Yoshida Kiju, cineasta da Nouvelle Vague japonesa, morre aos 89 anos
O cineasta Yoshida Kiju, membro da chamada Nouvelle Vague japonesa, morreu nessa quinta-feira (8/12) de pneumonia aos 89 anos. A informação foi confirmada pela mídia japonesa. Nascido em 16 de fevereiro de 1933, Yoshida Yoshishige (seu nome real) se formou na Universidade de Tóquio, onde estudou literatura francesa. Ele ingressou no estúdio Shochiku em 1955 e atuou como assistente de direção de cineastas icônicos como Yasujirô Ozu (“Era uma Vez em Tóquio”) e Keisuke Kinoshita (“Olhos que Nunca Se Fecham”). Em 1960, Yoshida estreou na direção com o drama juvenil “Volúpia Perigosa”. Tanto este quanto seus filmes seguintes, “Blood Is Dry” (1960) e “Bitter End of a Sweet Night”, apresentaram representações impiedosas de males sociais contemporâneos. Com isso, o cineasta, juntamente com seus companheiros Oshima Nagisa (“Império dos Sentidos”) e Shinoda Masahiro (“Época de Garoto”), ficaram conhecidos como rebeldes que agiam contra as convenções dos estúdios japoneses da época. Não demorou até o trio receber o rótulo de Shochiku Nouvelle Vague, numa referência à Nouvelle Vague francesa, que foi sua influência e inspiração, combinada com o nome do estúdio para o qual trabalhavam. Em 1962, Yoshida dirigiu a estrela em ascensão Okada Mariko no drama romântico “Akitsu Springs” e em 1964 se casou com ela. Quatro anos depois, ele deixou o estúdio Shochiku para fundar sua própria produtora, a Gendai Eigasha, com Okada atuando como sua estrela mais frequente. Seu filme “Eros + Massacre” (1969), um épico biográfico com mais de três horas e meia de duração sobre um anarquista dos anos 1920, tornou-se o filme indicado do Japão ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. “Eros + Massacre” também foi o primeiro título de uma trilogia realizada pelo cineasta focada em figuras revolucionárias. Os outros filmes dessa trilogia são “Heroic Purgatory” (1970) e “Coup d’Etat” (1973). Após este último filme, Yoshida deixou o cinema de ficção para se dedicar a uma série de documentários para a televisão. Mas em 1986 voltou à tela grande com “A Promise” e, em seguida, com “Wuthering Heights” (1988), ambos exibidos no Festival de Cannes. Sua última participação no festival francês foi com seu derradeiro longa, “Women in the Mirror” (2002), um drama sobre o bombardeio atômico de Hiroshima. Depois disso, despediu-se com uma participação na antologia “Bem-Vindo a São Paulo” (2004), concebida por Leon Cakoff para a Mostra de São Paulo. Yoshida também foi escritor, publicando um romance sobre o líder nazista Rudolf Hess e um livro de análise dos filmes de Ozu, além de ter co-escrito um obra acadêmica de teoria do cinema.
Filme de Chantal Akerman é eleito o melhor de todos os tempos
A revista britânica Sight & Sound, publicação oficial do British Film Institute, divulgou nessa quinta (1/12) a nova versão atualizada de sua tradicional lista com os melhores filmes de todos os tempos. A lista é organizada a cada dez anos e conta com a participação de alguns dos críticos e estudiosos de cinema mais importantes do mundo, que enviam as suas listas individuais para serem contabilizadas. O resultado deste ano foi surpreendente por incluir um filme europeu à frente dos habituais favoritos da velha Hollywood, “Um Corpo Que Cai” (1958), escolhido da crítica em 2012, e “Cidadão Kane” (1941), o eleito de 2002. Eles continuam no Top 3, mas atrás de “Jeanne Dielman” (1975), da belga Chantal Akerman. Com quase três horas e meia de duração, a produção franco-belga mostra a rotina de uma dona de casa solitária (Delphine Seyrig) que faz suas tarefas diárias, cuida