Jean-Claude Bernardet, referência da crítica de cinema, morre aos 88 anos
Intelectual belga naturalizado brasileiro marcou gerações como crítico, cineasta, escritor e professor, e teve legado reconhecido em obras e homenagens
Maria Fernanda: Estrela dos palcos e novelas clássicas morre aos 96 anos
A atriz Maria Fernanda morreu no sábado (30/7) em virtude de complicações respiratórias, aos 96 anos de idade. Ela estava internada na Casa de Saúde São José, no Rio, desde o dia 26. Maria Fernanda Meireles Correia Dias era única filha ainda viva da poeta Cecília Meireles (1901-1964) e do ilustrador português Correia Dias (1892-1935). Ela iniciou sua carreira em 1948, interpretando a personagem Ofélia, na primeira montagem de “Hamlet” feita no país, ao lado de atores como Sergio Cardoso e Sergio Britto. A atriz teve uma carreira longa no teatro, onde atuou por sete décadas, após estudar artes cênicas na Europa. Sua consagração veio no começo dos anos 1960 no papel de Blanche DuBois, em quatro montagens diferentes da peça “Um Bonde Chamado Desejo”, do americano Tennessee Williams. A montagem paulista teve direção de Augusto Boal, em 1962, enquanto a carioca foi comandada por Flávio Rangel em 1963 e rendeu à Maria Fernanda os prêmios Molière, Saci e Governador do Estado de melhor atriz. Mas depois da ditadura, a atriz chegou a ser detida durante uma apresentação da mesma peça em Brasília. O episódio deu início a uma reação da classe artística, que desaguou em uma passeata contra a censura em frente ao Theatro Municipal do Rio. Compareceram artistas como Paulo Autran, Marieta Severo e Odete Lara. Ao longo de seus 70 anos de palco, ela fez vários outros papéis marcantes, trabalhando com textos clássicos de Shakespeare, Eurípedes, Oscar Wilde, Anton Tchekhov, August Strindberg, Jean-Paul Sartre, Jean Genet, Arthur Miller, Bertold Brecht, García Lorca e o brasileiro Nelson Rodrigues. No cinema, Maria Fernanda estrelou produções da Atlântida e da Vera Cruz nos anos 1940 e 1950. Destacou-se ainda em “Fim de Festa” (1978), de Paulo Porto, “Chico Rei” (1985), de Walter Lima Jr., e “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil” (1995), de Carla Camurati, marco da retomada do cinema brasileiro, no qual interpretou o papel de D. Maria I, a louca. Também participou de vários trabalhos televisivos, desde o “Grande Teatro Tupi”, teleteatro ao vivo do começo da TV brasileira, até novelas que marcaram época na Globo como “Gabriela” (1975), “Nina” (1977) e “Pai Herói” (1979), além de “Dona Beija” (1986) na rede Manchete. Ela deixa o filho Luiz Fernando, fruto de seu relacionamento com o diretor de TV Luiz Gallon, com quem foi casada entre 1956 e 1963.
Ilka Soares (1932–2022)
A atriz Ilka Soares morreu na manhã deste sábado (18/6) no Rio de Janeiro. Ela estava internada na Clínica São Vicente, na capital fluminense, onde fazia um tratamento contra o câncer. Nascida em 21 de junho de 1932, completaria 90 anos na terça-feira. Com uma carreira de mais de sete décadas, Ilka virou estrela ainda na adolescência. Aos 15 anos, disputou um concurso de beleza promovido pelo jornal O Globo, onde chamou atenção do diretor de fotografia Ugo Lombardi, pai de Bruna Lombardi, e foi convidada a fazer teste para o filme “Iracema”, adaptação da obra clássica de José de Alencar. O filme foi lançado dois anos depois, em 1949, com Ilka Soares no papel-título, “a virgem dos lábios de mel”. O sucesso da produção a fez ser disputada pelos principais estúdios de cinema do Brasil. Destacou-se principalmente em produções da Atlântida, como as chanchadas “Três Vagabundos” (1952) e “Pintando o Sete” (1960), ao lado do rei do humor Oscarito, além do drama “Maior Que o Ódio” (1951), em que contracenou com o grande galã da época, Anselmo Duarte. O romance entre Ilka e Anselmo acabou virando história de amor real. Os dois se casaram. Mas, unidos pelo cinema, também se separaram após a convivência