Ella e John é road movie da Terceira Idade
O diretor e roteirista italiano Paolo Virzì tem uma larga trajetória no cinema, com muitos prêmios importantes pelo caminho. “Ella e John” é seu 13º filme. Entre os seus trabalhos anteriores estão “A Primeira Coisa Bela” (2010), “Capital Humano” (2013) e “Loucas de Alegria” (2016). São bons filmes, realizados visando a atingir boas fatias de público, em produções comerciais bem cuidadas, com bons atores e atrizes. E com equívocos, também. “Ella e John” é, desta vez, um filme holywoodiano, um road movie, protagonizado por uma dupla de veteranos notável: Helen Mirren (Ella) e Donald Sutherland (John). Eles vão atravessar os Estados Unidos, indo de Boston até a casa do escritor Ernest Hemingway, em Key West, na Flórida. Um detalhe: eles farão isso com um velho trailer, antigamente usado para viagens familiares, que foi mantido na garagem de casa. Serviu muito no passado, mas estava sem uso e superado. Apelidado de caça lazer – leisure seeker, o nome original do filme – , era visto como uma relíquia de família. Outro detalhe: os dois são um casal bem idoso, ela, com câncer, ele, com uma espécie de alzheimer, que vai corroendo sua memória progressivamente, reduzindo a lucidez. No entanto, ele é capaz de dirigir na estrada muito bem, ainda. Só que pode tomar decisões esdrúxulas, se for deixado sozinho. Terceiro detalhe: ambos resolvem fazer essa viagem de trailer sozinhos, sem avisar os filhos ou informar para onde vão. É uma espécie de última viagem de suas vidas, para comemorar uma longa jornada juntos, embora ele, às vezes, esqueça quem ela é. O destino a alcançar tem tudo a ver com a vida universitária de John, professor e profundo conhecedor de literatura, em especial da obra de Hemingway, que ele sabe em grande parte de cor, tantas vezes foi visitada, consultada, ministrada aos alunos. Uma verdadeira paixão. As peripécias vividas durante a viagem podem ser facilmente imaginadas. Coisas de um passado remoto, que já deveriam estar enterradas, vêm novamente à tona. Ao mesmo tempo, o afeto se renova, o companheirismo, a cumplicidade e a tolerância. Pelo menos, sempre que as sinapses cerebrais dele não falhem. Ella comanda tudo com firmeza, mas com o corpo vulnerável. Personagens em idade avançada e tendo de encarar a morte próxima crescem significativamente nos roteiros cinematográficos. O mundo envelhece, a medicina prolonga a existência com melhor qualidade de vida, o mercado pede. Bom para os atores e atrizes, que também envelhecem, encontrando bons papéis, e de protagonistas. É uma oportunidade para vermos em cena talentos como os de Helen Mirren e Donald Sutherland em primeiríssimo plano. Só por aí já vale a pena ver “Ella e John”. A situação criada é bem desenvolvida, de modo geral. A produção é boa, o diretor, competente e experimentado. Embora o resultado não seja brilhante.
Ella e John: Trailer legendado coloca Donald Sutherland e Helen Mirren na estrada
A Sony divulgou o trailer legendado de “Ella e John” (The Leisure Seeker), road movie da Terceira Idade que junta Donald Sutherland (“Jogos Vorazes”) e Helen Mirren (“A Dama Dourada”). Eles vivem um casal idoso que decide embarcar numa última viagem em seu motor home pelo interior dos Estados Unidos, o mesmo veículo com o qual costumavam acampar com os filhos nos anos 1970. Já adultos, os filhos ficam apavorados com o que pode acontecer, pois a decisão impulsiva contraria uma situação médica complexa. Dirigido pelo italiano Paolo Virzì (“A Primeira Coisa Bela”), o elenco também inclui Janel Moloney (série “The Leftovers”) e Christian McKay (“Florence: Quem É Essa Mulher”) como os filhos. Exibido nos festivais de Veneza e Toronto, “Ella e John” estreia na quinta-feira (25/1) no Brasil, dois meses antes de chegar nos Estados Unidos.