do apartamento e do filho adolescente. No entanto, acontece algo que muda sua rotina. Curiosamente, “Jeanne Dielman” tinha aparecido na lista de 2012 apenas em 35° lugar. Seu crescimento entre a crítica também marcou a primeira vez que um filme dirigido por uma mulher ficou em 1º lugar na lista britânica. A diversidade também se manifestou nos filmes que completam o Top 5: o japonês “Era uma vez em Tóquio” (1953), de Yasujiro Ozu, seguido pelo chinês “Amor à Flor da Pele” (2000), de Wong Kar-Wai. O Top 10 segue mesclando produções de Hollywood e do cinema europeu, com “2001, Uma Odisséia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick, “Bom Trabalho” (1998), de Claire Denis, “Cidade dos Sonhos” (2001), de David Lynch, “Um Homem com uma Câmera” (1929), de Dziga Vertov, e “Cantando na Chuva” (1952), de Stanley Donen e Gene Kelly. A lista completa é uma relação com todos os suspeitos esperados pelos cinéfilos, mas também guarda algumas idiossincrasias, como o curta-metragem “Tramas do Entardecer” (1943), da pioneira cineasta indie Maya Deren em 16º lugar. E entre os clássicos de Bergman, Murnau, Ford, Coppola, Renoir, Varda, Kurosawa, Dreyer, Tati, Chaplin, Lang, Wilder, Scorsese, Godard, Tarkovsky, Fellini, Visconti e Bresson, a maior surpresa é encontrar três filmes muito contemporâneos: “Retrato de Uma Jovem em Chamas” (2019), da francesa Céline Sciamma, “Parasita” (2019), do sul-coreano Bong Joon Ho, e “Corra!” (2017), do americano Jordan Peele. Confira abaixo o trailer de “Jeanne Dielman” e o Top 100 completo. 1. “Jeanne Dielman” (Chantal Akerman, 1975) 2. “Um Corpo Que Cai” (Alfred Hitchcock, 1958) 3. “Cidadão Kane” (Orson Welles, 1941) 4. “Era Uma Vez em Tóquio (Ozu Yasujiro, 1953) 5. “Amor à Flor da Pele” (Wong Kar-wai, 2001) 6. “2001: Uma Odisseia no Espaço” (Stanley Kubrick, 1968) 7. “Bom Trabalho” (Claire Denis, 1998) 8. “Cidade dos Sonhos” (David Lynch, 2001) 9. “Um Homem com uma Câmera” (Dziga Vertov, 1929) 10. “Cantando na Chuva” (Stanley Donen e Gene Kelly, 1951) 11. “Aurora” (F.W. Murnau, 1927) 12. “O Poderoso Chefão” (Francis Ford Coppola, 1972) 13. “A Regra do Jogo” (Jean Renoir, 1939) 14. “Cléo de 5 às 7” (Agnès Varda, 1962) 15. “Rastros de Ódio” (John Ford, 1956) 16. “Tramas do Entardecer” (Maya Deren e Alexander Hammid, 1943) 17. “Close-Up” (Abbas Kiarostami, 1989) 18. “Quando Duas Mulheres Pecam” (Ingmar Bergman, 1966) 19. “Apocalypse Now” (Francis Ford Coppola, 1979) 20. “Os Sete Samurais” (Akira Kurosawa, 1954) 21. (EMPATE) “A Paixão de Joana D’Arc” (Carl Theodor Dreyer, 1927) 21. (EMPATE) “Pai e Filha” (Ozu Yasujiro, 1949) 23. “Playtime – Tempo de Diversao” (Jacques Tati, 1967) 24. “Faça a Coisa Certa” (Spike Lee, 1989) 25. (EMPATE) “A Grande Testemunha” (Robert Bresson, 1966) 25. (EMPATE) “O Mensageiro do Diabo” (Charles Laughton, 1955) 27. “Shoah” (Claude Lanzmann, 1985) 28. “As Pequenas Margaridas” (Věra Chytilová, 1966) 29. “Taxi Driver” (Martin Scorsese, 1976) 30. “Retrato de Uma Jovem em Chamas” (Céline Sciamma, 2019) 31. (EMPATE) “O Espelho” (Andrei Tarkovsky, 1975) 31. (EMPATE) “8½” (Federico Fellini, 1963) 31. (EMPATE) “Psicose” (Alfred Hitchcock, 1960) 34. “O Atalante” (Jean Vigo, 1934) 35. “Pather Panchali” (Satyajit Ray, 1955) 36. (EMPATE) “Luzes da Cidade” (Charlie Chaplin, 1931) 36. (EMPATE) “M – O Vampiro de Dusseldord” (Fritz Lang, 1931) 38. (EMPATE) “Acossado” (Jean-Luc Godard, 1960) 38. (EMPATE) “Quanto Mais Quente Melhor” (Billy Wilder, 1959) 38. (EMPATE) “Janela Indiscreta” (Alfred Hitchcock, 1954) 41. (EMPATE) “Ladrões de Bicicleta” (Vittorio De Sica, 1948) 41. (EMPATE) “Rashomon” (Akira Kurosawa, 1950) 43. (EMPATE) “Stalker” (Andrei