Ennio Morricone (1928 – 2020)
O grande compositor Ennio Morricone, criador de trilhas sonoras inesquecíveis, morreu nesta segunda-feira (6/7) em Roma aos 91 anos, por complicações de uma queda sofrida na semana passada. Ele teve uma carreira de quase 70 anos como instrumentista e 60 anos como compositor de obras para o cinema, TV e rádio. Suas músicas acompanharam mais de 500 filmes, venderam cerca de 70 milhões de discos e criaram a identidade sonora de gêneros inteiros, como o spaghetti western, também conhecido como “bangue-bangue à italiana”, o giallo ultraviolento, os filmes americanos de máfia e reverberaram por toda a indústria cinematográfica italiana. “O Maestro”, como era conhecido, nasceu em 10 de novembro de 1928 em uma área residencial de Roma. Seu pai, Mario, tocava trompete, e este foi o primeiro instrumento que o jovem aprendeu a tocar. Graças a essa convivência, ele começou a compor músicas aos 6 anos. Quando tinha cerca de 8 anos, Morricone conheceu seu grande parceiro, o cineasta Sergio Leone, no ensino fundamental. Os dois voltaram a se encontrar duas décadas mais tarde para fazer História. O jovem Morricone começou a carreira compondo músicas para dramas de rádio, ao mesmo tempo em que tocava numa orquestra especializada em trilhas para filmes. “A maioria era muito ruim e eu acreditava que poderia fazer melhor”, disse ele numa entrevista de 2001. Ele trabalhou com Mario Lanza, Paul Anka, Charles Aznavour, Chet Baker e outros como arranjador de estúdio na gravadora RCA e com o diretor Luciano Salce em várias peças. Quando Salce precisou de uma trilha para seu filme “O Fascista” (1961), lembrou do jovem e deu início à carreira de compositor de cinema de Morricone. Depois de alguns filmes, Morricone reencontrou Leone, iniciando a lendária colaboração. O primeiro trabalho da dupla, “Por um Punhado de Dólares” (1964), marcou época e estabeleceu um novo patamar no gênero apelidado de spaghetti western – além de ter lançado a carreira de Clint Eastwood como cowboy de cinema. Os dois assinaram com pseudônimos americanos, e muita gente realmente acreditou que se tratava de uma produção de Hollywood, tamanha a qualidade. Ao todo, Morricone e Leone trabalharam juntos em sete filmes, dos quais o maestro considerava “Era uma Vez no Oeste” (1968) a obra-prima da dupla. O segredo da combinação é que Leone pedia para Morricone compor as músicas antes dele filmar, usando-a como elemento narrativo, muitas vezes dispensando diálogos. Nesta fase, ele também inaugurou duradouras parcerias com Bernardo Bertolucci e Pier Paolo Pasolini. Do primeiro, compôs a trilha de “Antes da Revolução” (1964), mas só retomou as colaborações na década seguinte. Já com o segundo, foi fundo na cumplicidade do período mais controvertido do diretor, embalando clássicos que desafiaram a censura, como “Teorema” (1968), “Orgia” (1968), “Decameron” (1971), “Os Contos de Canterbury” (1972) e “As Mil e Uma Noites” (1974). Serviu até de consultor musical para o mais ultrajante de todos, “Salò, ou os 120 Dias de Sodoma” (1975), proibidíssimo e talvez relacionado ao assassinato nunca resolvido do diretor naquele ano. Fez também muitas comédias picantes e uma profusão de obras sobre crimes e gângsteres de especialistas como Alberto Martino e Giuliano Montaldo. A verdade é que, no começo da carreira, Morricone chegava a compor até 10 trilhas por ano, entre elas composições de clássicos como “De Punhos Cerrados” (1965), de Marco Bellochio, e “A Batalha de Argel” (1966), de Gillo Pontecorvo. E o sucesso dos westerns de Leone – como “Por uns Dólares a Mais” (1965) e “Três Homens em Conflito” (1966), igualmente estrelados por Clint Eastwood – , aumentou muito mais a procura por seus talentos. Sua música não só ressoava em dezenas de filmes, como os demais compositores tentavam soar como ele, especialmente os que musicavam westerns italianos. Morricone ainda deixou sua marca num novo gênero, ao assinar a trilha de “O Pássaro das Plumas de Cristal” (1970), de Dario Argento, considerado o primeiro giallo, uma forma de suspense estilizada e sanguinária, que geralmente envolvia um serial killer e mortes brutais. Confundindo-se com a tendência, fez trilhas para outros giallos famosos, como “O Gato de Nove Caudas” e “Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza”, ambos de Argento, além de “O Ventre Negro da Tarântula” e “Uma Lagartixa num Corpo de Mulher”, só para citar trabalhos feitos num período curto. As trilhas destes quatro filmes foram criadas em 1971, simultaneamente a uma dezena de outras, entre elas partituras de pelo menos três clássicos, “Decameron”, de Pier Paolo Pasolini, “Sacco e Vanzetti”, de Giuliano Montaldo, e “A Classe Operária Vai para o Paraíso”, de Elio Petri, sem esquecer uma nova colaboração com Leone, “Quando Explode a Vingança”. Para dar ideia, ele chegou a recusar o convite para trabalhar em “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, porque não daria conta. Requisitadíssimo, Morricone assinou as trilhas da franquia “Trinity”, que popularizou a comédia western italiana e virou fenômeno de bilheteria mundial, e começou a receber pedidos de produções francesas – teve uma forte parceria com o cineasta Henri Verneuil em thrillers de Jean-Paul Belmondo – e alemãs. Quando Clint Eastwood retornou aos EUA, convocou o maestro a fazer sua estreia em Hollywood, assinando a música de seu western “Os Abutres Têm Fome” (1970), dirigido por Don Siegel. Mas foi preciso um terror para que se estabelecesse de vez na indústria americana. Morricone tinha recém-composto a trilha do épico “1900” (1976), de Bernardo Bertolucci, quando foi convidado a trabalhar em “O Exorcista II: O Herege” (1977), contratado ironicamente devido a uma de suas obras menores, “O Anticristo” (1974). A continuação do clássico de terror decepcionou em vários sentidos, mas o compositor começou a engatar trabalhos americanos, como “Orca: A Baleia Assassina” (1977) e o filme que o colocou pela primeira vez na disputa do Oscar, “Cinzas do Paraíso” (1978). A obra-prima de Terrence Malick era um drama contemplativo, repleto de cenas da natureza, que valorizou ao máximo seu acompanhamento musical. E deu reconhecimento mundial ao trabalho do artista. Apesar da valorização, ele não diminuiu o ritmo. Apenas acentuou sua internacionalização. Musicou o sucesso francês “A Gaiola das Loucas” (1978), o polêmico “Tentação Proibida” (1978), de Alberto Lattuada, e voltou a trabalhar com Bertolucci em “La Luna” (1979) e “A Tragédia de um Homem Ridículo” (1981), ao mesmo tempo em que compôs suspenses/terrores baratos americanos em série. Dois terrores desse período tornaram-se cultuadíssimos, “O Enigma de Outro Mundo” (1982), em que trabalhou com o diretor – e colega compositor – John Carpenter, e “Cão Branco” (1982), uma porrada de Samuel Fuller com temática antirracista. Foi só após um reencontro com Sergio Leone, desta vez em Hollywood, que Morricone deixou os filmes baratos americanos por produções de grandes estúdios. Os dois velhos amigos colaboraram pela última vez em “Era uma Vez na América” (1984), antes da morte de Leone, que