Grupos extremistas indianos estão apelando para o terrorismo para impedir o lançamento do épico “Padmaavat” (anteriormente intitulado “Padmavati”) na Índia. Um dos mais radicais, denominado Karni Sena, ameaçou queimar os cinemas que exibirem o filme no país e também no exterior. E após os integrantes do elenco e da equipe sofrerem ameaças físicas, com a queima de bonecos representando o diretor e atores, um cadáver foi encontrado na sexta-feira (24/11) perto de um dos locais de filmagem, com uma nota sobre seu corpo referenciando o filme.
A intérprete da protagonista, Deepika Padukone, vista recentemente em “xXx: Reativado”, é o principal alvo da fúria dos radicais e está com a cabeça à prêmio. Uma recompensa para quem decapitá-la foi endossada e teve seu valor aumentado pelo líder do partido político de direita Bharatiya Janata no começo da semana. Ela já tinha sido atacada no set do filme em janeiro, por radicais do Karni Sena. Em março, uma turba invadiu as filmagens e queimou cenários, figurino e jóias usadas na produção.
Segundo o site Deadline, tudo isso está acontecendo com base em boatos a respeito de cenas que “Padmaavat” teria. Ninguém ainda viu o filme. E tampouco há consenso sobre os motivos dos protestos violentos. Alguns grupos o acusam de ter conteúdo sexual ofensivo, enquanto outros alegam que há imprecisões históricas. Mas a trama nem sequer é histórica. Ela é baseada numa ficção.
“Padmaavat” conta a história de Rani Padmavati, uma rainha Mewar imaginada no poema épico homônimo do século 16, escrito por Malik Muhammad Jayasi. Ao longo de séculos, o relato do poema assumiu um significado histórico, embora haja pouca evidência de que os eventos envolvendo Padmavati tenham realmente ocorrido. Não há sequer registros de que a rainha tenha existido, embora o sultão descrito seja uma figura histórica e sua conquista militar tenha ocorrido. A trama gira em torno do desejo do sultão de Dheli por sua beleza, a ponto de sitiar sua fortaleza, no Forte Chittor, para tomá-la do Rei Ratan Sen. Após a conquista do forte, ela prefere o suicídio a ser capturada.
O filme é baseado na versão operística que o diretor do filme, Sanjay Leela Bhansali, um dos mais premiados da Índia, transformou num espetáculo musical, exibido sem problemas em Paris e Roma na década passada. O poema também já foi filmado no passado, nos anos 1960, sem nenhum protesto.
Os grupos extremistas alegam que o filme inclui uma sequência de sonhos em que o sultão muçulmano seduz a rainha hindu, transformando-a em sua amante – o que hindus consideram ofensivo. O diretor Bhansali negou repetidamente que tal cena exista, sem aplacar a ira dos radicais. Outros protestam contra a transformação do sultão de Dheli num “Khal Drogo indiano”, em referência ao bárbaro da série “Game of Thrones” – o que muçulmanos consideram ofensivo.
Como pano de fundo para tanta fúria, há uma motivo que nada tem a ver com a história mostrada nas telas. Chama-se machismo. Para estrelar o filme, Deepika Padukone se tornou a primeira atriz indiana a receber um salário maior que os dos colegas masculinos de elenco. Isto pode ter irritado os grupos altamente conservadores, liderados por homens que não aceitam a igualdade feminina. Digno de nota é o fato de que a recompensa por sua cabeça ser exatamente o montante que ela recebeu pelo papel.
Em comunicado, a produtora Viacom18 anunciou ter adiado o lançamento indiano indefinidamente e a Paramount, que adquiriu o filme para o resto do mundo, decidiu aguardar antes de marcar qualquer estreia internacional.
“A Viacom18 Motion Pictures, o estúdio atrás de ‘Padmaavat’ adiou voluntariamente a data de lançamento do filme de 1 de dezembro de 2017”, diz o texto da produtora. “Junto com Sanjay Leela Bhansali, um dos cineastas mais talentosos de sua geração, a Viacom18 Motion Pictures criou uma bela obra-prima cinematográfica em ‘Padmaavat’, que captura o valor, dignidade e tradição de Rajput em toda a sua glória. O filme é um retrato eloquente de um poema que preencherá todos os indianos com orgulho e mostrará a proeza de contar histórias de nosso país em todo o mundo. Somos uma corporação responsável e respeitador ada lei e temos o maior respeito pela lei do país e todas as instituições e órgãos estatutários, incluindo o Conselho Central de Certificação de Filmes”.
Confira abaixo o trailer do filme, que obteve mais de 48 milhões de visualizações desde que foi disponibilizado, no início de outubro.