Norman Lear, gênio da TV americana, morre aos 101 anos
O lendário produtor e roteirista de televisão Norman Lear, criador de séries pioneiras como “Tudo em Família”, “Good Times”, “Maude”, “Os Jeffersons” e “One Day at a Time”, que abordaram pela primeira vez questões sociais como racismo, mães solteiras e aborto na televisão dos Estados Unidos, morreu na terça-feira (5/12) de causas naturais em sua casa, em Los Angeles, aos 101 anos. Vencedor de seis prêmios Emmy por seu trabalho na televisão, Lear também era conhecido por seu empenho em favor de causas progressistas e trabalhou de forma ativa até os 90 anos. Começo de carreira com indicação a Oscar A jornada de Norman Lear no mundo do entretenimento começou longe dos holofotes da televisão. Nascido em 27 de julho de 1922, em New Haven, Connecticut, Lear iniciou sua carreira após a 2ª Guerra Mundial, onde serviu na Força Aérea dos Estados Unidos. Após o serviço militar, ele mergulhou no mundo do entretenimento como agente de imprensa em Nova York, mas rapidamente transitou para a escrita de comédias. Seu primeiro grande trabalho foi como escritor para Dean Martin e Jerry Lewis no “The Colgate Comedy Hour”, um programa televisivo no início dos anos 1950. Norman estreou como roteirista de cinema em 1963, adaptando uma peça de Neil Simon no filme “O Bem Amado” (Come Blow Your Horn), estrelada por Frank Sinatra. O sucesso do filme estabeleceu um parceria entre o escritor e o diretor Bud Yorkin, que teve como ponto alto “Divórcio à Americana” (1967), comédia sobre um casal, interpretado por Dick Van Dyke e Debbie Reynolds, que se encontra em um processo turbulento de divórcio. Conseguindo equilibrar o humor com uma crítica social aguda, refletindo as mudanças culturais da época, o roteiro do então jovem Norman recebeu uma indicação ao Oscar, consagrando o escritor. Ele também escreveu a comédia “Quando o Strip-Tease Começou” (The Night They Raided Minsky’s, 1968), dirigida por William Friedkin (de “O Exorcista”), antes de cometer uma ousadia. Em 1971, Norman comandou seu único filme como diretor, “Uma Cidade Contra o Vício” (Cold Turkey), sátira sobre uma cidade cujos habitantes decidem parar de fumar para ganhar um desafio corporativo e o prêmio em dinheiro associado. Crítica mordaz à indústria do tabaco e à cultura do consumismo americano, o filme dividiu opiniões e encerrou a carreira cinematográfica do roteirista, mas desde então virou cult e ganhou reconhecimento por sua abordagem direta na discussão de questões sociais, um tema recorrente em muitos de seus trabalhos posteriores na televisão. A revolução de “Tudo em Família” Nesse meio tempo, Norman levou sua parceria criativa com Bud Yorkin para os negócios. Juntos, eles fundaram a Tandem Productions, que se tornou a plataforma para o desenvolvimento das séries do roteirista, combinando visão criativa com experiência de produção. Norman também estava no lugar certo na hora certa. No início dos 1970, houve uma mudança significativa no panorama da televisão americana. As redes estavam buscando conteúdos mais relevantes e realistas que refletissem as mudanças sociais e culturais da época. Então, Norman teve a ideia de adaptar a série britânica “Till Death Us Do Part” para o público americano, com foco em questões sociais relevantes. Lear e Yorkin adaptaram o conceito, trazendo para o centro da produção questões de racismo, sexismo e política, temas até então pouco explorados na TV. E, claro, a princípio houve hesitação das redes em aceitar uma série com temáticas tão polêmicas. A ABC inicialmente pegou o projeto, mas depois o abandonou devido ao seu conteúdo controverso. Mas a CBS, sob a nova liderança do executivo Robert Wood, queria modernizar sua programação e se mostrou mais aberta a assumir riscos. Norman apresentou sua versão do sitcom britânico, rebatizado como “Tudo em Família” (All in Family) à CBS, que aceitou produzir a série, reconhecendo seu potencial para conectar-se com as mudanças da época. “Tudo em Família” (All in the Family) estreou em 12 de janeiro de 1971 e rapidamente se tornou um marco na televisão americana. Os episódios giravam em torno da família Bunker, liderada por Archie