aconteceria em seguida. Ambos foram indicados ao Globo de Ouro e o compositor venceu o BAFTA (o Oscar britânico). A repercussão de “Era uma Vez na América” levou o maestro a trabalhar em “A Missão” (1986), de Roland Joffé, que como o anterior era estrelado por Robert De Niro. O filme, passado no Rio Grande do Sul, rendeu-lhe a segunda indicação ao Oscar. Em seguida veio seu filme americano mais conhecido, novamente com De Niro no elenco. “Os Intocáveis” (1987), de Brian De Palma, foi sua terceira indicação ao Oscar – e, de quebra, lhe deu um Grammy (o Oscar da indústria musical). O compositor recebeu sua quarta indicação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas por outro filme de gângster, “Bugsy” (1991), de Barry Levinson. Mas nunca se mudou para os Estados Unidos, o que lhe permitiu continuar trabalhando no cinema europeu – em obras como “Busca Frenética” (1988), de Roman Polanski, o premiadíssimo “Cinema Paradiso” (1988), de Giuseppe Tornatore, “Ata-me” (1989), de Pedro Almodóvar, e “Hamlet” (1990), de Franco Zeffirelli. Eventualmente, voltou a bisar parcerias com De Palma, Joffé e até fez alguns blockbusters de Hollywood, como “Na Linha de Fogo” (1993), em que reencontrou Clint Eastwood, “Lobo” (1994), de Mike Nichols, e “Assédio Sexual” (1994), novamente de Levison. Mas sua última indicação ao Oscar foi uma produção italiana, outra colaboração com Tornatore: “Malena” (2000). Na verdade, Morricone musicou todos os filmes de Tornatore desde “Cinema Paradiso”. Foram 10 longas e alguns curtas, até 2016. Seu ritmo só diminuiu mesmo a partir de 2010, quando, em vez de 10 trabalhos anuais, passou a assinar 4 trilhas por ano. Apesar de convidado, ele nunca trilhou um filme dirigido por Eastwood, decisão da qual mais se arrependia, mas recebeu das mãos do velho amigo o seu primeiro Oscar. Foi um troféu honorário pelas realizações de sua carreira, em 2007. Morriconi ainda veio a receber outro prêmio da Academia, desta vez pelo trabalho num filme: a trilha de “Os Oito Odiáveis”, western dirigido por Quentin Tarantino em 2015. Esta criação sonora também lhe rendeu o Globo de Ouro e o BAFTA. E ele fez sem ver o longa, no estúdio particular de sua casa. Grande fã de sua obra, Tarantino já tinha usado algumas de suas composições como música incidental em “Kill Bill”, “Django Livre” e “Bastardos Inglórios”. E deu completa liberdade para Morricone, que, em troca, disse que trabalhar com o diretor em “Os Oito Odiáveis” tinha sido “perfeito… porque ele não me deu pistas, orientações”, permitindo que criasse sua arte sem interferência alguma. “A colaboração foi baseada em confiança”. O maestro ainda ganhou muitos outros prêmios, entre eles 10 troféus David di Donatello (o Oscar italiano) ao longo da carreira – o mais recente por “O Melhor Lance” (2013), de Tornatore. Foi uma carreira realmente longa, que seu velho parceiro Tornatore transformou em filme, “Ennio: The Maestro” (2020), um documentário sobre sua vida e obra, finalizado pouco antes de sua morte, que deve ser lançado ainda neste ano. Mas a última palavra sobre sua vida foi dele mesmo. Morricone escreveu seu próprio obituário, que seu advogado leu para a imprensa após o anúncio de sua morte. “Eu, Ennio Morricone, estou morto”, começa o texto, em que o maestro agradeceu a seus amigos e familiares, e dedicou “o mais doloroso adeus” a sua esposa Maria Travia, com quem se casou em 1956, dizendo “para ela renovo o amor extraordinário que nos unia e que lamento abandonar”. Relembre abaixo alguns dos maiores sucessos do grande mestre.
