Lá nos idos de 2008, a Marvel apresentou, com “Homem de Ferro”, uma fórmula de muita cor e humor em contraposição ao sombrio mundo do Batman e X-Men, e que acabou se tornando a regra do sucesso em termos de filmes de super-herói. E se “Guardiões da Galáxia” (2014) elevou o humor despretensioso à categoria da zoeira sem limites, “Deadpool” leva a fórmula audaciosamente onde a Disney jamais esteve (e dificilmente estará algum dia).
A adaptação do herói criado em 1991 por Fabian Nicieza e Rob Liefeld é a evolução natural da fórmula Marvel (apesar da produção ser da Fox, o personagem nos quadrinhos é da Marvel e seu filme só existe como resposta às produções da Marvel): muita ação, muito humor, personagens principais que não se machucam de verdade e… sangue, decapitação, nudez, palavrões, sexo, piadas de humor duvidoso, drogas e rock’n’roll – e um pouco de Wham!.
A estreia em longas do diretor Tim Miller capta muito bem as origens do anti-herói criado numa época em que o que parecia importar mais nos quadrinhos era o estilo acima do conteúdo: a história de Wade Wilson e como ele se torna Deadpool está lá apenas como base para o filme abusar da metalinguagem com muito bom humor. Ryan Reynolds se redime de “Lanterna Verde” (2013), “Blade 3” (2004), “X-Men Origens: Wolverine” (2009) e todas aquelas suas comédias românticas (acredite, há referências a tudo isso) carregando o filme com carisma e sabendo rir de si mesmo e de sua situação enquanto astro de um filme de quadrinhos. A Fox parece ter colocado dois X-Men na história apenas para garantir uma marca conhecida em uma produção de um personagem pouco conhecido. Não era necessário: Deadpool é o dono da cena e o filme só perde com a entrada dos outros mutantes.
O personagem é tão alucinado – uma espécie de Pernalonga para maiores – que causa um estranhamento quando vemos a “Escola Xavier para Jovens” e lembramos que ele deve estar no mesmo universo sombrio dos X-Men. Sua presença neste mundo só funciona porque Wade Wilson tem consciência de estar em um filme e, desta forma, assume a fantasia de que nada precisa fazer muito sentido nesta trama ficcional. É uma estratégia que vem dos quadrinhos do personagem e funciona muito bem na tela do cinema.
Embora o clímax decepcione ao se entregar a tudo aquilo que o filme parecia criticar (muitos personagens poderosos, explosões grandiosas) e perca um pouco do ritmo que vinha sendo mantido até então, “Deadpool” se destaca pela originalidade, como uma alternativa bem-vinda ao padronizado universo da Marvel no cinema. É a produção certa no momento certo: um filme de quadrinhos que é como se fosse um meme sobre filmes de quadrinhos. É a zoeira das redes sociais com milhões de dólares de orçamento. Com a boca suja de comentaristas de internet, atitude de youtuber e irresponsabilidade de alguns provedores de conteúdo online, Deadpool é o herói que a atual geração tanto aguardava para idolatrar. E também é divertido pra caramba.