Bunker, interpretado por Carroll O’Connor. Archie é um trabalhador de classe média, morador do bairro Queens, em Nova York, e notoriamente conservador, preconceituoso e de mentalidade fechada, refletindo as tensões sociais e políticas da época. Archie Bunker foi concebido como um retrato da classe trabalhadora americana da época, resistente às mudanças sociais e culturais que estavam ocorrendo nos Estados Unidos. Ele frequentemente expressava suas visões através de declarações racistas, sexistas e homofóbicas. A genialidade da série estava justamente em usar o personagem para satirizar e desafiar essas visões, expondo a ignorância e o absurdo de seus preconceitos. Apesar de suas falhas, Archie também era retratado como um personagem capaz de evolução e mudança, o que contribuiu para a profundidade e relevância da série. Com sua abordagem única e um humor afiado, “Tudo em Família” foi não apenas um sucesso de audiência, mas também um veículo para discussões sociais profundas. E, de quebra, venceu quatro vezes o Emmy, como Melhor Série Estreante e Melhor Série de Comédia. O universo de Norman Lear na TV Norman acabou criando um universo televisivo em torno do sucesso de “Tudo em Família”, expandido através de vários spin-offs. Este universo refletia e comentava a complexidade da sociedade americana da época. O melhor é que nada parecia forçado, já que os personagens foram introduzidos na série principal, causando repercussão suficiente para que se ramificassem em suas próprias narrativas. Por exemplo, a personagem Maude Findlay apareceu pela primeira vez em “Tudo em Família” como a prima liberal de Edith Bunker, antes de se tornar a protagonista de sua própria série, “Maude”, que estreou em 1972 e foi protagonizado por Bea Arthur no papel-título. A série destacou-se por abordar temas controversos, incluindo um episódio memorável sobre o aborto, um assunto raramente discutido na televisão naquela época. Cada spin-off abordava temas sociais do seu próprio ponto de vista único. Enquanto “Tudo em Família” se concentrava no conservadorismo e nas visões de mundo de Archie Bunker, “Maude” explorava questões feministas e liberais. Já “Good Times” e “Os Jeffersons” focavam em famílias afro-americanas, trazendo à tona questões de racismo e ascensão social. “Good Times” era tecnicamente um spin-off de um spin-off. A série surgiu em 1974 a partir de “Maude”, de onde veio a personagem Florida Evans (papel de Esther Rolle), que era a empregada da família Findlay. Florida e seu marido James Evans (interpretado por John Amos) eram os personagens centrais, vivendo em um conjunto habitacional em Chicago com seus três filhos. Eles não eram da classe média como os anteriores e lidavam com questões de pobreza, racismo e sonhos de ascensão social. Com personagens memoráveis como J.J., interpretado por Jimmie Walker, “Good Times” combinou comédia com um retrato realista dos desafios enfrentados pelas famílias negras urbanas. Mais bem-sucedida de todas as séries derivadas, “Os Jeffersons” estreou em 1975 e teve uma notável duração de 11 temporadas. A produção focava uma família afro-americana de classe média que se muda para um bairro de elite. George e Louise Jefferson, interpretados por Sherman Hemsley e Isabel Sanford, foram introduzidos em “Tudo em Família” como vizinhos de Archie e Edith Bunker. Inicialmente, George Jefferson foi concebido como um contraponto a Archie Bunker – ambos eram personagens orgulhosos e teimosos, mas com pontos de vista políticos e sociais opostos. Esta dinâmica proporcionou momentos de confronto e humor, refletindo as tensões raciais e de classe da sociedade americana. Em sua série própria, os Jeffersons se mudam para um apartamento de luxo em Manhattan após o sucesso dos negócios de limpeza a seco de George. Os episódios acompanhavam as aventuras e desafios da família em seu novo ambiente, inovando ao apresentar na TV uma família negra bem-sucedida financeiramente, e ainda ainda assim tendo que lidar com racismo e preconceito contra sua ascensão social. Pioneira em vários sentidos, a série ainda abordou relações interraciais e até questões de identidade de gênero. A última atração desse universo foi “Archie Bunker’s Place”, lançada em 1979 como uma continuação direta de “Tudo em Família”, com Archie Bunker gerenciando um bar. “Archie Bunker’s Place” tentou manter o espírito original, mas com uma abordagem um pouco mais suavizada. Outras Criações Notáveis Além dessas séries icônicas, Lear foi responsável por outras produções de sucesso, como “Sanford and Son”, uma adaptação americana da série britânica “Steptoe and Son”, e “One Day at a Time”, uma sitcom que abordou a vida de uma mãe solteira e seus dois filhos. “One Day at a Time” só durou menos que “Os Jeffersons”. Ambas foram lançadas no mesmo ano e tiveram mais de 200 episódios produzidos, mas “Os Jeffersons” ficou um ano a mais no ar, até 1985. A trama acompanhava Ann Romano, uma mãe recém-divorciada interpretada por Bonnie Franklin, que enfrentava os desafios de criar sozinha suas duas filhas adolescentes, Julie e Barbara Cooper, interpretadas por Mackenzie Phillips e Valerie Bertinelli, respectivamente. O que tornou “One Day at a Time” única na época foi seu foco em uma mãe solteira e as questões que ela enfrentava, uma premissa rara na televisão dos anos 1970. A série abordava temas como feminismo, namoro, violência doméstica e problemas financeiros, tudo sob a perspectiva de uma família liderada por mulheres. Após o sucesso estrondoso na décadas de 1970, Norman Lear deixou de lado os roteiros para se concentrar na produção. Neste papel, ele esteve envolvido em filmes icônicos como “A Princesa Prometida” (1987) e “Tomates Verdes Fritos” (1991), que se tornaram clássicos cult, além da popular série “Vivendo e Aprendendo” (The Facts of Life), que também teve mais de 200 episódios produzidos nos anos 1980. Recentemente, ele ainda se envolveu no remake de “One Day at a Time”, lançado em 2017 com uma nova abordagem e relevância para o público contemporâneo. A nova versão reimaginou a trama com um contexto latino, centrando-se em uma família cubano-americana. Inicialmente produzida pela Netflix, a série durou quatro temporadas seguindo Penelope Alvarez, uma mãe solteira e veterana do exército, interpretada por Justina Machado, que cria sua filha radical Elena e seu filho sociável Alex com a ajuda de sua mãe cubana tradicional, Lydia, interpretada pela vencedora do Oscar Rita Moreno. Além disso, ao longo da série, adolescente Elena (interpretada por Isabella Gomez) passa por um processo de autodescoberta e, eventualmente, se assume como lésbica. Tributos e legado Sua ousadia criativa e importância para a TV é considerada tão grande que o Sindicato dos Produtores dos EUA (PGA) batizou um prêmio com seu nome. O “Prêmio de Realização de Carreira Norman Lear” é uma homenagem concedida a produtores de televisão que demonstraram uma conquista vitalícia notável em sua profissão. Entre muitos outros tributos, ele também foi homenageado por instituições como o Television Hall of Fame e o Peabody Award, em reconhecimento ao seu trabalho pioneiro. Os tributos a Norman Lear enfatizam seu impacto profundo, com sua morte emocionando diversas personalidades e entidades nos EUA. A People for the American Way, organização que Norman co-fundou, destacou seu uso da cultura para gerar conversas e promover mudanças positivas. O Sindicato dos Roteiristas dos EUA (WGA) destacou seu compromisso com a justiça social, reconhecendo sua habilidade de usar o humor para combater o racismo e os preconceitos. Rob Reiner, que trabalhou em “Tudo em Família” e dirigiu “A Princesa Prometida”, o chamou de “segundo pai” e expressou profunda gratidão e admiração pelo genial criador. O apresentador Jimmy Kimmel descreveu Lear como alguém cuja “coragem, integridade e bússola moral inigualável” o tornaram “um grande americano, um herói em todos os sentidos”. Jane Fonda destacou seu impacto significativo no “rosto e alma da comédia americana” e sua importância pessoal para muitos, incluindo ela mesma. E George Clooney refletiu que sua morte aos 101 anos foi “cedo demais”. Ele prestou homenagem ao artista como “o maior defensor da razão do mundo” e um “amigo querido” de sua família, além de reconhecê-lo como um gigante. Até Bob Iger, CEO da Walt Disney Company, enfatizou o “impacto monumental e legado” de Lear, reconhecendo-o como um ícone e uma das mentes mais brilhantes da história da...