Star Trek – Sem Fronteiras é maior estreia da semana
“Star Trek – Sem fronteiras” finalmente pousa no Brasil. Lançado em julho nos EUA, o filme só agora chega a 686 salas do circuito, incluindo 492 telas 3D e todas as 12 Imax. Terceiro filme do novo elenco da franquia, é também o primeiro desde o reboot sem a direção de J.J. Abrams, que foi atraído pela força de “Star Wars”. Em seu lugar, Justin Lin (franquia “Velozes & Furiosos”) injetou mais ação na franquia e, com auxílio de um roteiro bem equilibrado de Simon Pegg (o intérprete de Scotty), também mais humor, além de introduzir uma nova personagem, a alienígena Jaylah, vivida por Sofia Boutella (“Kingsman: Serviço Secreto”), que rouba as cenas. A aventura espacial conquistou a crítica americana, com 83% de aprovação. Mas não saiu do vermelho nas bilheterias, com “apenas” US$ 151 milhões nos EUA. Orçada em US$ 185 milhões, a produção precisa ter bom desempenho internacional para ganhar nova continuação. Mesmo assim, tem um lançamento nacional bem menor que os mais recentes blockbusters que desembarcaram por aqui, inclusive o fracassado “Ben-Hur”. O outro filme americano que chega aos shoppings nesta quinta (1/9) é o terror “O Sono da Morte”. O gênero sempre rende bom público, mas raramente bons filmes. Este não é exceção. O destaque da produção é a presença do ator mirim Jacob Tremblay, revelado em “O Quarto de Jack” (2015), como um órfão que, sem saber, transforma seus sonhos e pesadelos em realidade. Com 30% no Rotten Tomatoes, é um terror para maiores de 14 anos que não assusta ninguém. Em 145 salas. A programação ampla também inclui uma comédia brasileira. Na verdade, são três os lançamentos nacionais da semana, incluindo os títulos de distribuição limitada. Todos são obras de ficção, mas totalmente diferentes uns dos outros. Com melhor distribuição, o besteirol “Um Namorado para Minha Mulher” chega a 414 telas com uma trama típica de comédia brasileira. Ou seja, algo que ninguém jamais faria na vida real. Cansado da mulher chata, o personagem de Caco Ciocler (“Disparos”) decide contratar um homem para conquistá-la e assim conseguir a separação. Mas se arrepende. O problema é que o sedutor exótico (Domingos Montagner, de “Gonzaga: De Pai para Filho”) se apaixona pela mulher do “corno”. A ideia só não é totalmente ridícula por conta da atriz Ingrid Guimarães (“De Pernas pro Ar”), que para encarnar o clichê da mulher chata assume um mau-humor espirituoso, inteligente e divertidíssimo, que vê defeito em tudo e não suporta lugares comuns. Em outras palavras, ela parece crítica de cinema. A direção é de Julia Rezende (“Meu Passado Me Condena” duas vezes – o filme e a continuação). “Aquarius”, por sua vez, encalha em 85 salas. Sempre foi difícil imaginar a pequena Vitrine Filmes distribuir um blockbuster, mas o diretor Kleber Mendonça Filho, cujo filme anterior, “O Som ao Redor” (2012), abriu em 24 telas, não poderá reclamar de perseguição política, pois a classificação etária caiu para 16 anos. De todo modo, seu marketing de viés político, criado por uma postura intransigente de enfrentamento contra o governo, desde a denúncia em Cannes de que “o Brasil não é mais uma democracia” graças a um “golpe de estado”, até a patrulha ideológica contra um crítico da comissão que vai selecionar o candidato brasileiro ao Oscar, tem um lado positivo, ao mostrar inconformismo em apenas realizar o filme. Ao contrário de muitos colegas de profissão, que parecem se contentar em contabilizar os cheques das leis de incentivo para filmar, sem se posicionar diante da invisibilidade das estreias dramáticas nacionais, Filho quer que seu trabalho seja visto. E nisto tem razão. O bom cinema