Quatro atores de “Mary Tyler Moore” morreram em 2021
A morte de Betty White na sexta-feira (31/1) elevou para quatro o número de atores da série clássica “Mary Tyler Moore” que morreram em 2021. Seu falecimento foi precedido pelas mortes de Cloris Leachman em janeiro, Gavin MacLeod em maio e Ed Asner em agosto. Além deles, o diretor Jay Sandrich, que comandou 119 dos 168 episódios da série, faleceu em setembro passado. Um dos criadores e principal showrunner da série, James L. Brooks (hoje produtor de “Os Simpsons”), falou à revista Variety que a perda de tantos colaboradores tornou 2021 um ano especialmente difícil. “Penso em cada um deles individualmente”, disse Brooks, que relembrou o impacto de Betty White em “Mary Tyler Moore” quando ela se juntou ao elenco no início da 4ª temporada em 1973. A atriz deveria ter uma participação especial única, mas foi tão boa no papel da lasciva intrigante Sue Ann Nevins, que sua personagem caiu nas graças do público e se tornou fixa na série. “Ela era o sonho de qualquer escritor”, disse Brooks. “Ela foi simplesmente uma dádiva de Deus”, completou. Uma das séries mais importantes de todos os tempos, “Mary Tyler Moore” foi pioneira do feminismo na TV, ao mostrar pela primeira vez o cotidiano de uma mulher independente. Na trama, Mary Richards (interpretada pela atriz Mary Tyler Moore) era uma jornalista recém-chegada na cidade de Minneapolis, que conseguia um emprego numa estação de TV local. Na verdade, era tão incomum ver mulheres trabalhando em redações de telejornais, que Mary foi a primeira profissional feminina do programa fictício da série, e precisou enfrentar muito machismo para ser levada a sério. Sua personagem inclusive cobrava igualdade salarial aos colegas de trabalho do sexo masculino. Mas “Mary Tyler Moore” também mostrava a vida da personagem nas horas de folga, revelando a amizade com a senhoria idiossincrática, a vizinha fashionista e outras mulheres em diferentes estágios de vida, apresentando temas até então inéditos na TV, como – escândalo! – o uso de anticoncepcionais. O programa virou ícone feminista, mas também representou como poucos o zeitgeist da década de 1970. O mais impressionante é que o pioneirismo não espantou o público. Ao contrário, “Mary Tyler Moore” ficou no ar entre 1970 e 1977, rendendo grande audiência e muitos prêmios. O sucesso foi tanto que se desdobrou numa coleção de spin-offs, dedicados à amiga fashionista Rhoda (Valerie Harper), à senhoria Phyllis (Cloris Leachman) e ao editor Lou Grant (Edward Asner). Ted Knight, intérprete de Ted Baxter, o apresentador machista do telejornal, foi o primeiro dos membros do elenco principal a falecer, aos 62 anos em 1986. A própria Mary Tyler Moore morreu em 2017, seguida por Valerie Harper e Georgia Engel em 2019. Betty White era a integrante mais velha do elenco central e foi a última a falecer. Com a morte da atriz, restaram vivos apenas convidados que tiveram papéis recorrentes na atração, como John Amos (“Um Príncipe em Nova York”) e Joyce Bulifant (“Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu”), que apareceram respectivamente em 14 e 11 capítulos e foram os que mais repetiram participações ao longo da produção. Veja abaixo as aberturas e encerramentos da 1ª e da última temporada da série clássica.
