Phyllis Somerville (1943 – 2020)
A atriz Phyllis Somerville, conhecida pelos filmes “Pecados Íntimos” e “As Rainhas da Torcida”, morreu na quinta (16/7) de causas naturais em sua casa, na cidade de Nova York, aos 76 anos. Ainda criança, Somerville teve uma pequena aparição na série “Guiding Light”, em 1952, mas seguiu carreira no teatro e só foi reaparecer nas telas três décadas depois, como figurante na comédia de sucesso “Arthur, o Milionário Sedutor”, lançada em 1981. Ela esperou mais uma década antes de decidir se focar no audiovisual, atuando em episódios de várias séries a partir dos anos 1990, como “Nova York Contra o Crime” (NYPD Blue), “Sex and the City”, “Família Soprano” (The Sopranos) e até em três títulos da franquia “Lei & Ordem”: a “Law & Order” original, “Law & Order: SVU” e “Law & Order: Criminal Intent”. Somerville também acumulou participações em filmes famosos, entre eles “Fé Demais Não Cheira Bem” (1992), “Adoráveis Fantasmas” (1998), “Simplesmente Irresistível” (1999) e “Vivendo no Limite” (1999), até que começou a se destacar, alcançando papéis importantes em “Pecados Íntimos” (2006), de Todd Field, como a mãe do pedófilo vivido por Jackie Earle Haley, e em “O Curioso Caso de Benjamin Button” (2008), de David Fincher, como a vovó da versão mirim da personagem de Cate Blanchett. Após seus melhores filmes, ela entrou no elenco de “The Big C”, série de 2010 da HBO sobre a luta de uma mulher com câncer, em que viveu a vizinha suicida da protagonista Laura Linney. Ainda atuou em um episódio de “House of Cards”, antes de virar a mãe do Rei do Crime em “Demolidor” (em 2015), a líder da comunidade alternativa de “Outsiders” (de 2016) e Meemaw no sucesso da Netflix “The Unbreakable Kimmy Schmidt” (em 2017). Nos últimos anos, Sommerville apareceu no suspense “Segredos de Sangue” (2013), estreia do sul-coreano Park Chan-wook em Hollywood, no romance “Nossas Noites” (2017), que voltou a reunir o casal Robert Redford e Jane Fonda, no drama “A Vida de Diane” (2018), premiado no Festival de Tribeca, e na comédia “As Rainhas da Torcida” (2019), onde teve um de seus maiores destaques como uma das personagens do título – um time de cheerleaders da Terceira Idade que também incluía Diane Keaton, Jacki Weaver e Pam Grier. O último papel da atriz foi na série de detetive “Mare of Easttown”, prevista para estrear na HBO em 2021.
A Criada reúne surpresas, reviravoltas e tensão sexual num filme arrebatador
Cineasta com uma assinatura visual já consolidada e reconhecida, Park Chan-wook é também um mestre na arte de manipular o público, direcionando-o por vezes a territórios que os despistam quanto a grande história que está se costurando. Se em sua estreia em inglês, “Segredos de Sangue” (2013), as influências hitchcockianas renderam um belo e perturbador registro sobre o surgimento da psicopatia, com “A Criada” Chan-wook regressa à Coreia do Sul levando de sua estadia ocidental um romance da britânica Sarah Waters para fazer o seu “Azul é a Cor Mais Quente” (2013). Claro que a associação com o filme de Abdellatif Kechiche, que também disputou a Palma de Ouro em Cannes, ressoa somente na voltagem erótica. Já levado para a tevê em formato de minissérie com Elaine Cassidy, Sally Hawkins e Imelda Staunton no elenco, o texto original de “Fingersmith” é revirado por Chan-wook, cercando de perversão a premissa falsamente folhetinesca de uma jovem, Sook-hee (a promissora estreante Kim Tae-ri), persuadida pelo Conde Fujiwara (Ha Jung-woo, de “O Caçador”) a ser a criada de Lady Hideko (Kim Min-hee, de “Certo Agora, Errado Antes”), com quem pretende se casar e herdar toda a sua fortuna. Ao preparar o terreno para Fujiwara agir, Sook-hee se vê simpatizando com Lady Hideko, principalmente ao investigar o poder que o tio Kouzuki (Cho Jin-woong, de “Um Dia Difícil”) exerce sobre a sua vida. Mesmo de origens distintas e exercendo papéis sociais opostos, uma atração mútua se manifesta a partir de pequenas ações físicas que desencadeiam o desejo sexual de ambas. Como o tenso auxílio que Sook-hee presta ao readequar um dente de Lady Hideko que a incomoda enquanto chupa um pirulito – mais sugestivo, impossível! Como bem provou em sua trilogia da Vingança (“Mr. Vingança”, “Oldboy” e “Lady Vingança”), Park Chan-wook se diverte trabalhando com aparências, fazendo que o espectador descarte todo um raciocínio construído após uma boa demanda de tempo. Não é diferente em “A Criada”, tirando da manga uma surpresa narrativa, na metade da projeção, que fará tudo recomeçar praticamente do zero. Ou melhor: ofertará o privilégio de perseguir um novo ponto de vista, que dará um sentido muito mais amplo para todo o contexto. De todos os cineastas contemporâneos atraídos por narrativas não lineares, o sul-coreano é o que melhor as domina, usando o flashback não como uma ferramenta para mastigar os dados que devem preencher as lacunas sobre os históricos de personagens, mas para mostrar como o passado destes é essencial para redimensioná-los. Isso se aplica principalmente à Lady Hideko, ocultando um meio de vida tão doentio que o melhor a fazer é deixar o espaço para a imaginação. Acima de todo esse jogo entre criaturas dissimuladas, é incrível como “A Criada” ainda assim consegue ser tão verdadeiro no amor atípico que encena. Encontrar o fator humano em um freak show é um desafio, porque nenhuma violência é mais intensa e explícita do que o choque entre dois corpos que se desejam. Sem ninguém esperar, Park Chan-wook entrega o romance mais arrebatador dos últimos tempos.

