D.A. Pennebaker (1925 – 2019)

O cineasta D.A. Pennebaker, único documentarista premiado com um Oscar honorário pelas realizações da carreira, morreu na noite de quinta (1/8) de causas naturais, aos 94 anos. Maior mestre dos documentários musicais, […]

O cineasta D.A. Pennebaker, único documentarista premiado com um Oscar honorário pelas realizações da carreira, morreu na noite de quinta (1/8) de causas naturais, aos 94 anos. Maior mestre dos documentários musicais, ele ficou famoso ao registrar a turnê britânica de Bob Dylan de 1965, que registrou a difícil transformação do cantor folk em roqueiro, e foi indicado ao Oscar por sua cobertura da campanha presidencial de Bill Clinton em 1992.

Donn Alan Pennebaker nasceu em 15 de julho de 1925 no subúrbio de Evanston, Illinois. “Penny” formou-se em engenharia mecânica na universidade de Yale, mas nunca seguiu a profissão. Em vez disso, tornou-se documentarista em 1953, ao filmar seu primeiro curta, “Daybreak Express”, que mostrava os trens sujos e abarrotados de Nova York como um retrato encantador, ao som da música de Duke Ellington que lhe servia de título.

Foi o primeiro de seus muitos trabalhos em que a música tomou o primeiro plano. “A natureza do filme é musical”, ele disse uma vez, explicando sua preferência.

Em 1959, Pennebaker juntou-se a Robert Leacock, Albert Maysles, Terry Filgate e Robert Drew na Drew Associates, produtora que lançou a célebre série documental “Living Camera”. Um dos trabalhos do diretor na série, “Mooney vs. Fowle”, sobre um jogo do campeonato colegial do futebol americano, venceu o prêmio principal no Festival de Cinema de Londres de 1962.

Pennebaker e Robert Leacock também foram responsáveis, no início da década de 1960, por desenvolver os primeiros sistemas de câmera capazes de captar de forma sincronizada gravação de imagem e som, no formato de 16mm. A partir dessa inovação, que diminuiu o tamanho das equipes necessárias para registrar filmes documentais, os dois decidiram se juntar numa empresa própria, Leacock Pennebaker Inc. Um curta da companhia, sobre o vocalista de jazz David Lambert, chamou atenção internacional e levou o empresário de Dylan, Albert Grossman, a se aproximar de Pennebaker para filmar a turnê do músico na Inglaterra no ano seguinte.

O resultado da filmagem foi o célebre “Don’t Look Back” (1965), um dos melhores documentários musicais de todos os tempos. “Penny” captou a essência de Dylan em sua turnê mais mítica, enfrentando as vaias dos fãs ao tentar se redefinir como cantor de rock, acompanhado por banda e tocando guitarra elétrica. Uma blasfêmia para quem surgiu na cena folk. Uma epifania para a história do rock.

Sobre a reação de Dylan ao documentário, Pennebaker disse à revista Time em 2007: “Ele viu o filme pela primeira vez num projetor muito ruim e me disse: ‘Quando tivermos uma projeção melhor eu vou escrever todas as coisas que vamos ter que mudar’. Claro, isso me deixou um pouco triste. Na noite seguinte, nos reunimos novamente e ele se sentou na frente da tela com um caderno amarelo. No final do filme, ele me entregou o bloco em branco. ‘É isso aí que temos mudar’.”

A abertura do filme, que mostrava Bob Dylan segurando diversos cartazes com a letra de “Subterranean Homesick Blues”, alternando os textos de forma sincronizada com a música, acabou “viralizando” antes dessa expressão significar o que representa hoje. Exibida de forma separada na TV, virou o primeiro Lyric Video de todos os tempos.

Com o impacto desse filme na cena cultural da época, Pennebaker foi registrar outro marco da história do rock, o Festival de Monterey, de 1967. Lançado no ano seguinte como “Monterey Pop” (1968), o filme contou com performances que catapultaram para o estrelato ninguém menos que Janis Joplin e Jimi Hendrix.

Mas, por incrível que pareça, nenhuma distribuidora se interessou em adquirir “Monterey Pop” para lançá-lo nos cinemas. Pennebaker acabou fechando com um cine pornô de Manhattan para a estreia. E o filme ficou um ano inteiro em cartaz naquele cinema, com as sessões sempre lotadas.

O diretor especializou-se em documentários de rock, filmando shows de John Lennon, Little Richards, Jerry Lee Lewis, Chuck Berry e David Bowie, entre outros. Seu documentário sobre a turnê de “Ziggy Stardust and the Spiders from Mars” (1973) é um dos melhores registros da fase glam da carreira de Bowie.

Outro de seus trabalhos marcantes foi “Original Cast Album: Company” (1970), que documentou a exaustiva sessão de 18 horas e meia de gravação da trilha sonora do musical da Broadway que estabeleceu o recorde de 14 prêmios Tony, composta por Stephen Sondheim. A exibição causou tumulto no Festival de Nova York, com filas que precisaram ser organizadas pela polícia e agendamento apressado de segunda sessão, tamanha a procura. Infelizmente, devido a questões legais, o filme não encontrou distribuição até 1992, quando a RCA Victor o lançou em vídeo.

Em meados dos anos 1970, Pennebaker firmou outra parceria importante com a colega cineasta Chris Hegedus, com quem trabalhou por mais de três décadas. E com quem se casou em 1982. Os dois realizaram um dos documentários musicais mais famosos dos anos 1980, “Depeche Mode: 101” (1989), sobre o show que encerrou a fase mais criativa da banda inglesa – anunciado na época como despedida do Depeche Mode.

Mas mudaram totalmente de tema em seu filme mais celebrado da década seguinte. Para “The War Room” (1993), indicado ao Oscar de Melhor Documentário, Pennebaker e Hegedus focaram a campanha presidencial de Bill Clinton em 1992. Como os cineastas não tinham acesso ao próprio Clinton, as filmagens se concentraram nas estratégias políticas orquestradas pelo gerente de campanha James Carville e pelo diretor de comunicações George Stephanopoulos. O sucesso do filme transformou os dois em estrelas. Carville teve aparições em vários filmes e programas de TV e foi o conselheiro político de Hillary Clinton durante sua campanha presidencial de 2008, e Stephanopoulos virou comentarista de política na TV americana.

A popularidade desse documentário gerou uma continuação, “The Return of the War Room” (2008), que reuniu os participantes originais para refletir sobre a paisagem da política americana e campanhas políticas da época.

Pennebaker recebeu seu Oscar honorário em 2012, na primeira e até hoje única vez que a Academia reconheceu a carreira de um documentarista. E dedicou-o à sua esposa e parceira. Depois disso, ainda fez mais um filme ao lado dela, “Unlocking the Cage” (2016), sobre direitos animais.

Do primeiro curta ao último longa, todos os seus filmes mantiveram a mesma característica, uma marca de Pennebaker que influenciou a carreira de muitos documentaristas: a ausência completa de narração e entrevistador. Ele dizia que seus filmes não eram didáticos e preferia ser comparado ao dramaturgo Henrik Ibsen do que a um repórter. “Este é o meu segredo: minha vontade de virar Ibsen. Existem coisas acontecendo o tempo todo com as pessoas. Você não precisa dramatizar nada ou roteirizá-las [para filmar um documentário]”.