Valerie Harper (1939 – 2019)
Valerie Harper, uma das atrizes mais queridas da TV americana, que estrelou a série clássica “Mary Tyler Moore” e o derivado “Rhoda”, morreu após uma longa batalha contra o câncer, aos 80 anos de idade. Assim como sua personagem clássica, que ajudou a divulgar o feminismo na telinha, ela também foi um símbolo do empoderamento na vida real, tendo processado produtores e uma rede de TV por reagirem com demissão a um pedido de aumento, além de ter lutado, ao lado de feministas históricas como Gloria Steinem e Bella Abzug, pela aprovação da Emenda dos Direitos Iguais nos Estados Unidos. Ela nasceu em 22 de agosto de 1939, em Suffren, Nova York, mas morou boa parte da infância e da adolescência em Nova Jersey. Estudou balé na juventude e aos 16 anos conseguiu um emprego como dançarina do Corps de Ballet, que se apresentava quatro ou cinco vezes por dia entre as exibições de filmes no Radio City Music Hall. A experiência como dançarina a levou à Broadway em 1956, no elenco da comédia musical “Li’l Abner”, baseada nos quadrinhos do personagem do título (Ferdinando, no Brasil), e ela logo se tornou uma das dançarinas favoritas do diretor-produtor-coreógrafo Michael Kidd, que a escalou em várias montagens consecutivas. Sua colega de quarto, a atriz Arlene Golonka, sugeriu que Harper tentasse atuar, convencendo-a a fazer um teste para participar do teatro de revista “Second City”, que acabara de se mudar de Chicago para Nova York. Ela se juntou ao elenco, que incluía o ator Dick Schaal, e os dois se casaram alguns meses depois em 1964 (eles se divorciaram em 1978). “Ele era meu mentor”, Harper disse à revista People em 1975, sobre seu marido. “Ele me ajudava a me preparar, lendo roteiros comigo por anos e absolutamente construiu a personagem de Rhoda comigo”. O casal se mudou para Los Angeles em 1968 e começou a trabalhar na TV. Ele assinava roteiros para “Love, American Style”, enquanto ela deslanchava em participações em diversas séries, incluindo “Columbo”, e seguia carreira no teatro. A diretora de elenco e vice-presidente da CBS Ethel Winant a “descobriu” durante uma peça em Los Angeles e a convidou a fazer um teste para uma nova série, que chegaria à televisão em 1970. Era “Mary Tyler Moore” e Harper foi escalada para viver a vizinha e melhor amiga da protagonista, Rhoda Morgenstern, recém-chegada a Minneapolis, onde a trama se passava. A interação entre Moore e Harper marcou época. Enquanto Mary Richards (Mary Tyler Moore era o nome da intérprete e não da personagem) era uma presbiteriana conservadora, Rhoda era uma judia moderna, que se vestia de forma extravagante. As duas eram completamente opostas, mas as diferenças iniciais logo cederam lugar para as semelhanças. As duas eram mulheres solteiras independentes e lutavam por reconhecimento numa época em que o feminismo engatinhava. Em 2000, a revista Time chamou a interação de Mary e Rhoda de “uma das amizades mais famosas da TV”. Mas após três vitórias seguidas no Emmy como Melhor Atriz Coadjuvante, Harper se tornou popular o suficiente para ter sua própria série, e em 1974 a CBS lançou “Rhoda”, com produção assinada por ninguém menos que Mary Tyler Moore – num testemunho da parceria entre as atrizes, que jamais se viram como rivais. Na atração derivada, Rhoda retornava a Nova York para reencontrar a família, e finalmente descobria o amor, ao conhecer um executivo divorciado (David Groh). O spin-off foi um sucesso instantâneo, tornando-se a primeira série a assumir o 1ª lugar da audiência em seu ano inaugural de produção. Além disso, o episódio do casamento de Rhoda quase bateu um recorde histórico, com 52 milhões de telespectadores, a segunda maior audiência da TV até então, perdendo apenas para outro evento televisivo, o nascimento de Little Ricky em “I Love Lucy”, exibido em janeiro de 1953. Vale lembrar que esse episódio especial foi um crossover com “Mary Tyler Moore”, em que os personagens da série original apareceram como convidados na cerimônia íntima, realizada no apartamento dos pais de Rhoda. E rendeu tantos comentários que até um famoso locutor esportivo reclamou, durante uma transmissão de futebol americano, não ter sido convidado para aparecer na festa. Harper