No primeiro filme da franquia, “De Volta ao Jogo” (2014), um filhinho de papai da máfia russa roubou o mustang de John Wick e matou seu cachorro. Não sabia que Wick era um pistoleiro lendário, chamado de Baba Yaga (Bicho Papão) pelos chefões. Mesmo assim, o rapaz mimado ficou com o carro. De troco, o rancoroso Wick (vivido por Keanu Reeves) espalhou uma centena de corpos pela tela.
A contagem de cadáveres nesta sequência, intitulada “John Wick – Um Novo Dia para Morrer”, extrapola o primeiro filme umas três vezes. O raivoso John Wick é o fodão da bala chita mesmo. É um bad guy duro de matar. Enfronha-se na multidão, enfrenta os bandidos em tiroteios precisos (nunca acerta um inocente). E atira pra no mínimo aleijar.
A direção de Chad Stahelski tem um brilho inflamado e aquele ódio de quem parece estar insatisfeito consigo mesmo. Mas é tudo maravilhosamente feito de forma cinemática.
Stahelski deve admirar o cinema de John Woo. Os duelos são coreografados com movimentos vertiginosos, uma torrente de imagens que nos fazem ter uma recepção propriamente física do ritmo do filme, uma composição e uma estruturação propriamente dinâmica do espaço cinematográfico. Seu cinema é cinético, e vai rápido. Mais rápido, às vezes, até do que nossa percepção da história. E cada confronto segue um estilo e se passa num ambiente diferente.
Claro, há algo de videogame em cena também. Só que nada é virtual. Stahelski, que antes de diretor era dublê, coloca um exército de stunts a serviço de arremessos, vôos e quedas hiperrealistas.
Ainda que Keanu esteja em cena e também Laurence Fishburne, esqueça “Matrix” (1999). Todo mundo sangra, o suor escorre a todo instante e invariavelmente alguém grita de dor. Inclusive o personagem de Keanu que termina com um braço quebrado, uma perna menor que a outra e o rosto coalhado de cortes.
Mesmo mancando, John Wick continua atrás do mustang que a máfia russa roubou no filme anterior. Ele recupera o carro, mas não antes de mandar duas dezenas de desafetos para o inferno. Volta para a casa para descansar, e mal sobra tempo para um cochilo. Um representante da Camorra, a máfia italiana, bate na porta e vem cobrar uma dívida antiga. E o protagonista que se achava aposentado, terá que voltar ao crime e cometer mais um assassinato mirabolante em Roma.
O senso de humor é sempre ferino. Há um hotel luxuoso e exclusivo para pistoleiros em Roma e a primeira pergunta que o dono do local faz quando vê John Wick é se por acaso ele veio matar o papa. Há um suspense de dois segundos antes de Wick negar, mas é o suficiente para os criminosos, respirarem aliviados.
Outra cena muito divertida é a que opõe Keanu Reeves e Laurence Fishburne. Os dois se entreolham e, numa piada particular, o Morfeu de “Matrix” dispara: Há quanto tempo, hein?
John Wick procura ser sempre habilidoso nas negociações com as organizações criminosas, mas quando oferecem US$ 7 milhões por sua cabeça, torna-se caçado até pelos próprios amigos.
Mas não adianta muito descrever a história. Esse capítulo dois da saga Wick é como um espetáculo de ritmo, movimento, montagem, alterações no plano. Pouco importa o que é contado, o essencial ainda fica na imagem, intransferível. Importa, sim, declarar que, em todas as cenas de ação diante da tela, tamanha é a quantidade de informações que aparecem, tão preciso é o estabelecimento dos espaços, tão meticulosos são os enquadramentos e a duração de cada plano, que os músculos se retesam imperceptivelmente e o coração pulsa com a adrenalina.
Se o espectador estava ávido por um filme de ação de categoria, suas preces são atendidas com esse “John Wick”.