Barbara Perry (1921 – 2019)
A atriz Barbara Perry morreu neste domingo (5/5) de causas naturais, aos 97 anos, em Los Angeles. Ela estrelou diversos filmes e programas televisivos, e chegou a ter papel recorrente na recente série “How I Met Your Mother”, como uma vizinha sempre disposta a ajudar Ted (Josh Radnor) a conhecer a mãe de seus futuros filhos. Nascida em Norfolk, Virgínia, em 22 de junho de 1921, Perry começou a carreira como dançarina de balé, participando da equipe infantil do corpo de balé do Met. Ela acabou se especializando em tap dancing e virou estrela em uma variedade de casas noturnas nos anos 1930, incluindo o Hotel Nacional de Cuba, o Chez Paris em Chicago, o Cocoanut Grove em Los Angeles e o Café de Paris em Londres. Ela também teve a honra de abrir shows das icônicas cantoras Lena Horne e Peggy Lee. Tinha apenas 12 anos quando começou a fazer cinema, estreando em “O Conselheiro” (1933), do mestre William Wyler. Mas na época preferiu o palco às telas, priorizando a Broadway sobre Hollywood por várias décadas. Como se estabeleceu em Nova York, acabou migrando do teatro para a TV (os estúdios televisivos ainda ficavam na Costa Leste dos Estados Unidos), aparecendo em episódios famosos de “Além da Imaginação”, “O Fugitivo”, “The Dick Van Dyke Show”, “A Feiticeira” e outras atrações populares. Seu retorno ao cinema se deu pelas mãos do cineasta Samuel Fuller, que lhe deu destaque em dois filmes marcantes, “Paixões Que Alucinam” (1963), passado num hospício, e o noir “O Beijo Amargo” (1964). Perry ainda fez o thriller “Miragem” (1965) antes de outro grande hiato – preenchido por novas séries -, só retomando seu ciclo cinematográfico a partir da década de 1980, quando apareceu na sci-fi “Trancers” (1984), no musical “Tap – A Dança de Duas Vidas” (1989) e na comédia “O Pai da Noiva” (1991). Sua carreira de atriz, porém, continuou sem interrupções na TV, com aparições constantes até a década atual, em episódios de “How I Met Your Mother” e “Baskets” – seu último trabalho, em 2017.
Dick Miller (1928 – 2019)
O ator Dick Miller, que ficou conhecido por atuar em filmes cultuados dos cineastas Roger Corman e Joe Dante, morreu nesta quarta-feira (30/1) aos 90 anos, em Toluca Lake, na Califórnia. Com longa carreira no cinema, ele foi lançado por Corman, o lendário rei dos filmes B, durante os anos 1950. Reza a lenda que Miller procurou Corman para tentar emplacar um roteiro. Mas o cineasta respondeu que não precisava de roteiros e sim de atores. E assim o roteirista sem dinheiro Richard Miller virou Dick Miller, o ator de salário mínimo. De cara, ele estrelou dois westerns de Corman, “Pistoleiro Solitário” (1955) e “A Lei dos Brutos” (1956), antes de entrar nos clássicos de sci-fi e terror baratos que tornaram o nome do diretor mundialmente conhecido, como “O Conquistador do Mundo” (1956), “O Emissário de Outro Mundo” (1957), “Um Balde de Sangue” (1959), “A Loja dos Horrores” (1960), “Obsessão Macabra” (1962), “Sombras do Terror” (1963) e “O Homem dos Olhos de Raio-X” (1963), entre muitos outros. Ele também apareceu nos filmes de surfistas, motoqueiros e hippies da época, entre eles os cultuadíssimos “Os Anjos Selvagens” (1966) e “Viagem ao Mundo da Alucinação” (The Trip, 1967), ambos estrelados por Peter Fonda e dirigidos por Corman. O sucesso dos filmes baratos do diretor acabaram criando uma comunidade. Corman passou a contratar aspirantes a cineastas para transformar sua produtora numa potência, lançando mais filmes que qualquer outro estúdio de Hollywood, e isso fez com que Miller trabalhasse com Paul Bartel (em “Corrida da Morte – Ano 2000”), Jonathan Demme (em “Loucura da Mamãe”) e principalmente Joe Dante. Miller e Dante ficaram amigos desde que fizeram “Hollywood Boulevard” (1976) para Corman e essa amizade rendeu uma colaboração duradoura e cheia de clássicos, como “Piranha” (1978), “Grito de Horror” (1981), “Gremlins” (1985) e muito mais. Na verdade, todos os filmes de Dante tiveram participação do ator, até