William Friedkin, diretor de “O Exorcista”, morre aos 87 anos
O diretor William Friedkin, vencedor do Oscar por “Conexão Francesa” (1971) e responsável pelo icônico “O Exorcista” (1973), faleceu nesta segunda-feira (7/8) em Los Angeles aos 87 anos. Com uma carreira de mais de cinco décadas, ele era um dos diretores mais admirados da “Nova Hollywood”, uma onda de cineastas brilhantes que deixaram sua marca na década de 1970, como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Michael Cimino, Peter Bogdanovich, Steven Spielberg e George Lucas, entre outros. Início de carreira Nascido em Chicago em 29 de agosto de 1935, Friedkin era filho único de uma ex-enfermeira que ele chamava de “santa” e de um pai que alternava entre empregos para pagar as contas. Ambos vieram com suas famílias judaicas em fuga da Ucrânia após os pogroms do início do século 20. Friedkin começou sua carreira cuidando das entregas de correio de uma estação de TV de Chicago, WGN, onde rapidamente ascendeu para a direção de programas de televisão ao vivo e documentários. Ele afirmou ter dirigido cerca de 2 mil programas de TV durante esses primeiros anos, incluindo o documentário de 1962 “The People vs. Paul Crump”, sobre a reabilitação de um homem no corredor da morte. O documentário ganhou o Golden Gate Award no San Francisco Film Festival e o levou a liderar a divisão de documentários da WBKB e, posteriormente, a um trabalho dirigindo documentários para o produtor David L. Wolper. A transição para o cinema aconteceu com “Good Times” (1967), uma comédia musical estrelada pelo casal de cantores Sonny e Cher. O filme, que parodiava vários gêneros de filmes populares da época, como westerns, filmes de espionagem e dramas de guerra, foi uma oportunidade para Sonny e Cher mostrarem seu talento cômico e musical. Embora não tenha sido um grande sucesso de bilheteria, a obra serviu como um trampolim para a carreira de Friedkin. Após “Good Times”, Friedkin dirigiu outra comédia musical, “Quando o Strip-Tease Começou” (1968), e o suspense “Feliz Aniversário” (1968), adaptação da peça homônima de Harold Pinter, que recebeu elogios da crítica e ajudou a estabelecer a reputação do cineasta. Este filme, juntamente com outra adaptação de teatro, “Os Rapazes da Banda” (1970), demonstrou a habilidade de Friedkin em trabalhar com material dramático complexo e temas provocativos. Primeiro impacto O cineasta começou a dizer a que veio com “Os Rapazes da Banda”, drama baseado na peça de Mart Crowley sobre um grupo de homossexuais em Nova York. O longa marcou época como uma das primeiras produções de Hollywood a retratar personagens gays de maneira aberta e sem julgamentos, e é considerado uma das obras mais importantes da representação LGBTQIAPN+ no cinema. Na época, foi um escândalo, mas não afetou sua carreira como muitos lhe avisaram. Na verdade, teve efeito contrário. A influência de “Os Rapazes da Banda” na trajetória de Friedkin não pode ser subestimada. O filme demonstrou a habilidade do cineasta em lidar com material provocativo e complexo, e estabeleceu-o como um diretor disposto a correr riscos e a desafiar as convenções de Hollywood. A consagração de “Conexão Francesa” A consagração de Friedkin veio no ano seguinte com “Conexão Francesa” (1971), um thriller policial baseado em uma história real sobre dois detetives da polícia de Nova York que tentam interceptar um grande carregamento de heroína vindo da França. Filmado com um orçamento modesto de US$ 1,5 milhão, fez bom uso da experiência documental do diretor para registrar realismo visceral e suspense de tirar o fôlego. A sequência de perseguição de carro do policial Popeye Doyle, interpretado por Gene Hackman, a um trem elevado sequestrado no Brooklyn, é frequentemente citada como a melhor cena de perseguição de carro já filmada. Ela foi rodada sem permissões oficiais nas ruas do Brooklyn, de forma clandestina e em meio ao tráfego real. Friedkin queria que a sequência fosse o mais autêntica possível, então ele e sua equipe filmaram uma perseguição real em alta velocidade, com Hackman de fato