Robert Hossein (1927 – 2020)
O ator e diretor francês Robert Hossein morreu na quinta-feira (31/12), aos 93 anos após sofrer um “problema respiratório”, afirmou sua esposa, a atriz Candice Patou. Filho de um famoso compositor iraniano, André Hossein, Robert começou a atuar no cinema francês ainda na adolescência, como figurante de “Encontro com o Destino” (1948) e “Maya, A Desejável” (1949). A carreira, que abrange oito décadas, embalou a partir de 1955, quando apareceu no clássico “Rififi”, de Jules Dassin, e estreou precocemente como diretor em “Os Malvados Vão para o Inferno”. A partir daí, passou a se alternar nas duas funções. Entre os destaques de sua filmografia nos anos 1950, ele apareceu ainda em “Crime e Castigo” (1956), ao lado de Jean Gabin, em “Aconteceu em Veneza” (1957), de Roger Vadim, e passou a ser considerado protagonista com “Os Assassinos Também Amam” (1957). Em seguida, tornou-se o intérprete principal de filmes como “Vampiros do Sexo” (1959), “Rififi Entre Mulheres” (1959) e “A Sentença” (1959), especializando-se em viver vilões ou personagens dúbios do cinema noir francês – gênero que também seguiu como diretor, ao filmar “Pardonnez nos Offenses” (1956), “Você, O Veneno” (1958), etc. Ele nem sempre estrelava os filmes que dirigia, mas convocava o pai para trabalhar nas trilhas sonoras e reservava o papel principal para sua então esposa, a atriz Marina Vlady, que aos 17 anos, época de seu casamento, rivalizava com Brigitte Bardot pelo título de adolescente mais bela do cinema francês. A parceria e o casamento, no entanto, foram curtos. Após ele conquistar reconhecimento internacional como diretor, por “A Noite dos Espiões” (1959), um drama passado na 2ª Guerra Mundial, estrelado por Vlady e selecionado para o Festival de Veneza, o casal se separou durante a última atuação conjunta, em “Os Canalhas” (1960), de Maurice Labro. Divorciada, Vlady foi considerada a Melhor Atriz do Festival de Cannes três anos depois, por “Leito Conjugal” (1963), de Ugo Tognazzi, atingindo um reconhecimento que Houssein nunca conseguiu. Por outro lado, quando lançou seu western francês, “O Gosto da Violência” (1961), Houssein foi saudado como um dos diretores mais ousados de sua época, por usar os elementos dos filmes de cowboy de Hollywood para aludir aos movimentos revolucionários dos guerrilheiros da América Latina. Em reconhecimento, Sergio Leone fez questão de inclui-lo numa pequena cena de flashback de seu épico “Era uma Vez no Oeste” (1968), como uma homenagem simbólica – e sem créditos. Mas Houssein logo voltou ao mundo do crime em seus filmes seguintes, “A Morte de um Matador” (1964) e “O Diabólico Vampiro de Düsseldorf” (1965), em que viveu dois criminosos famosos. Como ator, ainda estrelou o noir “O Elevador da Morte” (1962), com Lea Massari, e fez mais dois filmes para Roger Vadim, abusando de Brigitte Bardot em “O Repouso do Guerreiro” (1962) e de Catherine Deneuve em “Vício e Virtude” (1963), ambos de temática sadomasoquista – o último inspirado diretamente em “Justine”, do Marquês de Sade. Mas foi uma produção popular, “Angelica, Marquesa dos Anjos” (1964), que o transformou em ídolo das matinés. Sua interpretação ardente do Conde Peyrac, visto sem camisa em várias cenas, arrancou suspiros de uma geração de jovens apaixonadas, dando origem a uma longa franquia romântica de época, passada no século 17, que ele estrelou ao lado de Michèle Mercier. Curiosamente, os dois também formaram par em dois dramas criminais e antirromânticos, “A Amante Infiel” (1966) e “Cemitério Sem Cruzes” (1969). Houssein ignorou o auge da nouvelle vague, especializando-se, nos anos 1960, em produções de apelo mais, digamos, sedutor. Num período em que o cinema francês era considerado um dos mais sexy do mundo, ele participou de “Lamiel, a Mulher Insaciável” (1967), “Sempre Tua… Mas Infiel” (1968), “Lição Particular… de Amor” (1968) e “Se Don Juan Fosse Mulher” (1973), derradeira parceria com Bardot. Mas sua presença cinematográfica diminuiu drasticamente nos anos seguintes. Por ironia, isso aconteceu logo após suas primeiras experiências com um mestre da nouvelle vague, Claude Lelouch, com “Retratos da Vida” (1981) e “Um Homem, uma Mulher: 20 Anos Depois” (1986), em que interpretou a si mesmo. O astro também dirigiu seus últimos filmes nesse período, uma adaptação de “Os Miseráveis” (1982) e o thriller de espionagem “Le Caviar Rouge” (1985). Nos últimos anos, ele dedicou sua energia a grandes produções teatrais destinadas a levar o grande público aos teatros. “Teatro como se pode ver apenas no cinema”, era como anunciava seus grandiosos espetáculos, geralmente de temas épicos, como a trama de gladiadores “Ben-Hur”. Entre suas trabalhos finais nas telas estão “Instituto de Beleza Vênus” (1999), “O Sumiço do Presidente” (2004), com Gérard Depardieu, “La Disparue de Deauville” (2007), dirigido pela atriz Sophie Marceau, e “Noni – Le Fruit de l’Espoir” (2020), lançado em fevereiro passado na França. Após se separar de Marina Vlady em 1959, ele se casou por dois anos com a roteirista Caroline Eliacheff (“Cópia Fiel”) e viveu de 1976 ao resto de sua vida com a atriz Candice Patou (“Edith e Marcel”), que ele escalou como Eponine em sua versão de “Os Miseráveis”.