o recente “Enterrando Minha Ex” (2014). Querido pela comunidade cinematográfica, Miller também trabalhou com os mestres Martin Scorsese (“New York, New York” e “Depois das Horas”), Steven Spielberg (“1941”), Samuel Fuller (“Cão Branco”), Robert Zemeckis (“Febre de Juventude”, “Carros Usados”) e James Cameron (“O Exterminador do Futuro”). Ao atuar por sete décadas e aparecer em mais de 100 lançamentos, muitos deles reprisados até hoje na TV, tornou-se um dos rostos mais conhecidos de Hollywood. Por outro lado, por sempre interpretar papéis secundários, acabou não tendo uma projeção à altura da sua filmografia. Mas ele era reconhecido, sim, como apontou um documentário de 2014, que chamava atenção para o fato de todos já terem visto “That Guy Dick Miller” (aquele cara Dick Miller) em algum filme na vida. E ele ainda brincou com isso para batizar sua biografia de “You Don’t Know Me, But You Love Me” (você não me conhece, mas me ama). Ainda ativo, Miller tinha recém-finalizado o terror “Hanukkah”, que celebrava uma curiosidade de sua filmografia: era o sétimo filme em que o ator interpretava um personagem chamado Walter Paisley, costume inaugurado por Corman há 60 anos, em “Um Balde de Sangue”. No Twitter, o diretor Joe Dante lamentou a morte do grande parceiro. “Estou devastado em dizer que um dos meus melhores amigos e um dos meus colaboradores mais valiosos morreu”, escreveu. “Eu cresci assistindo Dick Miller em filmes dos anos 1950 e fiquei emocionado em tê-lo no meu primeiro filme”, disse. “Nós nos divertimos muito juntos e todo roteiro que eu escrevia tinha em mente um papel para o Dick – não apenas porque ele era meu amigo, mas porque eu amava vê-lo atuando! Ele deixa mais de 100 atuações, uma biografia e um documentário – nada mal para um cara que não gostava de personagens principais”, completou Dante.
Stéphane Audran (1932 – 2018)
Morreu a atriz francesa Stéphane Audran, uma das musas da nouvelle vague. Ela faleceu nesta terça-feira (27/3) aos 85 anos. “Minha mãe estava doente há algum tempo. Ela foi hospitalizada há dez dias e voltou para casa. Ela partiu pacificamente esta noite por volta das duas da manhã”, anunciou seu filho Thomas Chabrol à AFP. Nascida Colette Suzanne Dacheville, em 8 de novembro de 1932 na cidade de Versalhes, ela foi casada com o ator Jean-Louis Trintignant entre 1954 e 1956, antes dele se tornar famoso. Mas só virou atriz depois da separação. Em 1959, o cineasta Claude Chabrol a escalou na comédia “Os Primos” e foi amor à primeira vista. Os dois se casaram na vida e no cinema, criando 20 filmes juntos. Entre eles, estão alguns clássicos da nouvelle vogue, como “Entre Amigas” (1960), “A Mulher Infiel” (1969), “Amantes Inseparáveis” (1973) e especialmente “As Corças” (1968), sobre um relacionamento à três, em que ela encarnou uma bela bissexual. Pelo papel, a atriz venceu o Urso de Prata no Festival de Berlim. Stéphane também venceu o César por “Violette” (1978), e o BAFTA por “Ao Anoitecer” (1971), ambos dirigidos por Chabrol. Ela também estrelou inúmeros clássicos de outros cineastas, como “O Signo do Leão” (1962), de Éric Rohmer, “A Garota no Automóvel com Óculos e um Rifle” (1970), de Anatole Litvak, o vencedor do Oscar “O Discreto Charme da Burguesia” (1972), de Luis Buñuel, “Agonia e Glória” (1980), de Samuel Fuller, e o popular “A Festa de Babette” (1987), de Gabriel Axel, que também venceu o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira. O casamento com Chabrol acabou em 1980, mas não a parceria, que perdurou até os anos 1990. Após encerrar a carreira em 2008, num pequeno papel em “A Garota de Mônaco”, de Anne Fontaine, ela retornou recentemente para completar filmagens de um longa inacabado de Orson Welles, “The Other Side of the Wind”, que permanece inédito. “Stéphane era uma atriz muito boa. Era ótima para interpretar mulheres livres e independentes, como era na vida”, reagiu o diretor Jean-Pierre Mocky, que havia dirigido a atriz em “Les Saisons du Plaisir” em 1988.
