O Festival de Cannes tem o hábito de colocar em sua mostra competitiva obras de cineastas já celebrados. Daí a surpresa quando um nome menos conhecido vira destaque, como o de Ryûsuke Hamaguchi com seu “Asako I & II” em 2018. Acontece que o diretor já vinha se projetando e até foi bastante premiado em outros festivais com um longa de mais de cinco horas de duração, “Happy Hour” (2015), inédito comercialmente no Brasil.
Com 10 filmes no currículo, incluindo curtas e documentários, Hamaguchi finalmente chega ao circuito brasileiro com seu “Asako I & II”, um drama romântico desconcertante. Ora o filme opta por um estilo mais naturalista, ora seus personagens parecem mais afetados nas interpretações. Isso acontece principalmente no primeiro momento, quando, embriagada de amor, a jovem Asako (Erika Karata) se vê sem chão quando seu amado Baku (Masahiro Higashide) desaparece. Ela muda de cidade, sai de Osaka e vai morar em Tóquio e tenta reconstruir sua vida.
E quando o filme parece se aproximar de uma linha mais realista, e de fato o tom do filme muda um pouco, surge algo que perturba o coração de Asako: o fato de ela conhecer um rapaz idêntico a Baku. O jovem, de nome Ryôhei, vira rapidamente co-protagonista da narrativa. Diferente do enigmático Baku, Ryôhei é um sujeito comum, que sente que tem a sorte de conhecer uma moça tão bela e tão terna quanto Asako.
O problema para Asako é que ela não sabe se o que ela sente por Ryôhei se dá pelo fato de ele ser muito parecido com Baku ou se ela está mesmo se apaixonando ou se apegando afetuosamente ao rapaz, que passa a representar a sua estabilidade emocional. Há uma cena entre os dois que é linda dentro de um contexto de caos, um encontro durante um terremoto. Mas há outra que é ainda mais bonita, já dentro do contexto de uma relação estável: Ryôhei está deitado no chão e Asako massageia seus pés. Aquele momento parece algo bem próximo do paraíso na Terra.
O que “Asako I & II” traz de diferente em relação a outros dramas românticos, ou mesmo comédias românticas, é que ele procura inverter a felicidade, que deixa de ser algo mais próximo do romantismo para virar algo mais próximo do realismo. Para uma cultura que fez brotar um cineasta como Yasujiro Ozu, é até compreensível.