Pabllo Vittar está denunciando uma curiosa “censura” no YouTube. Em tempos de Bolsonaro, basta dizer “é o lobo” para todos se mobilizarem. Mas o cantor drag queen – que, é bom frisar, mantém identidade social masculina – pode ter errado de tom, ao fazer uso de vitimização como estratégia de marketing.
Vittar gravou um Stories no Instagram para alertar seus seguidores: “Como vocês viram ontem, meninas, recebemos uma restrição de idade no clipe de ‘Parabéns’ porque estou lá segurando um copo de vodka. Sendo que já havia uma mensagem lá dizendo ‘beba com moderação’. E mesmo assim eles quiseram restringir para maior de idade”, ele disse, em seu relato.
Assumindo pose de vítima, Vittar afirmou que a censura aconteceu por ele ser drag queen. “A gente sabe também que há vários videoclipes muito mais nocivos no YouTube, com conteúdos muito mais explícitos e não são restritos, não são banidos. Nem sequer são lembrados. Mas atacam a drag queen”, teorizou.
Em seguida, pediu para que os fãs ajudassem a fazer o clipe bombar mesmo com esse problema imposto pelo Youtube. “Vamos fazer de ‘Parabéns’ uma das músicas deste Carnaval querendo ou não. Diga não à censura seletiva, gente! E quero que vocês saibam que isso não vai ficar assim. Eu vou recorrer na justiça. Vou ter o meu clipe de volta”, completou.
Diante da acusação, o YouTube se pronunciou, deixando claro o equívoco de Vittar. “O conteúdo do vídeo não viola as políticas do YouTube e foi enviado com restrição de idade pelo usuário que fez o envio. Configurações de restrição de idade podem ser editadas pelo YouTube Studio. Se precisar, estamos aqui para ajudar! Arrasa”, informou a plataforma.
Ou seja, segundo o YouTube, a iniciativa de estabelecer uma classificação etária – e não “censura” – partiu de quem postou o vídeo. Muito provavelmente da própria gravadora do cantor. Fez mais: ainda se colocou a disposição para ensinar como mudar a classificação nas configurações.
Mas Vittar não apagou os posts em que pede para o público ajudar a “bombar” o clipe, para transformar “Parabéns” em hit de carnaval. Em outro post, incentivou os seguidores a aumentarem a visualização do vídeo, acusando: “Essa censura seletiva tem que acabar”.
Embora o governo federal e algumas prefeituras realmente tenham transformado ataques à comunidade LGBTQ+ e à liberdade de expressão em “política cultural”, não parece ser este o caso do clipe do cantor.
O vídeo em questão não traz Vittar apenas “segurando um copo de vodka”. “Parabéns” é uma propaganda assumida de vodka, com closes (plural) na marca e com uma direção de arte estudada para refletir as cores da embalagem do produto. Trata-se sim de um comercial de bebida, como a Pipoca Moderna apontou por ocasião de seu lançamento em outubro passado. E nem foi o primeiro da carreira de Vittar.
Em 2018, o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) reforçou as restrições a comerciais de bebidas no Brasil, para incluir também as redes sociais e influenciadores digitais. Um dos pontos destacados foi justamente o fato de que “as mensagens são destinadas unicamente a adultos”. O comunicado ainda apontou que as plataformas digitais que fizerem esse tipo de comercial “deverão conter dispositivo de acesso seletivo, de modo a evitar a navegação por menores”.
Portanto, se a gravadora de Vittar resolveu acatar a orientação do CONAR, não se trata de “censura”, mas observância da regulamentação que vale para todos os “influencers” – sem exceção para aqueles que são “drag queens”.
Há tempos os clipes de Vittar são comerciais ambulantes de vários produtos. Se servem para incentivar consumo de mercadorias voltadas ao público adulto, devem estar sujeitos à regulamentação. A solução é simples: deixar os clipes promoverem apenas as músicas do artista. Mas Vittar não faz essa distinção e já está trabalhando com outro fabricante de bebida, desta vez refrigerante, num novo “clipe”.
Como o YouTube não teve realmente nada a ver com a classificação etária de “Parabéns”, a suspeita de uma ação do CONAR passou a motivar uma mobilização online.
“O clipe de ‘Parabéns’, lançado pelo cantor e drag queen brasileiro Pabllo Vittar, está sendo alvo de perseguição pelo CONAR. Existem diversos vídeos de outros artistas, majoritariamente heterossexuais, que contêm publicidade de marcas de bebidas alcoólicas (destilados) e que não foram notificados pelo CONAR. Exigimos, através desta petição, a retirada da restrição sobre o hit de Pabllo Vittar, pois o ato é visivelmente homofóbico. Caso contrário, que a restrição seja APLICADA A TODOS!”, diz o texto de um abaixo-assinado na plataforma Avaaz.
A petição sugere que existem outros clipes com publicidade de bebida que não sofreram as mesmas restrições. De fato, é possível encontrar clipes do gênero no YouTube disponíveis para menores. “Make It Hot”, mais recente parceria entre Anitta e Major Lazer, é até mais explícito, ao mostrar o rótulo de uma garrafa em mega-close nos primeiros segundos de exibição. Também deveria ter classificação etária. Há até o caso de “Viaja na Skol Beats”, de MC Maiquinho, que identifica o produto no título da canção. Mas esses e outros precisariam ser denunciados para serem analisados pelo conselho. Interessados, podem tomar a iniciativa.
O CONAR ainda não comentou o caso de “Parabéns”. Houve realmente uma reunião em dezembro sobre o vídeo, com anotação de decisão por “unanimidade”, mas até o momento ela não foi explicada nos relatórios de “Decisões” publicados no site oficial do conselho. O que há registrado é uma contestação de fevereiro do ano passado, em que a organização abriu representação ética contra uma ação publicitária feita pela cerveja Skol no clipe da canção “Seu Crime”. Na ocasião, a queixa foi sobre a idade de Vittar, que na época dizia ter 24 anos. Comerciais de bebida só podem ser feitos por maiores de 25 anos no Brasil. Vittar revelou que, na verdade, era mais velho do que dizia. E o clipe foi mantido no ar. Está lá na página do YouTube do cantor, inclusive para menores.
Vale lembrar que, anteriormente, o CONAR deu parecer favorável – e unânime – para a exibição sem classificação etária de campanhas da Natura, do Boticário e do bombom Sonho de Valsa, que enfrentaram protestos conservadores por incluírem beijos LGBTQ+. E que nenhum outro clipe de Vittar sofreu restrição. Estão todos disponíveis para menores. Nem sequer o clipe “censurado” saiu do ar. “Parabéns” já acumula mais de 50 milhões de visualizações.
Por outro lado, existem várias peças, exposições, filmes e séries enfrentando homofobia e censura reais, impedidos de ser produzidos ou assistidos no Brasil.
Pabllo Vittar se pronunciou sobre o ocorrido que aconteceu ontem com o clipe de “Parabéns” no YouTube. #DigaNãoACensuraSeletiva! pic.twitter.com/IqCYGgzK3M
— Pabllo Daily (@PablloDailyV) January 21, 2020