Johnny Hallyday (1943 – 2017)
O cantor e ator Johnny Hallyday, considerado o “Elvis Presley francês”, faleceu aos 74 anos de um câncer no pulmão, na madrugada desta quarta-feira (6/12). “Johnny Hallyday partiu. Escrevo estas palavras incrédula, mas foi assim. Meu marido já não está mais aqui. Nos deixou esta noite como viveu sua vida: com valentia e dignidade”, escreveu sua mulher Laeticia. “Até o último momento, se manteve firme diante desta doença que o corroía há meses, dando a todos lições de vida extraordinárias”. Jean-Philippe Léo Smet, seu verdadeiro nome, nasceu em 1943. Filho da modelo Huguette Clerc e do cantor belga Léon Smet, viveu em Londres com o tio, um artista de variedades de quem “roubou” o nome artístico para lançar seu primeiro álbum em 1960, “Hello Johnny”. O sucesso veio no ano seguinte, com o lançamento da música “Viens Danser le Twist”, uma versão de “Let’s Twist Again”, de Chubby Checker, que o estabeleceu como o roqueiro mais bem-sucedido da França. Em 50 anos de carreira, ele entusiasmou três gerações francesas, gravando cerca de 40 álbuns, mais de mil músicas, e vendeu mais de 100 milhões de discos. Tornou-se um fenômeno desde jovem, a ponto de não poder sair de casa sem correr de multidões de fãs enlouquecidos, como numa cena da Beatlemania. Cidades da França proibiram seus shows, acusando-o de corromper a juventude. Foi chamado de belga infiltrado na França. Pior: quinta-coluna imperialista, responsável por contaminar a cultura francesa com o rock, nas palavras do presidente francês Charles de Gaulle, que o odiava. Mas nem o maior hit, “Noir c’est Noir” (1966), conseguiu ser ouvido fora da França, apesar das aparições no célebre programa de variedades “The Ed Sullivan Show”, que estourou as carreiras de Elvis e dos Beatles nos EUA. Isto o tornou uma figura cult nos mercados internacionais, marcando-o com o apelido de “a maior estrela do rock que você nunca ouviu falar”, maldosamente conferido pelo jornal USA Today. No Brasil, por sinal, poucos sabem que “Noir c’est Noir” é a versão original do sucesso “Quem Não Quer”, música gravada por Jerry Adriani no auge da Jovem Guarda. A comparação com Elvis Presley não se resumia ao rock. Assim como o cantor americano, ele se lançou no cinema numa série de comédias musicais, como “As Parisienses” (1962), em que cantou uma balada romântica para Catherine Deneuve, “D’où viens-tu… Johnny?” (1963), como par da cantora Sylvie Vartan, com quem formou um dos casais mais poderosos do rock francês, “Cherchez l’idole” (1964) e o psicodélico “Les Poneyttes” (1967). Também como o ídolo, optou por estrelar westerns como alternativa aos filmes em que vivia versões de si mesmo. Assim, virou o personagem-título de “O Especialista – O Vingador de Tombstone” (1969) no spaghetti-western de um especialista, o cineasta Sergio Corbucci, criador de “Django” (1966). Mas acabou se destacando em outro gênero: os filmes de crime. Ele surpreendeu a crítica ao estrelar “Point de Chute” (1970), do ator-diretor Robert Hossein, e “Détective” (1985), de ninguém menos que Jean-Luc Godard. Contudo, os melhores papéis vieram na fase final de sua carreira, quando grandes cineastas recorreram à sua presença icônica para humanizar personagens sinistros, como o ladrão de “Uma Passagem para a Vida” (2002), de Patrice Leconte, o suspeito de “Rios Vermelhos 2 – Anjos do Apocalipse” (2004), de Olivier Dahan, e o assassino de “Vingança” (2009), um dos melhores filmes do mestre do cinema criminal chinês Johnny To. Ele também chegou a filmar nos Estados Unidos, participando da comédia “Procurados” (2003), como um dos ladrões de uma gangue francesa em Chicago, além de “A Pantera Cor de Rosa 2” (2009). Enquanto rodava a continuação estrelada por Steve Martin, seus problemas de saúde se tornaram evidentes, levando-o a ser hospitalizado em Boston. Ele chegou a entrar em coma devido a um grave problema respiratório. Mesmo com o diagnóstico de câncer confirmado, ele continuou fazendo filmes. Suas últimas aparições no cinema foram nas comédias “Rock’n Roll: Por Trás da Fama”, de Guillaume Canet, e “Chacun sa Vie”, de Claude Lelouch, ambas lançadas neste ano. É tão difícil imaginar a França sem Johnny Hallyday que um cineasta, fã assumido, tentou visualizar exatamente isso, num filme em que Jean-Philippe Léo Smet nunca se tornou um roqueiro famoso. Intitulado “Jean-Philippe” (2006), o longa de Laurent Tuel deixa claro a influência colossal de Hallyday na cultura francesa do século 20. “Nós todos temos algo de Johnny. Nós não esqueceremos nem o nome, nem o rosto, nem a voz, sobretudo, nem as interpretações que, com um lirismo seco e sensível, pertencem hoje à história da música francesa. Ele fez entrar uma parte da América em nosso panteão nacional”, declarou o presidente da França, Emmanuel Macron.