seguida nas telas. Eles mantiveram a parceria em mais duas comédias musicais – “Carnaval em Marte” (1955) e “Depois Eu Conto” (1956) – e, por volta do lançamento da segunda, se separaram. Ilka também brilhou em produções do estúdio Vera Cruz, especialista em melodramas populares, atuando em “Esquina da Ilusão” (1953) e no blockbuster nacional “Floradas na Serra” (1954), junto à primeira dama do teatro brasileiro, Cacilda Becker. Famosa e considerada uma das mulheres mais bonitas do país, ela passou a ser requisitada para capas de revistas e campanhas publicitárias das melhores marcas, o que a transformou numa das primeiras (senão a primeira) supermodelo do Brasil. Recém-inaugurado no país, o primeiro canal da TV brasileira, Tupi, fez questão de escalá-la em seu programa mais prestigioso, o “Teleteatro Tupi”, encabeçado por Fernanda Montenegro. A atração que encenava peças teatrais foi um dos maiores sucessos da década de 1950 na televisão – num período em que toda a programação era ao vivo. Em 1963, ela se casou com Walter Clark, executivo da TV Rio, que em dezembro de 1965 assumiu a direção geral de um novo canal: a TV Globo. No ano seguinte, Ilka estreou na Globo, substituindo a atriz Norma Bengell na apresentação do programa “Noite de Gala”. Fez sucesso como apresentadora e passou por outras produções, com destaque para o “Festival Internacional da Canção”, exibido no final da década. Mas mesmo com a vasta experiência como atriz, só foi fazer novelas com mais de duas décadas de carreira e após sua separação de Walter Clark. Ela estreou no gênero em 1971, na novela “O Cafona”, de Braúlio Pedroso, em que interpretou uma mulher sofisticada, tipo de personagem que a acompanharia pelo resto da carreira. A partir daí, Ilka não parou mais, emplacando novela atrás de novela. Ensaiou virar rainha das 22h, estrelando quatro atrações quase consecutivas no horário: “O Cafona”, “Bandeira 2” (1971), “O Bofe” (1972) e “O Espigão” (1974). Mas a partir de “Anjo Mau” (1976) encontrou novo nicho nas “novelas das sete”, vindo a estourar com “Locomotivas” (1977), primeira produção colorida da faixa, como Celeste, uma quarentona sexy (na época em que isso era raro na TV) que formou par com um ator 15 anos mais novo, o galã Dennis Carvalho. Cassiano Gabus Mendes foi o primeiro dramaturgo da Globo a explorar a capacidade cômica da atriz, que ela tinha aprimorado nas chanchadas. Depois de “Locomotiva”, Ilka se tornou seu talismã, aparecendo em várias de suas novelas, como “Te Contei?” (1978), “Elas por Elas” (1982), “Champagne” (1983) e “Que Rei Sou Eu?” (1989). Fez tanto sucesso em papéis cômicos que, no final da década de 1970, foi integrar um dos principais humorísticos da história da Globo, o “Planeta dos Homens”, ao lado de comediantes consagrados como Jô Soares, Agildo Ribeiro e Paulo Silvino. Ilka, porém, não virou comediante e continuou atuando em novelas, chegando a aparecer em duas atrações simultâneas entre 1990 e 1991, “Rainha da Sucata” às oito e “Barriga de Aluguel” às seis. Apesar disso, fez só mais duas novelas em seguida: “Deus Nos Acuda” (1993) e “Pecado Capital” (1998). O fim do ciclo na Globo lhe permitiu participar da série “Mandrake”, da HBO, e voltar ao cinema. Desde sua estreia no canal, Ilka só tinha feito um filme: “Brasa Adormecida”, em 1987. Ela retomou a trajetória cinematográfica interrompida com três novos lançamentos: “Copacabana” (2001), “Gatão de Meia Idade” (2006) e “Vendo ou Alugo” (2013). A comédia de Betse de Paula lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival Cine-PE, aos 80 anos de idade, e também foi a sua despedida das telas. Em 2018, Ilka fez uma nova retomada em sua carreira, voltando a modelar aos 86 anos, em fotos de lançamento de uma coleção da grife The Paradise, desenvolvida por seu neto e estilista Thomaz Azulay. Uma delas pode ser vista abaixo, ao lado de uma imagem da era de ouro da atriz no cinema.