brasileiro merce ser visto. E “Aquarius” é um bom filme, sim, especialmente pela oportunidade que dá ao público de ver Sonia Braga novamente como protagonista, aos 66 anos de idade. É o resgate de uma carreira que estava restrita, nos últimos anos, a pequenas aparições em séries americanas ruins. Seu desempenho evoca a performance consagradora de Fernanda Montenegro em “Central do Brasil” (1998). São papeis completamente diferentes, mas que conduzem e humanizam suas narrativas. Entretanto, pela politização que o cineasta quis dar ao lançamento, é preciso observar mais atentamente a ironia da trama, que mostra Clara, a personagem de Braga, enfrentando as investidas de uma construtora que quer demolir o antigo edifício onde mora, muito bem localizado em Recife, para construir um novo empreendimento. Embora seja fácil puxar a analogia do “golpe” sofrido por Dilma Rousseff num embate contra as forças econômicas, é mais sutil perceber que, na vida real, empresas como a que representa o “mal” no filme foram responsáveis por financiar o projeto populista, alimentado por propinas, corrupção política e construções superfaturadas, que destroçou o patrimônio do país e de todas as Claras do Brasil, nos últimos 13 anos. O fato é que o cinema militante não reflete sutilezas, tanto que só um drama brasileiro recente foi capaz de evitar as armadilhas do maniqueísmo e do proselitismo para retratar um quadro mais complexo da situação política, econômica e social do país: “Casa Grande” (2014), de Fellipe Barbosa. Quanto mais o tempo passa, melhor e mais representativo aquele filme se torna do Brasil contemporâneo. Ocupando 15 telas, a terceira estreia nacional é “Rondon, O Desbravador”, de Marcelo Santiago (por coincidência, codiretor do mitológico “Lula, o Filho do Brasil”) e do estreante Rodrigo Piovezan. Pode-se até considerá-lo o oposto político de “Aquarius”, por apresentar um ufanismo como não se via desde o auge da ditadura militar. Cinebiografia do Marechal Rondon, que desbravou as florestas brasileiras para levar o telégrafo (a internet do final do século 19) ao sertão, o longa evita todas as polêmicas possíveis para apresentá-lo como herói, responsável pela integração pacífica dos índios na civilização brasileira. Claro que sua defesa da ocupação do país “do Oiapoque ao Chuí” levou à desapropriação de terras indígenas, iniciou o desmatamento em massa, realocou tribos e as infectou com doenças, mas nada disso é relatado pela trama, que parte de um encontro fictício do velho militar (Nelson Xavier, de “Chico Xavier”) com um jornalista para recordar seus grandes feitos. O pôster, com bandeira tremulando e continências militares, ilustra perfeitamente o estilo de Educação Moral e Cívica da produção. A programação se completa com dois lançamentos europeus limitados, que exploram o humor em tons diversos. “Loucas de Alegria”, do italiano Paolo Virzì (“A Primeira Coisa Bela”), leva a 14 salas a história de amizade entre duas mulheres, que fogem de um hospital psiquiátrico em busca de um pouco de felicidade. Divertido, terno e belo nas doses certas. A menor distribuição da semana cabe a “A Comunidade”, do dinamarquês Thomas Vinterberg (“A Caça”), com exibição em seis telas. É outro ótimo filme, que ironiza o espírito comunal dos anos 1970. A trama parte de um casal típico da década mais liberal de todas, que resolve convidar estranhos a compartilhar de sua casa espaçosa. Quando seu casamento entre em crise, eles têm que lidar com amantes e votações coletivas para determinar como viver no próprio lar. Trine Dyrholm (“Amor É Tudo o que Você Precisa”), intérprete da esposa, foi premiada como Melhor Atriz no Festival de Berlim deste ano.