culminou esse período de sucesso com o Emmy de Melhor Atriz em Série de Comédia por seu trabalho em “Rhoda”. Mas, apesar desse fenômeno de popularidade, os produtores decidiram que a série precisava de outra direção na 3ª temporada, já que a personagem tinha se tornado feliz e acomodada. Assim, os roteiristas passaram a incluir problemas no relacionamento, que levou a um divórcio na 4ª temporada. O público não gostou e a audiência desabou, fazendo a série ser cancelada antes do final de sua 5ª temporada, em dezembro de 1978, deixando quatro episódios inéditos. “Meu maior arrependimento foi não termos tido a oportunidade de mostrar um episódio final de ‘Rhoda'”, Harper desabafou em sua autobiografia. “A série de ‘Mary Tyler Moore’ terminou com um final perfeito, agridoce e divertido, em que me senti emocionada por poder aparecer. Eu queria que ‘Rhoda’ tivesse a mesma oportunidade”. A atriz voltou a protagonizar uma série em 1986 com “Valerie”, interpretando uma mãe suburbana de Chicago, que precisava trabalhar e criar três filhos (o mais velho tinha 17 anos de idade e era ninguém menos que o ator Jason Bateman, futuro astro de “Arrested Development”), enquanto o marido, um piloto (Josh Taylor), estava frequentemente ausente. Um episódio da 2ª temporada de “Valerie” também entrou para a História da TV, ao usar pela primeira vez a palavra “preservativo”, relacionada a sexo seguro, no horário nobre norte-americano. A NBC chegou a emitir um aviso de aconselhamento aos pais, na abertura do capítulo. O sucesso de “Valerie” fez Harper buscar aumento salarial e participação nos lucros da produção, que afinal tinha seu nome. Os produtores negaram e ela se recusou a gravar novos episódios. O impasse causou sua demissão da própria série. Os roteiristas simplesmente mataram sua personagem num acidente de carro e a atração seguiu com Sandy Duncan no papel principal, como uma tia que assumia a criação dos filhos de Valerie. Harper processou a rede NBC e os produtores por quebra de contrato e difamação, após entrevistas em que foi chamada de “atriz difícil”. E venceu. Recebeu US$ 1,4 milhão por perdas e danos, além de uma parcela dos lucros do programa, como queria em sua negociação inicial. Os anos dedicados à televisão não lhe permitiram fazer muitos filmes. As exceções foram participações em “O Último Casal Casado” (1980) e “Feitiço do Rio” (1984). Mas ela protagonizou muitos telefilmes, incluindo “Quero Apenas meus Direitos” (1980), produção pioneira sobre o assédio sexual no local de trabalho, e “A Caixa de Surpresas” (1980), dirigido pelo astro Paul Newman. Após “Valerie”, ela teve um papel de destaque na sitcom “A Família Hogan” (1986–1991) e apareceu de forma recorrente em “The Office” (durante 1995). Também cruzou as telas em episódios de “O Toque de um Anjo”, “Sex and the City”, “That ’70s Show”, “Desperate Housewives”, “Drop Dead Diva”, “Duas Garotas em Apuros” (2 Broke Girls) e “Calor em Cleveland” (Hot in Cleveland). Em 2000, voltou a reviver sua personagem mais famosa num telefilme da rede ABC, “Mary e Rhoda”, em que contracenou com sua velha amiga Mary Tyler Moore. E foi um sucesso de audiência como nos velhos tempos. Enquanto lutava com doenças, a atriz ainda foi indicada ao Tony (o Oscar teatral) por interpretar a atrevida estrela dos anos 1940 Tallulah Bankhead na comédia “Looped”. Seus últimos trabalhos foram um curta-metragem de 2017, “My Mom and the Girl”, em que interpretou uma mãe com doença de Alzheimer, e diversas dublagens nas séries “Os Simpsons” e “American Dad!” Em 2009, os médicos removeram um tumor de seu pulmão direito e, em janeiro de 2013, ela foi diagnosticada com um tumor cerebral incurável, ocasião em que recebeu a informação que só teria mais três meses de vida. Sem se entregar, ela sobreviveu por mais seis anos. Nesse tempo “extra”, permitiu à NBC News gravá-la para um documentário e aceitou um convite para aparecer no programa de danças “Dancing With the Stars”. “Os médicos querem que eu me exercite!”, disse, sobre a participação. Discutindo sua doença na TV, ela afirmou: “Quero que todos nós tenhamos menos medo da morte, saibam que é uma passagem. Mas não vá ao seu funeral antes do dia do funeral. Enquanto estiver vivendo, viva.”
