Estreias: Alice Através do Espelho desencanta em grande circuito

Mais uma semana, mais um candidato a blockbuster. “Alice Através do Espelho” chega em 1.102 salas do país, mais que o dobro do primeiro título da franquia em 2010 (487 telas), ocupando […]

Mais uma semana, mais um candidato a blockbuster. “Alice Através do Espelho” chega em 1.102 salas do país, mais que o dobro do primeiro título da franquia em 2010 (487 telas), ocupando dois terços do parque exibidor nacional. Deste total, 666 telas são 3D e 12 IMAX (ou seja, todos do país). Mas se a criatividade do primeiro filme, dirigido por Tim Burton, inaugurou a tendência das fábulas encantadas com atores reais da Disney, o novo representa o primeiro sinal de esgotamento da fórmula.

A continuação de “Alice no País das Maravilhas”, com direção de James Bobin (“Os Muppets”), é um desencanto completo. O colorido excessivo se junta à falta de coerência e as interpretações exageradas para conjurar muitos fogos de artifício. Mas sob o visual deslumbrante, só há fumaça e canastrice. Tiques, afetação e vozes irritantes dão o tom dos personagens, em especial o Chapeleiro Louco de Johnny Depp, que já figura como um das piores interpretações de sua carreira. Com 28% de aprovação no site americano Rotten Tomatoes, a sequência do filme de 2010 (56%, na época) é oficialmente podre.

Outro lançamento infantil ocupa 463 salas. A animação “Peppa Pig – As Botas de Ouro e Outras Histórias” é uma coletânea de curtas da porquinha Peppa Pig, sucesso da TV paga britânica, que no Brasil tem sua série exibida na TV Cultura e na Discovery Kids. Difícil é entender o apelo de assistir TV no cinema.

Apenas um lançamento adulto ganha distribuição ampla: “Jogo do Dinheiro”, de Jodie Foster (“Um Novo Despertar”), que reúne os astros George Clooney e Julia Roberts (parceiros da franquia “11 Homens e um Segredo”), em 220 salas. Thriller com muitas camadas, acompanha um apresentador de programa financeiro que, enquanto está “ao vivo”, torna-se refém de um telespectador armado, que perdeu tudo seguindo suas dicas e exige saber porquê ele foi mal intencionado. 55% no Rotten Tomatoes.

O circuito limitado dá destaque para “A Garota do Livro”, drama indie sobre pedofilia, em 41 salas. Emily VanCamp (“Capitão América: Guerra Civil”) interpreta uma editora literária que precisa lidar com um trauma do passado, quando um escritor best-seller reaparece em sua vida. Longa de estreia da diretora Marya Cohn, teve boa recepção da crítica americana, com 91% no Rotten Tomatoes.

“Roteiro de Casamento”, de Juan Taratuto (“Um Namorado para Minha Esposa), mostra que o cinema argentino também é capaz de produzir comédias tão bobas quanto o Brasil. A história, com projeção em 35 salas, gira em torno de um ator ególatra, que para se relacionar com uma atriz iniciante passa a interpretar um roteiro criado especialmente para o namoro dar certo. Mesmo assim, a trama não vira um besteirol e até introduz citações sofisticadas.

Melhor lançamento internacional da semana, o francês “O Valor de um Homem” tem obviamente a pior distribuição, chegando a apenas três salas. Dirigido por Stéphane Brizé (“Mademoiselle Chambon”), traz Vincent Lindon (“Bastardos”) como um profissional desempregado que, entrando na Terceira Idade, precisa reajustar suas expectativas durante o período de crise financeira. É uma porrada dramática, que apresenta de forma crua e dolorida a banalidade da vida. Lindon foi premiado no Festival de Cannes do ano passado pelo papel, além de ter vencido o César (o Oscar francês).

A programação ainda traz quatro estreias nacionais. Dois lançamentos são documentários. Da premiada diretora Sandra Werneck (“Cazuza – O Tempo Não Para”), “Os Outros” exibe o cotidiano de três “covers” oficiais de artistas populares – Roberto Carlos, Cazuza e Ivete Sangalo – em dez salas. Já “São Sebastião do Rio de Janeiro – A Formação de uma Cidade” foca a evolução do urbanismo do Rio de Janeiro, em quatro salas.

“Uma Noite em Sampa”, de Ugo Giorgetti, é um drama social disfarçado de suspense, que explora clichês da luta de classe numa situação de paranoia não muito distante da visão distópica de “Uma Noite de Crime” (2013), mas que tem mais em comum com a espera de “Festa” (1989), do próprio Giorgetti. Acompanha um grupo de privilegiados – e alguns manequins de plástico… – , que trocaram a cidade vista nos telejornais sensacionalistas de José Luiz Datena e Marcelo Rezende pela segurança dos subúrbios, mas que decidem aproveitar as delícias da capital numa excursão a bordo de um ônibus seguro. Até que, após um jantar num restaurante caríssimo, o motorista some e o medo de passar uma noite paulista se instala. Tudo, porém, acontece numa locação única e o pavor paralisante é mais um estado de espírito que uma ameaça real. O circuito não foi divulgado, mas uma rápida pesquisa aponta exibição numa sala em São Paulo.

Com maior alcance, “Ponto Zero” marca a estreia de José Pedro Goulart em longa-metragem, após impressionar com curtas nos anos 1980 e ir ganhar dinheiro com a publicidade. Longe de se mostrar “novato”, o cineasta gaúcho revela excelente domínio de cena, técnica e acabamento, além de apresentar uma narrativa muito bem desenvolvida, como se tivesse burilado o roteiro ao longo de vários anos até deixá-lo brilhante. Seu filme é diferente de tudo que se tem feito no cinema brasileiro nos últimos tempos. Ambicioso, com um toque de experimentalismo, mas bastante coeso, o filme acompanha uma noite de fuga de um adolescente em busca de sexo, um ato de rebeldia numa vida de submissão, que cobra um preço caro – e não apenas por ser sexo pago. Ocupa 13 salas.