Após um início de reinado sob os auspícios da popularidade de “Café Society”, Kristen Stewart, coroada rainha de Cannes pelo presidente do festival em sua apresentação da programação oficial, sucumbiu às vaias em seu segundo filme no evento.
Bastou um fantasma aparecer, cinco minutos após o início da projeção de “Personal Shopper”, para a crítica se manifestar com o vento de suas entranhas. Kristen, claro, não tem culpa do vexame, que, de resto, é dos próprios críticos, que parecem orgulhosos por agir como moleques em Cannes, mas depois ficam indignados com as turmas barulhentas que não sabem se comportar no cinema. A atriz está majestosa em todos os fotogramas do longa, que marca seu reencontro com o diretor francês Olivier Assayas, após o premiado “Acima das Nuvens” (2014). De fato, ela é hipnótica, dissolvendo o cenário com sua presença ubíqua, diante de uma câmera que a idolatra ao ponto de nunca abandoná-la, mantendo-a o tempo inteiro em cena.
Como na parceria anterior, ela volta a viver uma assistente-escrava de um celebridade. Maureen, a personagem de Kristen, aceita os abusos da patroa irritante porque o trabalho lhe permite ficar em Paris “esperando”. Seu Godot vem de outro mundo. Trata-se do fantasma de seu irmão gêmeo. Os dois compartilhavam a mesma condição congênita, um coração fraco, e tinham um acordo mediúnico sobre esta situação. Aquele que morresse primeiro romperia a quarta parede definitiva para falar com o outro diretamente do além. E é o que ela espera que aconteça, após o irmão morrer na capital parisiense. E não demora, após ela contar seus planos, para começar a receber mensagens de celular que podem vir do além, mas que funcionam como Sexting místicos, motivando-a a abandonar os pudores.
Em “Personal Shopper”, a rainha não só fica nua como se masturba. “Eu faço qualquer coisa. E gosto de tudo o que fizer. Maureen sofre uma enorme crise de identidade. Por isso senti que eu precisava ser o mais irracional, presente e nua que pudesse”, ela explicou, na entrevista coletiva.
O filme, sem dúvida, é sexy. Mas o desdobramento como plano criminoso (whudunit fácil de decifrar) e o excesso de sustinhos forçados do roteiro parecem feitos sob medida para provocar vaias, especialmente em seu final desapontador. Seria esta a intenção?
“Quando você vem para Cannes, você tem que estar preparado para tudo”, declarou Olivier Assayas sobre a reação da crítica. “Um filme tem vida própria. Quando nasce, é como uma explosão, e os elementos do filme se chocam com os elementos da realidade. Isso é ainda muito maior num festival como Cannes. É um pouco como num parto, como dar à luz”, completou. “Sim, mas depois desse parto pode haver vaias”, emendou, com sarcasmo, o ator alemão Lars Edinger, que está no elenco do filme.
Sem jeito, Kristen bem que gostaria de fazer o oposto de sua personagem diante da situação, correr para longe. “A natureza da vida é muito assustadora. Como agora. Eu não posso sair daqui! Não posso sair!”, ela desabafou, aos risos. Pode ter perdido a majestade, mas não a graça.