Tarkovsky, 1979) 43. (EMPATE) “O Matador de Ovelhas” (Charles Burnett, 1977) 45. (EMPATE) “Intriga Internacional” (Alfred Hitchcock, 1959) 45. (EMPATE) “A Batalha de Argel” (Gillo Pontecorvo, 1966) 45. (EMPATE) “Barry Lyndon” (Stanley Kubrick, 1975) 48. (EMPATE) “Wanda” (Barbara Loden, 1970) 48. (EMPATE) “A Palavra” (Carl Theodor Dreyer, 1955) 50. (EMPATE) “Os Incompreendidos” (François Truffaut, 1959) 50. (EMPATE) “O Piano” (Jane Campion, 1992) 52. (EMPATE) “News from Home” (Chantal Akerman, 1976) 52. (EMPATE) “O Medo Consome a Alma” (Rainer Werner Fassbinder, 1974) 54. (EMPATE) “Se Meu Apartamento Falasse” (Billy Wilder, 1960) 54. (EMPATE) “O Encouraçado Potemkin” (Sergei Eisenstein, 1925) 54. (EMPATE) “Sherlock Jr.” (Buster Keaton, 1924) 54. (EMPATE) “O Desprezo” (Jean-Luc Godard 1963) 54. (EMPATE) “Blade Runner, o Caçador de Androides” (Ridley Scott 1982) 59. “Sans soleil” (Chris Marker 1982) 60. (EMPATE) “Filhas do Pó” (Julie Dash 1991) 60. (EMPATE) “A Doce Vida” (Federico Fellini 1960) 60. (EMPATE) “Moonlight – Sob a Luz do Luar” (Barry Jenkins 2016) 63. (EMPATE) “Casablanca” (Michael Curtiz 1942) 63. (EMPATE) “Os Bons Companheiros” (Martin Scorsese 1990) 63. (EMPATE) “O Terceiro Homem” (Carol Reed 1949) 66. “A Viagem da Hiana” (Djibril Diop Mambéty 1973) 67. (EMPATE) “Os Catadores e Eu” (Agnès Varda 2000) 67. (EMPATE) “Metropolis” (Fritz Lang 1927) 67. (EMPATE) “Andrei Rublev” (Andrei Tarkovsky 1966) 67. (EMPATE) “Os Sapatinhos Vermelhos” (Michael Powell & Emeric Pressburger 1948) 67. (EMPATE) “La Jetée” (Chris Marker 1962) 72. (EMPATE) “Meu Amigo Totoro” (Miyazaki Hayao 1988) 72. (EMPATE) “Romance na Itália” (Roberto Rossellini 1954) 72. (EMPATE) “A Aventura” (Michelangelo Antonioni 1960) 75. (EMPATE) “Imitação da Vida” (Douglas Sirk 1959) 75. (EMPATE) “Intendente Sansho” (Mizoguchi Kenji 1954) 75. (EMPATE) “A Viagem de Chihiro” (Miyazaki Hayao 2001) 78. (EMPATE) “Um Dia Quente de Verão” (Edward Yang 1991) 78. (EMPATE) “Satantango” (Béla Tarr 1994) 78. (EMPATE) “Céline e Julie Vão de Barco” (Jacques Rivette 1974) 78. (EMPATE) “Tempos Modernos “(Charlie Chaplin 1936) 78. (EMPATE) “Crepúsculo dos Deuses” (Billy Wilder 1950) 78. (EMPATE) “Neste Mundo e no Outro” (Michael Powell & Emeric Pressburger 1946) 84. (EMPATE) “Veludo Azul” (David Lynch 1986) 84. (EMPATE) “O Demônio das Onze Horas” (Jean-Luc Godard 1965) 84. (EMPATE) “História(s) do Cinema” (Jean-Luc Godard 1988-1998) 84. (EMPATE) “O Espírito da Colmeia” (Victor Erice, 1973) 88. (EMPATE) “O Iluminado” (Stanley Kubrick, 1980) 88. (EMPATE) “Amores Expressos” (Wong Kar Wai, 1994) 90. (EMPATE) “Madame de…” (Max Ophüls, 1953) 90. (EMPATE) “O Leopardo” (Luchino Visconti, 1962) 90. (EMPATE) “Contos da Lua Vaga” (Mizoguchi Kenji, 1953) 90. (EMPATE) “Parasita” (Bong Joon Ho, 2019) 90. (EMPATE) “Yi Yi” (Edward Yang, 1999) 95. (EMPATE) “Um Condenado à Morte Escapou” (Robert Bresson, 1956) 95. (EMPATE) “A General” (Buster Keaton, 1926) 95. (EMPATE) “Era Uma Vez no Oeste” (Sergio Leone, 1968) 95. (EMPATE) “Corra!” (Jordan Peele, 2017) 95. (EMPATE) “Black Girl” (Ousmane Sembène, 1965) 95. (EMPATE) “Mal dos Trópicos” (Apichatpong Weerasethakul, 2004)
Fundação Clóvis Salgado disponibiliza clássicos do cinema japonês de graça no YouTube
