, Alegria” também era um contraste ambulante, criada numa época de colagens poéticas, onde o sol em capas de revistas era mais mais relevante que as notícias censuradas da ditadura.
“Anjos Tronchos” é um excelente cartão de visitas para o novo disco de Caetano, batizado de “Meu Coco”, que deve incluir composições do poeta da MPB nunca gravadas por ele próprio, como “Noite de Cristal” (lançada por Maria Bethânia, em 1988), além de faixas inéditas.