Jean-Marie Straub, ícone do cinema experimental, morre aos 89 anos
O cineasta Jean-Marie Straub, ícone do cinema experimental europeu e responsável por realizar diversos filmes ao lado da sua esposa Danièle Huillet (1936-2006), morreu na noite de sábado (19/11) em Rolle, na Suíça. Ele tinha 89 anos. A morte de Straub foi confirmada pelo jornal francês Le Monde, mas a causa ainda não foi divulgada. Nascido em 8 de janeiro de 1933, na cidade de Metz, na França, Straub fez parte da geração cinéfila francesa da década de 1950, responsável pela criação da cultuada revista Cahiers du Cinema. Quando os críticos franceses resolveram fazer seus próprios filmes, Straub os acompanhou. Ele começou a sua carreira no cinema trabalhando como assistente de grandes cineastas, como Jean Renoir, Robert Bresson e Jacques Rivette. Em 1958, Straub foi convocado para o serviço militar durante a Guerra da Argélia, mas em vez disso preferiu se exilar na Alemanha. E foi lá que iniciou a sua carreira como diretor, integrando o chamado Novo Cinema Alemão, cujos maiores expoentes eram Werner Hezog e Rainer Werner Fassbinder. No ano seguinte, Straub se casou com Danièle Huillet (1936-2006) e os dois começaram a realizar filmes juntos, começando pelo curta-metragem “Machorka-Muff”, lançado em 1963. Dois anos depois ele lançou “Os Não-Reconciliados”, um filme de 55 minutos que narra a história de diferentes gerações de uma família alemã. Straub assinou a direção do filme sozinho, mas escreveu o roteiro em parceria com a esposa. Straub e Huillet dividiram a direção do filme seguinte deles, “Crônica de Anna Magdalena Bach” (1968), uma cinebiografia do compositor Johann Sebastian Bach contada pelo olhar da sua esposa, Anna. O filme arrancou elogios rasgados da crítica e consagrou o casal de cineastas, que começou a assinar suas obras como os Straubs. Logo em seguida, o casal se mudou para Roma, onde iniciou nova fase com o lançamento de vários longas. Em cinco décadas, os dois buscaram manifestar o que chamavam de “um sonho pictórico-abstrato”, criando homenagens a cineastas como Jean Renoir e Robert Bresson. A lista de obras dos Straubs ainda inclui “Moisés e Aarão” (1975), “Da Nuvem à Resistência” (1979), “Relações de Classe” (1984), “A Morte de Empédocles” (1987), “Antígona” (1992), “Gente da Sicília” (1999) e “Esses Encontros Com Eles” (2006). Mas apesar de prolíficos, a dupla nunca teve um grande acolhimento popular ou sucesso comercial, ainda que tenham construído sua carreira adaptando obras conhecidas da literatura ou do teatro. Entre os nomes adaptados por eles estão Bertolt Brecht, Franz Kafka e Elio Vittorini. Depois da morte da esposa, em 2006, Straub praticamente abandonou os longas, dedicando-se à realização de curtas-metragens. Ele dirigiu mais de 20 curtas num período de 14 anos. Seu único longa nesse intervalo de tempo foi “Kommunisten” (2014) e seu último crédito como diretor foi no curta “La France Contre les Robots” (2020). O casal recebeu um Leão de Ouro horário pela carreira no Festival de Veneza de 2006 e Straub foi homenageado com um Leopardo de Honra no Festival de Locarno de 2017. Além disso, sua influência abrange uma nova geração de cineastas, como o português Pedro Costa (“Cavalo Dinheiro”) e o americano Thom Andersen (“Los Angeles Por Ela Mesma”), que já admitiram publicamente a sua admiração pela dupla.
Anne Wiazemsky (1947 – 2017)
A atriz alemã Anne Wiazemsky, que estrelou clássicos da nouvelle vague e foi casada por 12 anos com o cineasta Jean-Luc Godard, morreu na quinta-feira (5/10), aos 70 anos, após lutar contra um câncer. Seu nome verdadeiro era Anna Ivanovna Vyazemskaya e ela era uma princesa da dinastia Rurik, que governou a Rússia por mais de 700 anos. Seu nascimento aconteceu em 14 de maio de 1947 na parte ocidental de Berlim, onde sua família se exilou após a revolução bolchevique. Seu pai era um príncipe russo que se tornou diplomata e se casou com uma francesa. Seu avô era o escritor francês François Mauriac. Por conta do trabalho do pai, viveu uma infância nômade, em embaixadas pela Europa e até América do Sul, antes da família se estabelecer em Paris em 1962. Belíssima, encantou o diretor Robert Bresson, que a escalou, logo na estreia, como protagonista de seu clássico “A Grande Testemunha” (1966), aos 18 anos de idade. Ela ficou encantada pela experiência, mas também perturbada pela obsessão de Bresson. O fascínio que exercia no diretor a marcou tanto que ela lhe dedicou grande espaço em sua autobiografia, anos mais tarde. “Num primeiro momento, ele parecia contente em apenas segurar o meu braço ou tocar meu rosto. Mas então vinha o desagradável momento em que ele tentava me beijar. Eu o afastava, e ele não insistia. Mas ficava tão triste que eu me sentia culpada”, escreveu. Seu romance com Godard começou no ano seguinte, nos bastidores de outro filme, “A Chinesa” (1967). Ela tinha apenas 19 anos na época e ele estava no auge da carreira, mas os dois se casaram e ficaram juntos por mais de uma década. Esta história de amor e contracultura foi contada recentemente no filme “O Formidável” (Le Redoutable), de Michel Hazanavicius, atualmente em exibição no Festival do Rio. A atriz trabalhou em outros projetos do cineasta, como a comédia de humor negro “Week-End à Francesa” (1967), o documentário “Sympathy for the Devil” (1968), que misturava cenas dos bastidores da banda Rolling Stones com imagens de revolução, e “Tudo Vai Bem” (1972), quando seu casamento, ao contrário do título, já não ia bem. Wiazemsky também estrelou o grande clássico de Pier Paolo Pasolini, “Teorema” (1968), um marco do cinema da época pela grande voltagem de erotismo. “É quase banal falar do fascínio que um diretor pode ter pela sua atriz principal. A emoção que existiu entre mim e Bresson, voltei a senti-la com Pasolini quando filmávamos ‘Teorema’. Isto pode suscitar boas performances. Mas Pasolini era homossexual. Nem sempre significa que tenhamos de dormir juntos”, ela escreveu. Sua impressionante filmografia sessentista ainda inclui o drama apocalíptico “A Semente do Homem” (1969), de Marco Ferreri, e “Pocilga” (1969), sua segunda parceria com Pasolini. Mas, após a separação de Godard, a qualidade de seus trabalhos despencou, com raras exceções – entre elas “A Criança Secreta” (1979), de Philippe Garrel, e “Rendez-vous” (1985), de André Téchiné. Aos poucos, ela perdeu o interesse em atuar, descobrindo uma nova vocação como escritora de romances e memórias, que revelaram vários episódios da sua vida, mas também das dos seus ilustres antepassados. Ela publicou mais de uma dúzia de livros, alguns inclusive renderam filmes como “Todas Essas Belas Promessas” (2003), “Eu Me Chamo Elizabeth” (2006) e “Un an Après”, de 2015, que inspirou “O Formidável” (2017), em que foi vivida por Stacy Martin (“A Ninfomaníaca”).