A cinquentenária Fundação Clóvis Salgado, responsável pelo Palácio das Artes de Minas Gerais, disponibilizou gratuitamente diversos clássicos do cinema japonês no YouTube. A mostra Clássicos do Cinema Japonês, que poderá ser vista na página da fundação até o dia 9 de julho, tem preciosidades de grande mestres, como Yasujiro Ozu (1903-1963), Kenji Mizoguchi (1898-1956), Mikio Naruse (1905-1969), e Kinuyo Tanaka (1909-1977). As obras se concentram no período entre 1949 e 1953 e estão todas legendadas em português. São três títulos de cada diretor, menos Tanaka, atriz de sucesso que se tornou uma das primeiras diretoras japonesas. Ela comparece com apenas um filme, sua estreia na direção: “Cartas de Amor” (1953). Ozu responde pelas preciosidades “Pai e Filha” (1949), “O Sabor do Chá Verde sobre o Arroz” (1952) e o célebre “Era uma Vez em Tóquio” (1953), considerado o 3º Melhor Filme de Todos os Tempos na eleição mais recente do BFI (British Film Institute). “Pai e Filha”, por sinal, é o 15º da mesma lista. De Naruse, a seleção traz “Batalha de Rosas” (1950), “Relâmpago” (1952) e “Irmão, Irmã” (1953), do meio de sua carreira. Por fim, os filmes de Mizoguchi são “Senhorita Oyu” (1951), “A Música de Gion” (1953) e o premiadíssimo “Contos da Lua Vaga” (1953), que venceu o Leão de Prata num ano em que o Festival de Veneza não entregou o Leão de Ouro, considerando impossível definir qual era o melhor filme entre a obra de Mizoguchi, “Moulin Rouge”, de John Houston, “Os Boas Vidas”, de Federico Fellini e “Teresa Raquin”, de Marcel Carné. Os filmes podem ser vistos na playlist abaixo. Ou na página do Palácio das Artes (neste link).
Setsuko Hara (1920 – 2015)
Morreu Setsuko Hara, lenda do cinema japonês, que estrelou os filmes mais famosos do grande mestre Yasujirō Ozu. Ela faleceu aos 95 anos em 5 de setembro, após passar um mês internada num hospital, mas a notícia só foi divulgada nesta semana pela imprensa japonesa. Seu verdadeiro nome era Masae Aida e ela nasceu em 17 de junho de 1920 em Yokohama, no Japão. Sua irmã mais velha era casada com o cineasta Hisatora Kumagai, o que aproximou sua família da indústria do cinema – até seu irmão virou assistente de fotografia. Sonhando em virar atriz, ela passou num teste no estúdio Nikkatsu e fez sua estreia em 1935, aos 15 anos, no curta “Tama o Nagero”, seguido no mesmo ano pela comédia “Do Not Hesite Young Folks!” O primeiro papel de destaque veio no drama “O Filho do Samurai” (1937), uma coprodução alemã, em que ela interpretou uma donzela que tentava, em sacrifício, jogar-se em um vulcão. O sucesso foi tanto que Setsuko continuou a viver heroínas trágicas em diversos filmes até a 2ª Guerra Mundial, que diminuiu o ritmo de lançamentos do país. Quando a produção cinematográfica foi retomada, Akira Kurosawa a convidou a estrelar o clássico “Não Lamento Minha Juventude” (1946), como a filha de um professor universitário que cai em desgraça política, representando as contradições, angústias e sentimentos de culpa da geração do pós-guerra. Ela também trabalhou com o diretor Kimisaburo Yoshimura em “A Ball at the Anjo House” (1947) e com Keisuke Kinoshita em “Here’s to the Girls” (1949), nos quais foi retratada como a “nova mulher japonesa”, além de voltar a filmar com Kurosawa na adaptação japonesa de “O Idiota” (1951), clássico literário de Fiódor Dostoiévski. No entanto, foi a parceria com Yasujirō Ozu, iniciada em 1949, que teve maior impacto em sua carreira. No primeiro longa da parceria, “Pai e Filha” (1949), ela viveu Noriko, uma mulher adulta que se recusava a se casar e sair de casa, preferindo dedicar sua vida a cuidar do pai, apesar dos esforços da família para convencê-la a noivar. O filme tornou-se um dos maiores clássicos japoneses, considerado um dos mais perfeitos dramas de estudo de personagens já realizados e o 15º melhor filme de todos os tempos (segundo a eleição mais recente do British Film Institute). O sucesso do filme consolidou a imagem de Setsuko como uma filha dedicada a seus pais, inspirando o apelido pelo