A cantora Beyoncé voltou a surpreender com o lançamento de um novo álbum-surpresa e coleção de clipes, dois anos após inventar a moda. No momento em que o mundo ainda lamenta a morte de Prince, ela mostra que o funk continua vivo e evoluindo com “Lemonade”, uma porrada sonora, que chega acompanhado de um “visual album”, um vídeo com quase uma hora de duração – originalmente exibido como um especial da HBO no fim de semana.
“Lemonade”, o vídeo, junta os clipes do disco, dando imagens e contexto à sua proposta, que vai do tom confessional, em mensagens pouco amistosas, aparentemente endereçadas a seu marido, o rapper Jay Z, até o tom de protesto, enquadrando a violência racial da polícia americana. De um lado, seu casamento conturbado. Do outro, o divórcio da população e a justiça.
Repleto de referências, o vídeo passeia por paisagens da história dos negros americanos, desde os plantações da escravatura – o título “Lemonade” é referência ao uso de limonada para clarear a pele dos escravos – , pelo jazz de Nova Orleans, os ônibus simbólicos da luta pelos direitos civis, a era do orgulho racial, evocado nos samples de Isaac Hayes que ressoam na música “6 Inch”, até chegar aos dias do rap e da violência policial.
Segundo a cantora, o disco é “baseado na jornada de autoconhecimento e cura de todas as mulheres”. Assim, há muitas alusões a figuras femininas. Uma mulher de vestido branco pendurada numa árvore lembra “Strange Fruit” de Billie Holiday, o blues sobre os frutos das árvores dos negros enforcados. Há também um close no rosto de Nina Simone na capa de um disco. E mulheres dos dias de hoje, como modelo Winnie Harlow, que tem o rosto descolorido pelo vitiligo, e as mães dos jovens Trayvon Martin e Michael Brown, recentemente assassinados pela polícia americana.
Musicalmente, o passeio também encontra diversas paisagens intrigantes, de gospel, country, rock, soul, funk e até dub, na companhia de gente tão distinta quanto o guitarrista Jack White, os cantores The Weeknd e James Blake e o rapper Kendrick Lamar. A música com guitarra e vocais de Jack White, “Don’t Hurt Yourself”, é o primeiro single, que vai do reggae leve ao rock pesado com impressionante naturalidade. Não menos impressionante é “Freedom”, com Kendrick Lamar, que usa o gospel de forma sobrenatural.
Por sua vez, a síntese visual de “Lemonade” pode ser evocada na imagem de Beyoncé destruindo carros com um taco de beisebol, com um sorriso no rosto, balançando ao som de uma batida ska que também faria a alegria da geração 2-Tone dos anos 1980. A música se chama “Hold Up” e tem sample da banda de rock Yeah Yeah Yeahs.
Este vídeo, por sinal, tem direção do grande mestre dos clipes Jonas Åkerlund. Mas a lista de diretores que se mesclam na produção (um clipe continua no outro, entrecortados por poemas de Warsan Shire) inclui ainda outros visionários, como Kahlil Joseph, Melina Matsoukas, Dikayl Rimmasch, Todd Tourso, o cineasta Mark Romanek (“Não me Abandone Jamais”) e a própria Beyoncé Knowles Carter.