Curtis Hanson (1945 – 2016)
Morreu o diretor Curtis Hanson, um dos diretores mais interessantes do cinema americano dos últimos anos, embora só tenha sido reconhecido pela Academia com um Oscar, pelo roteiro do brilhante “Los Angeles: Cidade Proibida” (1997). Ele faleceu na noite de terça-feira (20/9) em sua casa, em Hollywood, aos 71 anos. Autoridades policiais informaram que paramédicos foram chamados até sua residência e ele já estava morto quando chegaram. Aparentemente, a causa da morte do diretor, que há anos sofria com Alzheimer, foi um ataque do coração. Hanson nasceu em Reno, Nevada, mas cresceu em Los Angeles. Apaixonado pela sétima arte desde muito jovem, abandonou o colegial para trabalhar como fotógrafo freelance e, posteriormente, editor de uma revista de cinema. A experiência lhe permitiu estrear como roteirista aos 25 anos, assinando a adaptação de um conto clássico de H.P. Lovecraft no terror barato “O Altar do Diabo” (1970), produzido pelo rei dos filmes B Roger Corman, que acabou cultuado por reunir a ex-surfista e boa moça Sandra Dee com o hippie Dean Stockwell. Corman estimulou Hanson a passar para trás das câmeras, e ele estreou como diretor dois anos depois com outro terror, desta vez uma obra original que ele próprio imaginou. “Sweet Kill” (1972) era a história de um desajustado que descobre ser, na verdade, um psicopata, ao matar acidentalmente uma jovem e gostar. O ex-ídolo juvenil Tab Hunter tinha o papel principal. Ele ainda rodou o trash assumido “Os Pequenos Dragões” (1979), sobre karatê kids que tentam salvar uma jovem sequestrada por uma mãe e seus dois filhos maníacos, antes de subir de degrau e trabalhar com um dos pioneiros do cinema indie americano, o cineasta Samuel Fuller. Hanson escreveu o clássico thriller “Cão Branco” (1982), dirigido por Fuller, sobre uma atriz que resgata um cachorro sem saber que ele foi treinado para ser violento e atacar negros. Comentadíssima, a obra lhe rendeu os primeiros elogios de sua carreira. A boa receptividade a “Cão Branco” abriu-lhe as portas dos grandes estúdios. A Disney lhe encomendou o roteiro de um filme na mesma linha, “Os Lobos Nunca Choram” (1983), em que um pesquisador, enviado pelo governo para verificar a ameaça dos lobos no norte do país, descobre que eles são benéficos para a região. E a MGM lhe entregou a direção de “Porky 3” (1983), que, apesar do título nacional, não tinha relação alguma com a famosa franquia canadense de comédias sexuais passadas nos anos 1950 – “Porky’s 3” (com o detalhe da grafia correta) foi lançado dois anos depois! Mas é fácil entender porque a distribuidora quis passar essa falsa impressão. A trama acontecia no começo dos anos 1960 em torno de quatro adolescentes americanos, entre eles um certo Tom Cruise, que viajam até Tijuana, no México, querendo cair na farra, num pacto para perder a virgindade. Hanson não escreveu “Porky 3”, mas histórias de apelo adolescente se tornaram frequentes em sua filmografia. Tanto que seu trabalho seguinte foi um telefilme teen, “The Children of Times Square” (1986), uma espécie de “Oliver Twist” contemporâneo, sobre jovens sem-teto nas ruas de Nova York. Ele completou sua transição para o cinema comercial especializando-se em suspenses, numa sequência de lançamentos do gênero que fez a crítica compará-lo a Alfred Hitchcock. “Uma Janela Suspeita” (1987), inclusive, devia sua premissa a “Janela Indiscreta” (1954), mostrando um crime testemunhado a distância, por um casal que não deveria estar junto naquele momento. A testemunha era interpretada por ninguém menos que a fabulosa atriz francesa Isabelle Huppert. “Sob a Sombra do Mal” (1990) também tinha premissa hitchockiana, evocando “Pacto Sinistro” (1951), mas ganhou notoriedade pelo timing, lançado logo