Um decreto publicado na terça-feira (24) pelo presidente Jair Bolsonaro estabelece as novas cotas obrigatórias de exibição de filmes brasileiros nos cinemas do país em 2020.
A regulamentação era aguardada pelo setor audiovisual, por conta da ocupação predatória de “Vingadores: Ultimato” (80% de todas as salas) em 2019, enquanto “De Pernas pro Ar 3” ainda lotava sessões.
O setor passou 2019 inteiro sem regulamentação. Desde que Bolsonaro assumiu o governo, há um ano, a política para o audiovisual foi sobretudo de desmontagem do que existia até então.
Apesar de finalmente agir sobre o assunto, o governo pretende extinguir o mecanismo no próximo ano, quando ele deveria ser renovado para um novo período. Em agosto, o ministro da Cidadania Osmar Terra, então à frente da Cultura, revelou com todas as letras os planos federais. “É uma lei que até ano que vem tem cota. Depois tem que rever isso”, disse, relacionando a reserva obrigatória para filmes brasileiros com salas de cinemas vazias.
A primeira versão da Cota de Tela foi criada nos anos 1930, no governo de Getúlio Vargas. Atualmente, o tema é regulado por Medida Provisória assinada em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. O mecanismo determina que, até 2021, as salas brasileiras são obrigadas a exibir filmes brasileiros por um número mínimo de dias. A cada ano, este número deve ser definido por meio de um decreto. O descumprimento implica uma multa de 5% da receita bruta média diária do cinema, multiplicada pelos dias em que as cotas não forem respeitadas.
O número de filmes brasileiros que devem ser exibidos varia de acordo com o tamanho das empresas exibidoras. Pelo novo decreto, uma empresa que tiver apenas uma sala é obrigada a exibir por 27 dias até três filmes brasileiros em sua programação de 2020. Já empresas que tenham a partir de 201 salas devem dedicar 57 dias de sua programação ao cinema nacional, com pelo menos 24 títulos diferentes.
Salas que optarem por programar voluntariamente filmes brasileiros a partir das 17h poderão reduzir em 20% a cota obrigatória.
A proteção defendida por FHC, o presidente sociólogo que entendia de economia (veja-se o plano Real), foi estabelecida durante a multiplicação das salas multiplex, que substituíram os antigos cinemas de rua com programações de grandes redes, cujas sedes encontram-se no exterior. As redes programam em bloco, uniformizando a exibição de filmes em todo o país a partir do modelo de distribuição americano.
Um dos motivos para a revolução cinematográfica em curso em vários países asiáticos, como a China e a Coreia do Sul, por exemplo, deve-se a Cotas de Tela que desagradam aos EUA, restringindo a quantidade e a ocupação de filmes hollywoodianos em seus mercados.
É famosa a foto em que o cineasta Park Chan-wook protesta, em 2006, segurando um cartaz em que se lê “Sem Cota de Telas não haveria ‘Oldboy'”, numa reação dos cineastas do país à pressão dos EUA para diminuir as cotas. Na ocasião, a reserva foi reduzida e ainda assim os cinemas coreanos permaneceram obrigados a exibir 76 dias completos de programação nacional. Em 2012, o cinema local registrou um “market share” de 52,9% e, em 2019, venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes pela primeira vez, com “Parasita”, de Bong Joon Ho.
A China já chegou a restringir a entrada de filmes americanos a 20 por ano. Aos poucos, aumentou esse número, mas sobretaxa a produção estrangeira, usando um imposto similar ao Condecine brasileiro para reverter os dólares de Hollywood em incentivo ao seu cinema nacional. Graças a esses mecanismos, tornou-se o segundo maior e mais rico mercado cinematográfico do mundo.
A União Europeia trata a situação de forma diferente, oferecendo incentivos financeiros aos países que reservem 50% de suas telas para produções do continente. Na França, o “market share” atingiu 41,6% neste século, e o país ainda promove seu cinema com eventos no exterior – como o Festival Varilux de Cinema Francês, que acontece anualmente no Brasil. Na Espanha, além do incentivo da UE, ainda existe uma reserva de 25% de toda a programação de cinema para filmes nacionais.
Mesmo com a Cota de Tela, produções brasileiras ocuparam apenas 14,4% do parque exibidor nacional em 2018, de acordo com relatório da Ancine. Como ficaria sem ela?
Segundo Paula Barreto, da LCBarreto — uma das maiores produtoras de cinema do Brasil —, a bilheteria nacional do cinema deste ano, comparada ao mesmo período do ano passado, ficou 40% mais fraca. A diferença? Bolsonaro não assinou a Cota de Tela em 2019.