A cineasta Petra Costa, que disputa o Oscar com seu documentário “Democracia em Vertigem”, assinou um artigo editorial publicado na sexta-feira (24/1) no jornal The New York Times, com duras críticas ao governo do presidente Jair Bolsonaro, acusado de promover uma “guerra cultural”, assumir atitudes nazistas e tentar impor um “fascismo tropical”.
Petra Costa entrevistou Bolsonaro para seu filme, que faz parte de uma guerra de narrativas sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff, ao apresentar o PT como vítima, não cúmplice da corrupção que sempre existiu, mas que tomou dimensões nunca antes vistas na História deste país durante os governos de Lula e Dilma.
“Em 2016, eu entrevistei Bolsonaro sobre seus planos para o setor cultural e ele reclamou que nenhum filme brasileiro era bom o suficiente para ser premiado com uma indicação ao Oscar. Na semana passada, no entanto, ele desprezou nossa indicação dizendo ‘para quem gosta do que urubu come, é um bom filme’. Em seguida, ele admitiu não ter visto o filme, mas isso não impediu que a legião de trolls que o seguem nas redes sociais de papaguear a acusação de que o filme era fake news”, escreveu Petra.
A cineasta lembrou que a campanha de Bolsonaro à Presidência da República foi marcada por fake news. “Mais de 98% dos seus eleitores foram expostos a uma ou mais manchetes falsas durante a campanha e quase 90% acreditavam que elas eram verdadeiras, segundo estudo da organização Avaaz. O seu governo dominou a arte de manipular a verdade”, afirmou.
Em seguida, a diretora citou ataques ao Carnaval e tentativas de censura a livros escolares e projetos do audiovisual com temática LGBTQ+ como exemplos da “guerra cultural” decretada por Bolsonaro. “O líder do governo caracterizou o Carnaval brasileiro, uma grande fonte de orgulho em nossa cultura, como uma festa degenerada. Alguns de nossos maiores artistas foram atacados, livros escolares estão sendo reescritos e recursos foram cortados para séries e projetos cinematográficos sobre temas LGBTQ. Mais de 30 obras de arte foram censuradas, autocensuradas ou canceladas”.
Para Petra, essa agressão à Cultura “atingiu novos patamares em dezembro quando a produtora Porta dos Fundos foi atacada com coquetéis Molotov por conta de seu episódio satírico ‘A Primeira Tentação de Cristo’, que retrata Jesus como homossexual”. Segundo ela, a situação atual no Brasil remete aos “anos mais duros da ditadura militar”.
Remete também ao nazismo, como evidenciado pela política cultural levada à cabo pelo ex-secretário da Cultura Roberto Alvim, demitido por plagiar discurso do ideólogo do nazismo Joseph Goebbels. “Creio que ele foi demitido não porque o governo condena suas opiniões e sim porque foi demasiado explícito sobre opiniões que ambos compartilham. Este é apenas um exemplo de como a democracia brasileira se aproxima do abismo”, opinou.
Ela ainda encontrou outros paralelos entre Bolsonaro e a administração de Hitler na Alemanha nazista. “É interessante que Lügenpresse, ou ‘imprensa mentirosa’, foi um slogan amplamente usado na Alemanha durante o terceiro Reich para descreditar qualquer jornalista que discordasse da posição do governo”.
Por fim, Petra Costa fala que não “há luz no fim do túnel desta guerra cultural que procura censurar os valores liberais e progressistas e desconstruir a verdade para impor um fascismo tropical”.
“Como aponto em ‘Democracia em Vertigem’, a elite se cansou do jogo da democracia. A história do nazismo mostra que as elites que se calaram diante do avanço do autoritarismo acabaram sendo engolidas por ele. A extinção é o preço da omissão”, conclui a diretora.