após o vazamento de sex tapes de seu protagonista, o ator Rob Lowe. Ele aparecia no filme num raro papel de vilão, ironicamente chantageando o futuro astro de “The Blacklist”, James Spader, por conta de gravações sexuais. Foi o melhor papel da carreira de Lowe e o empurrão definitivo para Hanson se tornar conhecido. Seu filme seguinte estabeleceu sua fama como mestre do suspense, num crescendo assustador. “A Mão Que Balança o Berço” (1992) fez bastante sucesso ao explorar um tema que marcaria a década: a mulher simpática, que abusa da confiança de suas vítimas. Poucas psicopatas foram tão temidos quanto a babá vivida por Rebecca De Mornay, que em pouco tempo se viu acompanhada por Jennifer Jason Lee em “Mulher Solteira Procura…” (1992) e Glenn Close em “Atração Fatal” (1987), na lista das mulheres que transformaram intimidade em ameaça. O quarto thriller consecutivo, “O Rio Selvagem” (1994), trouxe Meryl Streep como uma mãe que leva sua família para navegar nas corredeiras de um rio, apenas para ver todos sequestrados por Kevin Bacon, armado. Mas foi o quinto suspense que o transformou definitivamente num cineasta classe A. Obra-prima, “Los Angeles: Cidade Proibida” (1997) inspirava-se na estética do cinema noir para contar uma história de corrupção policial e brutalidade, repleta de reviravoltas, tensão e estilo, passada entre a prostituição de luxo, disputas mafiosas e os bastidores de Hollywood nos anos 1950. O filme resgatou a carreira de Kim Basinger, sex symbol da década anterior, como uma garota de programa que passou por plástica para ficar parecida com uma estrela de cinema, e ajudou a popularizar seu par de protagonistas, recém-chegados do cinema australiano, Russell Crowe e Guy Pearce, como policiais que precisam superar seu ódio mútuo para não acabar como Kevin Spacey, que mesmo saindo cedo da trama, também já demonstrava o talento que outros cineastas viriam a explorar. Hanson venceu o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado pelo filme, baseado no livro homônimo de James Ellroy, e Basinger o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Mas “Los Angeles: Cidade Proibida” foi indicado a mais sete prêmios da Academia, inclusive Direção e Melhor Filme do ano, e só não venceu tudo porque havia um “Titanic” em seu caminho. A boa fase seguiu com o drama “Garotos Incríveis” (2000), reconhecido pela ótima atuação de Michael Douglas e por render um Oscar ao cantor Bob Dylan, de Melhor Música Original. E rendeu outro espetáculo cinematográfico contra todas as apostas, quando Hanson decidiu dirigir Eminem no filme “8 Mile – Rua das Ilusões” (2002). Baseada na vida real do rapper, a produção conquistou elogios rasgados e um Oscar (de Melhor Canção) para Eminem, que teve sua carreira impulsionada. Seus filmes finais não foram tão brilhantes. Ele tropeçou ao tentar fazer sua primeira comédia romântica, ainda por cima de temática feminina, “Em Seu Lugar” (2005), que mesmo assim teve bons momentos com Cameron Diaz e Toni Colette. Mas a insistência em emplacar um romance fez de “Bem-Vindo ao Jogo” (2007), em que Eric Bana se dividia entre o poker e Drew Barrymore, o pior desempenho de sua carreira. O telefilme “Grande Demais Para Quebrar” (2011), sobre a depressão financeira de 2008, rebateu a maré baixa com nada menos que 11 indicações ao Emmy. Infelizmente, as ondas foram altas demais em “Tudo por um Sonho” (2012), sua volta ao cinema. Ele não conseguiu completar o filme, que tinha Gerard Butler como surfista, após sofrer um colapso no set. Michael Apted foi chamado às pressas para finalizar o longa e Hanson nunca mais voltou a filmar. O Alzheimer tomou conta e, embora o estúdio não comentasse qual doença tinha levado o diretor ao hospital, aquele foi o fim da sua carreira.