dirigindo seu carro. “Conexão Francesa” dominou o Oscar de 1972, vencendo o prêmio de Melhor Filme, Ator (Gene Hackman), Edição, Roteiro Adaptado e, claro, Melhor Direção. A revolução de “O Exorcista” Friedkin conseguiu superar a tensão de “Conexão Francesa” com “O Exorcista”, adaptação do best-seller de terror de William Peter Blatty sobre a possessão demoníaca de uma jovem. Lançado no final de dezembro de 1973, tornou-se um sucesso fenomenal, um dos maiores sucessos de bilheteria de Hollywood até aquela data, com vendas de ingressos de mais de US$ 200 milhões. Foi também o primeiro terror a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme – além de outras 9 estatuetas, incluindo novamente Melhor Direção. O filme é famoso por suas cenas intensas e efeitos especiais inovadores. Durante as filmagens, Friedkin usou várias técnicas para obter as reações desejadas de seus atores. Por exemplo, ele disparou uma arma no set para assustar Jason Miller (que interpretou o Padre Karras) e obter uma reação de choque genuína. Além disso, a cena em que Regan (Linda Blair), a menina possuída, vomita sopa de ervilha no Padre Karras foi realizada com uma mangueira escondida e a sopa foi realmente atirada no ator. Para completar, como teste para ver se a boneca animatrônica de Regan, que girava a cabeça em 360 graus, seria convincente o suficiente, pediu para a equipe levá-la em passeios de táxi, deixando motoristas apavorados – foi a primeira pegadinha de terror da História. Mas “O Exorcista” (1973) não foi um marco apenas no gênero de terror, com sua bilheteria recorde e tratamento de superprodução. Seu lançamento desempenhou um papel crucial na formação da era moderna dos blockbusters. O filme foi um fenômeno cultural e comercial, arrecadando mais de US$ 441 milhões em todo o mundo, um feito impressionante para a época. A década de 1970 foi um período de transição significativa para a indústria cinematográfica. Antes de “O Exorcista”, os filmes eram geralmente lançados em um pequeno número de cinemas e só depois se expandiam para um lançamento mais amplo. No entanto, “O Exorcista” quebrou esse molde com um lançamento em larga escala, chegando a centenas de cinemas simultaneamente. Esse método de distribuição, agora conhecido como “lançamento de saturação”, foi uma estratégia de marketing inovadora que ajudou a maximizar a receita do filme e a criar um burburinho imediato. Além disso, “O Exorcista” foi um dos primeiros filmes a usar uma campanha de marketing extensa e agressiva, com trailers provocativos e pôsteres icônicos que se tornaram sinônimos do filme. Essa abordagem de marketing, que agora é padrão na indústria cinematográfica, foi pioneira na época e contribuiu para o sucesso estrondoso do filme. O efeito de “O Exorcista” na indústria cinematográfica abriu caminho para os blockbusters que se seguiram, como “Tubarão” (1975) e “Guerra nas Estrelas” (1977), que usaram os mesmos métodos de saturação e campanhas de marketing agressivas para alcançar um público amplo e gerar receitas recordes, dando início ao cinema moderno. A ressaca Após o sucesso de “Conexão Francesa” e “O Exorcista”, Friedkin tornou-se um dos diretores mais venerados de Hollywood. No entanto, seu filme seguinte foi um documentário de 1975 em que entrevistava um de seus ídolos, o alemão Fritz Lang, diretor do clássico “Metrópolis” (1927) e de vários filmes noir famosos. Depois, decidiu fazer um remake de “O Salário do Medo”, o clássico thriller francês de Henri-Georges Clouzot de 1953. “O Comboio do Medo” (1977) trouxe Roy Scheider no papel originalmente interpretado por Yves Montand, mas a maioria dos críticos achou o filme longo e pouco emocionante em comparação ao original. Foi lançado ao mesmo tempo que “Guerra nas Estrelas” e sumiu rapidamente. Pelo menos, ganhou revisão histórica e voltou a ser considerado um filme importante com o passar do tempo, ao contrário de seu filme seguinte, a comédia policial “Um Golpe Muito Louco” (1978), pouquíssimo lembrada. Nova polêmica O diretor voltou a ousar com “Parceiros da Noite” (1980), com Al Pacino como um detetive de Nova York que se infiltra em bares gays e na subcultura S&M da cidade para resolver