Martin Eden traz o desempenho que ofuscou Joaquin Phoenix como Coringa

“Martin Eden”, uma fascinante história do escritor norte-americano Jack London (1876-1916) com elementos autobiográficos, deu origem a um filme italiano que discute questões atualíssimas. Essas questões dizem respeito às relações entre as […]

“Martin Eden”, uma fascinante história do escritor norte-americano Jack London (1876-1916) com elementos autobiográficos, deu origem a um filme italiano que discute questões atualíssimas. Essas questões dizem respeito às relações entre as classes sociais refletidas pela literatura, à relação desta com o mercado editorial, à liberdade de expressão, à natureza da criação, ao compromisso ético do escritor consigo mesmo e com suas crenças políticas e responsabilidades sociais, ao papel do indivíduo nas transformações socioculturais e políticas.

O veículo para expressar os questionamentos é o personagem-título do filme, o escritor Martin Eden, mostrado na complexidade necessária para abranger as diversas dimensões de sua experiência concreta, de suas angústias, contradições, de seu ativismo inspirado na leitura de Herbert Spencer (1820-1903), de suas relações com anarquistas e comunistas, de seu desenvolvimento como escritor a partir de uma vida de baixa renda, mirando a classe alta, tentando ser como eles. Da forma como lidará com o sucesso tão buscado, mas, ao mesmo tempo, tão massacrante.

O contexto histórico é o do período anterior à 1ª Guerra Mundial, de grande efervescência cultural, propício à conquista de espaços e descobertas incentivadoras, mas tenso, conflitivo. O foco do filme, porém, coerentemente com as teses de um chamado darwinismo social de Spencer, está no indivíduo, na sua batalha pessoal frente aos demais e à coletividade. As sociedades se desenvolveriam a partir da realização individual de forma positivamente evolutiva. Isso está no modo de ser do personagem, embora enfatizando mais o mistério do que o progresso inexorável. Mais a crise do que o otimismo.

No papel do escritor Martin Eden está Luca Marinelli, um grande ator que surgiu há dez anos em “A Solidão dos Números Primos” (2010) e também esteve no vencedor do Oscar “A Grande Beleza” (2013). Ele mergulhou intensamente na atuação e conseguiu expressar muito bem as muitas faces, fases, sentimentos e pensamentos do personagem. Teve o reconhecimento por essa brilhante performance, conquistando o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza, no ano em que Joaquin Phoenix levou tudo pelo papel em “Coringa”. Marinelli foi o único a conseguir vencê-lo, ao menos uma vez. “Martin Eden” foi bem recebido e premiado também nos Festivais de Toronto, Sevilha e do Rio.

A direção de Pietro Marcello imprime a “Martin Eden” uma dinâmica e uma força envolvidas por belas sequências que mesclam imagens ficcionais e documentais e, claro, alimentadas pelo desempenho criativo de Luca Marinelli, que está em todas as cenas, garantindo o filme com seu talento. O elenco de apoio também está muito bem dirigido, sustentando a trama.

É verdade que o cinema italiano da atualidade não consegue competir com o grande cinema italiano do passado, mas isso não significa que não haja belos trabalhos a apreciar. “Martin Eden” é um deles.