Grace de Mônaco é homenagem mal-compreendida
“Grace de Mônaco” foi vaiado pela crítica quando abriu o Festival de Cannes no ano passado. No site americano Rotten Tomatoes, teve apenas 10% de críticas favoráveis. Mas não é atroz como “Diana”, a cinebiografia da princesa inglesa. O filme não esconde que brinca com fatos reais para homenagear uma das atrizes mais queridas da velha Hollywood, Grace Kelly (“Janela Indiscreta”). Durante a projeção, ela volta à ficção, por intermédio de Nicole Kidman (“As Aventuras de Paddington”), para viver novamente um suspense psicológico, num desenvolvimento que também presta tributo à relação da estrela com o cinema de Alfred Hitchcock. A trama explora o fato de que Grace foi convidada por Hitchcock para voltar a Hollywood como estrela de “Marnie Confissões de uma Ladra” (1964), mas se viu impedida pela obrigação de desempenhar outro papel na vida real, como Princesa de Mônaco. Por isso, a questão da atuação permeia todo o filme. No roteiro, até o Príncipe Rainier (Tim Roth, de “O Incrível Hulk”) evidencia que não casou com Grace por amor, mas porque ela seria a pessoa ideal, racionalmente falando. Naquele lugar, falar o que se pensa é um ato perigoso, e todos interpretam seus papeis. Do mesmo modo, a solução encontrada pela Princesa para salvar seu casamento e seu reino também se dá por meio de seus dotes de atriz. E, nessa inserção de metalinguagem, destaca-se a interpretação de Nicole Kidman. Ela está adorável. Grande atriz que é, compensa o fato de já não ser tão bela e jovem quanto Grace Kelly na época retratada com muita sensibilidade. Além do mais, o diretor Olivier Dahan (“Piaf: Um Hino ao Amor”) capricha no emolduramento de seu rosto, ora aproximando o close em seus olhos, ora aproximando a boca, demonstrando encanto com a personagem/atriz, ao mesmo tempo em que também sinaliza o seu nervosismo e apreensão em cena. O fato de ser um filme sobre os bastidores de Hollywood, pelo menos marginalmente, ajuda a manter o interesse dos cinéfilos, a começar pela visita de Hitchcock à Princesa em 1961. Claro que, depois, os bastidores passam a ser outros: da política, da delicada rixa envolvendo Mônaco e França. Mas também nesse circuito há lugar para nomes famosos, como Onassis (Robert Lindsay, da série “Atlântida”) e Maria Callas (Paz Veja, de “Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho”). Por sinal, o momento em que Callas canta “O Mio Babbino Caro”, mágica por si só, tem grande importância na narrativa, antecedendo uma das melhores cenas. A esta altura, o filme já adentrou a pura ficção, com direito à descoberta de uma espiã na corte, um complô para uma invasão da França, sob o comando de Charles De Gaulle, resultando numa história que parece saída de um thriller de espionagem do mestre Hitchcock. Como a homenagem faz sentido e funciona na tela, torna-se difícil entender a repercussão negativa do filme. Talvez a resposta para essa má vontade esteja numa cena específica, no rápido debate entre a Princesa e um representante da França sobre a guerra na Argélia e a questão do colonialismo. Os franceses podem ter torcido o nariz para o puxão de orelha, e contaminado com seus ataques iniciais, a partir de Cannes, o resto da crítica mundial – num mundo tão conectado, todas as unanimidades são ainda mais burras.