um assassinato. O filme provocou forte oposição de ativistas gays, que se opuseram à representação da comunidade e o consideraram nocivo à sua luta por aceitação, para grande desgosto de Friedkin. Mas este longa também se tornou cultuado com o passar dos anos. Alguns críticos e espectadores reavaliaram o filme, argumentando que, apesar de suas falhas, ele oferece uma visão fascinante e complexa da subcultura gay de Nova York no final dos anos 1970. Além disso, a performance intensa de Al Pacino e a direção estilizada de Friedkin foram reconsideradas, e o filme é atualmente reconhecido por sua abordagem sem rodeios de um tema que era considerado tabu na época. Influência nos anos 1980 Depois de marcar o cinema dos anos 1970, Friedkin criou nova estética cinematográfica que acabou adotada por vários cineastas dos 1980 com “Viver e Morrer em Los Angeles” (1985), outro de seus filmes emblemáticos. O thriller policial, que segue dois agentes federais (William Petersen e John Pankow) em uma caçada implacável a um falsificador de dinheiro (Willem Dafoe), é conhecido por sua paleta de cores vibrantes, cinematografia estilizada, abordagem fashion do mundo do crime e trilha sonora sintetizada pulsante, composta pela banda britânica Wang Chung. Esses elementos combinados criaram uma atmosfera que capturou a essência da cultura pop dos anos 1980. Friedkin criou uma nova linguagem, influenciada pela crescente popularidade dos videoclipes da época, aproveitando as técnicas visuais inovadoras que estavam sendo usadas nesse meio para criar uma obra que era tanto uma experiência sensorial quanto uma narrativa de suspense. Ele combinou cenas que pareciam sair da MTV com algumas de suas marcas mais conhecidas, incluindo outra perseguição de carros que é considerada uma das melhores de todos os tempos. Síntese visual dos anos 1980, o filme teve uma influência significativa para as produções de ação que se seguiram, especialmente os filmes de Tony Scott e Michael Bay. Volta matadora no século 21 Friedkin continuou a dirigir suspenses, terrores e filmes de ação, como “Síndrome do Mal” (1987), “A Árvore da Maldição” (1990), “Jade” (1995). “Regras do Jogo” (2000), “Caçado” (2003) e “Possuídos” (2006), mas nenhum deles teve um terço da repercussão de seus trabalhos anteriores. Seu último filme, “Killer Joe – Matador de Aluguel” (2011), foi um thriller sombrio estrelado por Matthew McConaughey como um assassino de aluguel, contratado por um jovem traficante de drogas (Emile Hirsch) para matar sua mãe e coletar o dinheiro do seguro. Quando o traficante não consegue pagar o adiantamento de Joe, ele sugere uma alternativa perturbadora: a irmã mais nova do jovem (Juno Temple) como “garantia sexual” até que o pagamento seja feito. Chocante, mas irresistivelmente envolvente, o filme baseado numa peça de Tracy Letts, foi classificado como NC-17, a mais elevada classificação etária permitida nos cinemas dos EUA, que normalmente limita a distribuição e a bilheteria de um filme. Friedkin não quis negociar e conseguiu lançar o filme sem cortes apenas para maiores de idade. Sacrificando o sucesso comercial, “Killer Joe” causou ótima impressão entre os críticos e ajudou a relançar Matthew McConaughey como um ator a ser levado a sério, capaz de uma performance ao mesmo tempo charmosa e aterrorizante, que ele não demonstrava ser capaz em suas comédias românticas – dois anos depois, McConaughey ganhou o Oscar de Melhor Ator por “Clube de Compra Dallas” (2013). Muitos alardearam “Killer Joe” como a volta de Friedkin à boa forma cinematográfica. Últimas obras O último lançamento do diretor em vida foi o documentário “The Devil and Father Amorth” (2017), sobre o padre exorcista Gabriele Amorth (que inspirou o recente filme de terror “O Exorcista do Papa”). Mas ele deixou finalizado o longa de ficção “The Caine Mutiny Court-Martial”, que terá première mundial nos próximos dias, durante o Festival de Veneza. O filme é baseado no livro de Herman Wouk, que narra o julgamento de um oficial da marinha por motim, após assumir o comando de um navio por sentir que o capitão estava agindo de maneira instável e colocando a vida da tripulação em risco. A...

