Embora o chamariz aqui sejam Julia Roberts e Owen Wilson, os pais da família, quem impõe o ritmo em “Extraordinário” e torna o filme especial é o intérprete do filho, um garoto de 11 anos, o jovem ator Jacob Tremblay no papel de August Pullman. É por causa de Jacob que nos emocionamos com “Auggie”, pois quando ele aparece em cena nunca vemos um ator desempenhando um papel, mas um garoto com uma integridade, uma capacidade de sugerir um mundo, incomum para a sua idade.
Já tínhamos visto o garoto fazer algo semelhante em “O Quarto de Jack” (2015), e lá quem venceu o Oscar foi Brie Larson, que fazia a mãe. Mas repetir a dose, num contexto totalmente diferente, comprovam que o menino segue um caminho que vale a pena acompanhar com atenção.
Aliás, é interessante como a escritora RJ Palacio descreve o personagem no livro. Ela não dá um rosto para o menino, diz apenas que Auggie nasceu com uma desfiguração genética facial e que, mesmo depois das 27 cirurgias feitas, ainda se encontra muito longe de parecer um garoto comum.
É verdade que se o diretor Stephen Chbosky (que anteriormente filmou sua própria novela, o ótimo “As Vantagens de Ser Invisível”), tivesse sido fiel ao livro, trabalhando apenas com a visão subjetiva – ou seja, nunca mostrando o rosto do garoto, apenas seu ponto de vista – , o efeito seria menos manipulador. Mas existe uma riqueza na manipulação emocional do diretor, graças ao profundo entendimento que o ator mirim demonstra, e que torna o filme irresistível.
Não há truques barato de melodrama sobre a doença da semana em “Extraordinário”. O Auggie que Jacob compõe vive um emaranhado de conflitos e nenhum deles é simples. Os sentimentos são contraditórios.
Depois de viver os primeiros dez anos enfurnado dentro de casa, com aulas particulares, o garoto enfrenta o primeiro dia na escola. O capacete de astronauta que ele usa para sai, por sinal, não se presta apenas à analogia de alguém que se esconde, mas também a ideia de que existe um novo planeta a se aventurar, e esse planeta é a Terra, um lugar onde de certa forma Auggie nunca viveu.
E então sua vida passa a ser uma montanha de russa de emoções, onde conviverá com crianças de todo tipo e enfrentará a desilusão, a frustração, a dor da rejeição, e também o encantamento e a alegria, todos em estados muito puros. Sim, existe uma ambição grande aqui, uma vontade de vasculhar os sentimentos dos personagens por dentro.
A adaptação do roteiro, escrito pelo diretor junto com Steve Conrad (“A Procura da Felicidade”) e Jack Thorne (“Minha Nova Vida”), expande a experiência de rejeição do menino, a certa altura, deslocando o ponto de vista para a irmã Via (vivida de forma intensa por Izabela Vidovic), pelo amigo tolerante (o igualmente ótimo Noah Jupe) e outros personagens, que capturam visceralmente como nascem os mal-entendidos e como há uma propensão a muitas vezes fazermos leituras erradas das pessoas.
A analogia pode parecer tola, mas com seus bons sentimentos, o filme convoca os extremistas, judeus e palestinos, norte-americanos e islamitas, sul-coreanos e norte-coreanos para um abraço de tolerância. Tem um ufanismo que lembra muito os filmes de Frank Capra. Como diz, em certo ponto, a menina Summer: “Ao escolher entre estar certo e ser gentil, escolha ser gentil”.
De fato, escolher a gentileza vem se tornando uma coisa cada vez mais difícil no mundo, mas quando há uma predisposição, como a que o filme nos oferece – mesmo em quem desconfia sempre das mensagens reconfortantes – , uma luz se acende e é possível se sentir muito bem.