Tônia Carrero (1922 – 2018)
Morreu Tônia Carrero, uma das maiores estrelas do cinema, do teatro e da TV brasileira. A atriz havia sido internada na sexta-feira, na Clínica São Vicente, na Gávea, para a realização de um procedimento cirúrgico simples, mas não resistiu, aos 95 anos de idade. Nascida Maria Antonietta de Farias Portocarrero, no Rio de Janeiro, ela já era esposa do artista plástico Carlos Arthur Thiré quando começou sua carreira com um pequeno papel no filme “Querida Susana” (1947), de Alberto Pieralisi. Entusiasmada com a experiência, resolveu se matricular num curso de atuação em Paris, com Jean Louis Barrault, e mudou os rumos de sua vida. Foi fazer teatro, onde conheceu o diretor italiano Adolfo Celi, seu segundo marido. E logo na estreia, em 1949, recebeu o prêmio de atriz revelação pela Associação de Críticos Cariocas. Em 1951, Tônia se mudou para São Paulo e se tornou estrela da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, por onde atuou em clássicos do cinema nacional como “Apassionata” (1952), de Fernando de Barros, “Tico-Tico no Fubá” (1952), do marido Adolfo Celi, e “É Proibido Beijar” (1954), de Ugo Lombardi. Dois anos depois, passou a integrar o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), marcando época em montagens teatrais dirigidas por Zbigniew Ziembinski. De volta ao Rio, em 1956, a atriz formou sua própria companhia teatral com o marido e o amigo Paulo Autran, a Companhia Tônia-Celi-Autran (CTCA), que nos anos 1950 e 1960 revolucionou o teatro brasileiro com espetáculos como “Entre Quatro Paredes” (1956), de Jean-Paul Sartre, e “Seis Personagens à Procura de um Autor” (1960), de Luigi Pirandello, pelo qual recebeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo de melhor atriz. Após se separar de Celi, ela montou sua empresa individual em 1965, a Companhia Tônia Carrero, pela qual montou “A Dama do Maxim’s, de Georges Feydeau, ao lado do parceiro Paulo Autran, e “Navalha na Carne”, de Plínio Marcos, cuja protagonista, a miserável prostituta Neusa Suely, se torna um dos marcos mais importantes de sua carreira. O papel lhe rendeu dois prêmios: o Molière e o da Associação de Críticos Cariocas. Tônia ainda estrelou duas coproduções internacionais de cinema, “Sócio de Alcova” (1962) e “Copacabana Palace” (1962), que tinham em comum a violência crescente do Rio de Janeiro, tema que ainda a conduziu a “Tempo de Violência” (1969), antes de virar estrela da Globo. Ela estrelou na rede de televisão em “Pigmalião 70”, que adaptava a trama da peça “Pigmalião”, de George Bernard Shaw, para o ano de 1970. Na peça, um professor tentava transformar uma modesta vendedora de flores numa dama da sociedade. Já na novela, os papéis foram invertidos: era uma mulher rica (papel de Tônia) que se propunha a transformar a vida de um vendedor de frutas (Sérgio Cardoso). O sucesso da novela a estabeleceu como estrela da Globo, acumulando uma longa sequência de papéis, geralmente como mulher sofisticada, numa atração atrás da outra. Para se ter ideia, em apenas dois anos na emissora, ela estrelou cinco novelas, algumas quase simultaneamente. Após se afastar para respirar e desenvolver outros trabalhos, ela retornou em 1980 num dos seus personagens mais marcantes, a sofisticada Stella Fraga Simpson em “Água Viva” (1980), de Gilberto Braga. A parceria com Braga voltou a se repetir com outro papel chique de grande sucesso em “Louco Amor” (1983). No auge de sua popularidade, ela resolveu sacudir a imagem televisiva e interpretar um texto moderno no teatro. Virou estrela de “Quartett” (1986), de Heiner Müller, dirigida por Gerald Thomas, demonstrando a mesma vitalidade e ousadia de sua juventude aos 64 anos de idade. Aplaudida pela crítica, conquistou outro prêmio Molière de melhor atriz. Tônia seguiu alternando teatro, TV e cinema por mais duas décadas, mas sem a mesma quantidade exasperante de trabalhos, até a saúde a abandonar. Seus últimos papéis na Globo foram participações na novela “Senhora do Destino” (2004) e na série de comédia “Sob Nova Direção” (em 2005), e ela se despediu do cinema com “Chega de Saudade” (2007), de Laís Bodanzky. Diagnosticada com uma doença chamada de hidrocefalia oculta, ela não se comunicava mais e nem conseguia andar normalmente. Tônia vivia em seu apartamento no Leblon, cercada de familiares e sempre recebia visitas de amigos próximos. Além de mãe do ator Cecil Thiré, ela também era avó de outra geração de atores, Miguel Thiré, Luísa Thiré e Carlos Thiré.