qual ela ficou conhecida: a Virgem Eterna. Até certo ponto, a realidade espelhava esse papel. Em uma sociedade que considerava o casamento e a maternidade quase obrigatórios, ela permaneceu solteira e sem filhos, sobrevivendo às controvérsias apenas porque era popular o suficiente para evitar as fofocas. Ozu, entretanto, quis mostrar uma Noriko diferente no segundo filme da parceria. Mantendo o nome da personagem em “Também Fomos Felizes” (1951), a atriz mostrou que a relutância em se casar não representava uma devoção paterna equivocada. Era um ato de independência. Na trama, a família se preocupava por Noriko se manter solteira aos 28 anos de idade. Mas a jovem era uma típica representante do Japão do pós-guerra, em que as mulheres trabalhavam e não dependiam de homens para sustentá-las, optando por se casar apenas se quisessem e não por conveniência ou tradição. Setsuko também mostrou que o casamento não era essa maravilha toda, ao estrelar o drama “Vida de Casado” (1951), de Mikio Naruse, no qual se mostrava infeliz ao perceber que, após o matrimônio, sua vida resumira-se a cozinhar e limpar a casa. O terceiro filme que estrelou para Ozu, “Era uma Vez em Tóquio” (1953), ilustrou outro ângulo dos temas anteriormente visitados. Nele, a atriz interpretava uma viúva, também chamada Noriko, cujo marido morreu na guerra. Sua devoção ao falecido, porém, já persistia por mais de uma década, a ponto de preocupar os familiares por sua recusa em se casar novamente. Ela era, entretanto, a única que dava atenção aos pais idosos de seu marido, que viajaram do interior para Tóquio, numa rara visita aos filhos distantes, apenas para serem recebidos com indiferença. Os cunhados de Noriko, tão absorvidos em suas próprias vidas, preferiam ignorar os sentimentos dos pais, enquanto a viúva lhes recebia com o respeito e a devoção de uma filha de verdade, num retrato da degradação das famílias, alimentada pela correria da vida moderna. “Era uma Vez em Tóquio” encerrou a chamada “trilogia Noriko” sob elogios e aplausos ainda mais retumbantes que os de “Pai e Filha”, atingindo status de obra-prima mundial. Considerado um dos trabalhos mais importantes do cinema, ocupa atualmente o 3º lugar na lista do British Film Institute dos melhores filmes de todos os tempos, além de liderar uma lista alternativa do mesmo instituto, com votação exclusiva de cineastas. A atriz ainda estrelou mais três longas de Ozu, “Crepúsculo em Tóquio” (1957), “Dia de Outono” (1960) e “Fim de Verão” (1961), sempre lidando com problemas de família, envolvendo especialmente os pais. O final de sua filmografia também teve espaço para duas aventuras dirigidas por Hiroshi Inagaki, vivendo uma deusa em “A Idade dos Deuses” (1959), sobre a origem do xintoísmo, e seu papel final em “Os Vingadores” (1962), a versão mais bem-sucedida da lenda espadachim dos 47 ronins. Em 1963, logo após a morte de Ozu, ela entrou em depressão e decidiu se afastar da indústria cinematográfica. Aos 43 anos, e no auge de sua popularidade, recusou-se a estrelar novos papeis, irritando seus fãs, a indústria e a imprensa do país, ao declarar que não fazia mais sentido continuar a carreira, pois nos últimos anos só filmava para sustentar seus parentes. Ela se mudou para uma pequena casa no litoral, em Kamakura, antiga capital do Japão, onde permaneceu, vivendo sozinha o resto de sua vida. A imprensa, porém, não se conformou com a decisão e passou a chamá-la de “Greta Garbo do Japão”, pela súbita reclusão. Segundo um sobrinho de 75 anos, ela cultivava a simplicidade e a humildade, e não queria chamar atenção para si, mesmo diante da perspectiva da própria morte.



