Não é uma obra fácil, com enredo intrincado e motivações dúbias dos personagens. “A Assassina”, no entanto, é um dos filmes mais belos dos últimos anos e um presente para cinéfilos, especialmente pela oportunidade de trazer ao circuito local o talentoso cineasta chinês Hou Hsiao-Hsien, cujo último longa-metragem, “A Viagem do Balão Vermelho” (2007), era até então seu único lançamento no Brasil.
Como Hsiao-Hsien é um cineasta que privilegia a encenação e o movimento dos atores no quadro, “A Assassina” demonstra um cuidado excepcional para trazer mais delicadeza ao gênero wuxia, de artes marciais, que já foi apropriado de maneira artística por outros mestres asiáticos como Wong Kar-Wai, Ang Lee e Zhang Yimou. A diferença marcante no trabalho de Hsiao-Hsien é que suas coreografias de lutas estão em segundo plano diante da cenografia, fotografia e figurinos.
O visual da obra deixa o espectador tão encantado que fica difícil reclamar da ação, da trama e dos personagens, com seus dilemas morais ou sentimentais. De todo modo, o grande dilema pertence à personagem-título, Yinniang, interpretada por Shu Qi, estrela do primeiro “Carga Explosiva” (2002). Ela é uma assassina habilidosa, mas sensível, o que a impede, por exemplo, de matar um homem na presença de seu filho pequeno.
Como forma de punir essa bondade, sua mestra a envia para o lugar onde nasceu, a distante província de Weibo, a fim de matar o governador local, primo dela, que também é o homem com quem ela deveria ter se casado. O filme não facilita na hora de explicar os detalhes do passado da assassina e desse homem, embora faça isso à sua maneira – diferente da narrativa didática dos longas de ação de Hollywood.
O diretor mantém um aspecto importante do wuxia, que é a harmonia do homem com a natureza, fotografada com uma beleza estupenda. Mas, por outro lado, enquadra sua trama sem a grandiloquência épica do gênero. Chamar de simplicidade o que ele faz seria um erro, até pelo esmero do trabalho. Numa das experiências criativas do cineasta, Yinniang perscruta como um fantasma, que ignora o obstáculo das paredes, a mansão do governador e de sua família, e nesses momentos há muitas cenas em que um véu cobre a tela, mostrando o olhar da protagonista em câmera subjetiva.
Há quem vá achar, sob tantas firulas estéticas, o filme muito frio, sem envolvimento emocional, mas isso não deixa de ser um aspecto da essência e dos valores dos personagens. O mais curioso, porém, é a forma com que o cineasta evita sequências de morte e violência, fazendo as cenas de luta serem interrompidas bruscamente, numa antítese do que se espera do gênero. “A Assassina” é realmente diferente, uma obra difícil de ser enquadrada.