Johnny Hallyday (1943 – 2017)
O cantor e ator Johnny Hallyday, considerado o “Elvis Presley francês”, faleceu aos 74 anos de um câncer no pulmão, na madrugada desta quarta-feira (6/12). “Johnny Hallyday partiu. Escrevo estas palavras incrédula, mas foi assim. Meu marido já não está mais aqui. Nos deixou esta noite como viveu sua vida: com valentia e dignidade”, escreveu sua mulher Laeticia. “Até o último momento, se manteve firme diante desta doença que o corroía há meses, dando a todos lições de vida extraordinárias”. Jean-Philippe Léo Smet, seu verdadeiro nome, nasceu em 1943. Filho da modelo Huguette Clerc e do cantor belga Léon Smet, viveu em Londres com o tio, um artista de variedades de quem “roubou” o nome artístico para lançar seu primeiro álbum em 1960, “Hello Johnny”. O sucesso veio no ano seguinte, com o lançamento da música “Viens Danser le Twist”, uma versão de “Let’s Twist Again”, de Chubby Checker, que o estabeleceu como o roqueiro mais bem-sucedido da França. Em 50 anos de carreira, ele entusiasmou três gerações francesas, gravando cerca de 40 álbuns, mais de mil músicas, e vendeu mais de 100 milhões de discos. Tornou-se um fenômeno desde jovem, a ponto de não poder sair de casa sem correr de multidões de fãs enlouquecidos, como numa cena da Beatlemania. Cidades da França proibiram seus shows, acusando-o de corromper a juventude. Foi chamado de belga infiltrado na França. Pior: quinta-coluna imperialista, responsável por contaminar a cultura francesa com o rock, nas palavras do presidente francês Charles de Gaulle, que o odiava. Mas nem o maior hit, “Noir c’est Noir” (1966), conseguiu ser ouvido fora da França, apesar das aparições no célebre programa de variedades “The Ed Sullivan Show”, que estourou as carreiras de Elvis e dos Beatles nos EUA. Isto o tornou uma figura cult nos mercados internacionais, marcando-o com o apelido de “a maior estrela do rock que você nunca ouviu falar”, maldosamente conferido pelo jornal USA Today. No Brasil, por sinal, poucos sabem que “Noir c’est Noir” é a versão original do sucesso “Quem Não Quer”, música gravada por Jerry Adriani no auge da Jovem Guarda. A comparação com Elvis Presley não se resumia ao rock. Assim como o cantor americano, ele se lançou no cinema numa série de comédias musicais, como “As Parisienses” (1962), em que cantou uma balada romântica para Catherine Deneuve, “D’où viens-tu… Johnny?” (1963), como par da cantora Sylvie Vartan, com quem formou um dos casais mais poderosos do rock francês, “Cherchez l’idole” (1964) e o psicodélico “Les Poneyttes” (1967). Também como o ídolo, optou por estrelar westerns como alternativa aos filmes em que vivia versões de si mesmo. Assim, virou o personagem-título de “O Especialista – O Vingador de Tombstone” (1969) no spaghetti-western de um especialista, o cineasta Sergio Corbucci, criador de “Django” (1966). Mas acabou se destacando em outro gênero: os filmes de crime. Ele surpreendeu a crítica ao estrelar “Point de Chute” (1970), do ator-diretor Robert Hossein, e “Détective” (1985), de ninguém menos que Jean-Luc Godard. Contudo, os melhores papéis vieram na fase final de sua carreira, quando grandes cineastas recorreram à sua presença icônica para humanizar personagens sinistros, como o ladrão de “Uma Passagem para a Vida” (2002), de Patrice Leconte, o suspeito de “Rios Vermelhos 2 – Anjos do Apocalipse” (2004), de Olivier Dahan, e o assassino de “Vingança” (2009), um dos melhores filmes do mestre do cinema criminal chinês Johnny To. Ele também chegou a filmar nos Estados Unidos, participando da comédia “Procurados” (2003), como um dos ladrões de uma gangue francesa em Chicago, além de “A Pantera Cor de Rosa 2” (2009). Enquanto rodava a continuação estrelada por Steve Martin, seus problemas de saúde se tornaram evidentes, levando-o a ser hospitalizado em Boston. Ele chegou a entrar em coma devido a um grave problema respiratório. Mesmo com o diagnóstico de câncer confirmado, ele continuou fazendo filmes. Suas últimas aparições no cinema foram nas comédias “Rock’n Roll: Por Trás da Fama”, de Guillaume Canet, e “Chacun sa Vie”, de Claude Lelouch, ambas lançadas neste ano. É tão difícil imaginar a França sem Johnny Hallyday que um cineasta, fã assumido, tentou visualizar exatamente isso, num filme em que Jean-Philippe Léo Smet nunca se tornou um roqueiro famoso. Intitulado “Jean-Philippe” (2006), o longa de Laurent Tuel deixa claro a influência colossal de Hallyday na cultura francesa do século 20. “Nós todos temos algo de Johnny. Nós não esqueceremos nem o nome, nem o rosto, nem a voz, sobretudo, nem as interpretações que, com um lirismo seco e sensível, pertencem hoje à história da música francesa. Ele fez entrar uma parte da América em nosso panteão nacional”, declarou o presidente da França, Emmanuel Macron.

