Um filme que já nasceu como um cachorro morto para o povo chutar. Ou para as pessoas não verem. A própria distribuidora o lançou no meio da pandemia, quando ninguém quer ir ao cinema. E chovem críticas negativas (34% de aprovação no site Rotten Tomatoes). Mas “Os Novos Mutantes” é envolvente. É bom que exista e finalmente tenha sido lançado, após tanto tempo na geladeira, por mais que tenha sido mais arremessado do que exatamente lançado. É como se a Disney, mesmo tendo comprado a Fox, tratasse o material como obra de concorrente, que não deveria existir.
O filme de Josh Boone, diretor dos bons dramas de relacionamentos “Ligados pelo Amor” (2012) e “A Culpa é das Estrelas” (2014), é sem dúvida superior aos dois filmes anteriores dos “X-Men” – os horríveis “X-Men: Apocalipse” (2016) e “X-Men: Fênix Negra” (2019). É também uma produção mais barata e humilde, sem a megalomania dos outros filmes dos mutantes. E com um diferencial muito atraente: o tom de filme de horror, que oferece uma experiência diferente ao subgênero de filmes de super-heróis.
Junte-se a isso as angústias dos adolescentes em lidar com seus poderes, que podem servir de metáfora para as explosões hormonais que surgem neste estágio da vida humana. Há um romance gay muito bonito entre duas personagens, inclusive, o que conta ainda mais pontos a favor do filme. Assim, nota-se que a escolha de Boone para a direção do filme teve mais a ver com seu sucesso popular com o melodrama teen “A Culpa é das Estrelas” do que com sua intimidade com filmes de ação ou horror. Na verdade, ele não tinha nenhuma.
E isso infelizmente depõe contra o filme quando ele se aproxima de seu clímax e as cenas de ação carecem de um cuidado maior. É quando “Os Novos Mutantes” cai bastante. Os efeitos especiais do urso gigante também são outro problema. Mas há outros tantos aspectos positivos, como a presença brilhante de Anya Taylor-Joy (“A Bruxa”) como a provocadora e badass Ilyana Raspuntin. A atriz ficou muito bem, trazendo expressividade e charme para a personagem. Ilyana tem o poder de se teleportar para um limbo, tem uma espada mágica gigante e um dragãozinho demoníaco como companheiro.
Todos os demais atores e atrizes acabam ficando eclipsados pela presença de Taylor-Joy (atualmente arrancando aplausos na minissérie “O Gâmbito da Rainha”). Mas isso não quer dizer que a química não funcione. Rahne Sinclair (Maisie Williams, de “Game of Thrones”), a menina que se transforma em lobo; Danielle “Dani” Moonstar (Blu Hunt, de “The Originals”), com poderes a ser descobertos; Sam Guthrie (Charlie Heaton, de “Stranger Things”), uma espécie de míssil humano descontrolado; e Roberto da Costa (Henry Zaga, ator brasileiro de “13 Reasons Why”), cujo corpo arde como um vulcão; todos estão bem. Aliás, o elenco tem dois intérpretes brasileiros: além de Zaga, Alice Braga (“A Rainha do Sul”) aparece no papel da médica responsável pelos novos mutantes na instalação que os aprisiona.
Quem leu as histórias clássicas do grupo, com roteiro de Chris Claremont e arte de Bill Sienkiewicz e Bob McLeod, provavelmente terá ainda mais prazer vendo o filme. É uma pena que os personagens não passarão desse único longa. Assim sendo, a abertura para o futuro na vida daqueles jovens em processo de autodescoberta ao final da narrativa traz um gostinho amargo de interrupção. Caso de obra que definitivamente teve má sorte em seu processo de produção, pós-produção e lançamento.