Melvin Van Peebles (1932–2021)
O cineasta Melvin Van Peebles, diretor pioneiro do cinema afro-americano, responsável pelo surgimento do gênero classificado como “blaxploitation”, morreu na terça (21/9) em sua casa em Manhattan, Nova York, aos 89 anos. Considerado por muitos como o inventor do cinema negro moderno, ele também foi ator, romancista, produtor de teatro, compositor, músico e pintor. Determinado a fazer carreira como cineasta, ele começou a carreira artística rodando curtas que esperava que lhe abrissem as portas de Hollywood. Mas quando não conseguiu trabalho comercial em Los Angeles, mudou-se com a esposa e seus filhos, Megan e Mario, para a Europa, acreditando que lá enfrentaria menos racismo. Foi durante sua passagem pela Holanda, quando estudou no Teatro Nacional Holandês e iniciou sua trajetória como ator, que Melvin Peebles decidiu acrescentar “Van” a seu sobrenome. Confirmando sua previsão, ele conseguiu estrear como diretor na França, quando morava em Paris, escrevendo e dirigindo seu primeiro longa, “La Permission”, em 1967, sobre um soldado negro americano que sofria represálias por namorar uma francesa branca. A repercussão positiva daquele filme chamou a atenção da Columbia Pictures que o contratou para dirigir o clássico “A Noite em que o Sol Brilhou” (Watermelon Man) em 1970. Sátira racial, o longa marcou época por mostrar a transformação mágica de um branco racista num afro-americano. O que poucos sabem é que Van Peebles se recusou a filmar o final original do roteiro de Herman Raucher, que mostrava o racista acordando de um pesadelo e voltando a ser branco. “Ser negro não vai ser um pesadelo”, disse ele numa entrevista de 2014, contando como conseguiu mudar o final. Ele simplesmente prometeu aos produtores que também iria rodar o final original, deixando-os escolher o melhor na edição, mas ao terminar os trabalhos chegou diante dos executivos afirmando que “se esqueceu” de fazer a outra versão. A Columbia não reclamou. “A Noite em que o Sol Brilhou” se tornou um sucesso tão grande que o estúdio ofereceu ao diretor um contrato para três novos filmes. Mas queria comédias. Por isso, recusou-se a financiar o projeto que Van Peebles tinha em mente: “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song”. O projeto recusado era um drama criminal barra-pesada, politizado e cheio de gírias, que apresentava o gueto do ponto de vista de negros, como Hollywood nunca tinha feito antes. A história acompanhava um gigolô que salvava um ativista Pantera Negra das mãos de policiais racistas e, por isso, precisava se esconder com a ajuda da comunidade e de alguns Hell’s Angels desiludidos. Diante da resistência do estúdio, Van Peebles foi à luta. Conseguiu um empréstimo de US$ 50 mil com o comediante Bill Cosby, após assinar um episódio da série “The Cosby Show”, para escrever, dirigir, produzir, musicar, editar, distribuir e estrelar seu filme do sedutor renegado que enfrentava o sistema. O dinheiro mal dava para começar, mas ele decidiu realizar o trabalho assim mesmo, da forma mais independente possível, sempre à beira da ruína e contando com a ajuda de vários voluntários. Como a produção não tinha apoio de nenhum estúdio, o diretor não conseguiu permissão municipal para filmar nas ruas de Los Angeles. Mas não se importou, rodando várias cenas enquanto fugia da polícia que tentava impedir os trabalhos. Após a miraculosa finalização, o filme continuou a enfrentar obstáculos e não conseguiu classificação indicativa para ser exibido nos cinemas. Recebeu um “X”, classificação usada para pornografia. E Van Peebles transformou mais essa dificuldade em propaganda, imprimindo camisetas com o slogan: “Classificação X… por um comitê totalmente branco”. Mas a classificação “X” criou mesmo problemas com a distribuição, a ponto de Van Peebles só conseguir dois cinemas de filmes adultos, em Atlanta e Detroit, para lançá-lo. Assim mesmo, para conseguir a exibição, precisou se comprometer com uma aposta de que se seu longa rendesse menos bilheteria que os títulos que estavam sendo exibidos, ele pagaria a diferença. As sessões lotaram. E o filme retornou 10 vezes o valor de seu orçamento em 19 dias, criando um boca-a-boca fortíssimo entre o público. Isso levou “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song” a interessar distribuidores de outras cidades e, em pouco tempo, ser exibido em todas as grandes metrópoles com forte presença afro-americana. Ao final do ano, fechou sua bilheteria com mais de US$ 10 milhões de faturamento, tornando-se o filme independente mais bem-sucedido feito até então. Na época, o jornal The New York Times chamou Van Peebles de “o primeiro homem negro no show business a vencer o homem branco em seu próprio jogo”. “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song” abalou Hollywood, mostrando que era possível filmar fora do sistema cinematográfico, e que havia um público sedento por lançamentos como aquele. Foi a deixa para o surgimento de um movimento cultural, batizado de “blaxploitation” por explorar temáticas negras, com histórias passadas no gueto, dirigidas e estreladas por artistas negros, e embaladas por poderosas trilhas de funk. Para dar noção do tamanho do impacto, antes de “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song”, “Shaft” seria um filme sobre um detetive branco. A Warner mudou tudo para pegar carona no fenômeno, criando uma verdadeira franquia blaxploitation. Mas a influência de Van Peebles não foi só cinematográfica. A trilha do longa, criada pelo próprio cineasta, também lançou moda sonora, sendo considerada um dos primeiros protótipos do gênero musical que, anos depois, viria a ser chamado de rap. Seu filme seguinte, “Don’t Play Us Cheap”, foi a adaptação de um musical que ele próprio escreveu e musicou para a Broadway. O espetáculo recebeu indicações para o Tony em 1972, mas o longa não teve o mesmo sucesso, com uma trama centrada nas tentativas frustradas de demônios para acabar com uma festa no Harlem. Ele levou 17 anos para voltar a filmar, fazendo a comédia “Identity Crisis” em 1989, estrelada por seu filho, Mario Van Peebles, como um rapper durão possuído pela alma de um estilista gay de moda. O diretor também comandou o filho em “Gangue do Mal” (1996), sobre um policial negro que descobre uma organização racista dentro de sua delegacia. E encerrou a carreira de diretor com “Confessionsofa Ex-Doofus-ItchyFooted Mutha” em 2007, um filme semibiográfico sobre um aventureiro que viaja o mundo apenas para voltar para casa com histórias para contar. Paralelamente à carreira de cineasta, ela também construiu uma vasta filmografia como ator, aparecendo até em sucessos de Eddie Murphy e Arnold Schwarzenegger, como, respectivamente, “O Príncipe das Mulheres” (1992) e “O Último Grande Herói” (1993). Além disso, foi habitué dos filmes do filho, como o western “Posse” (1993) e o drama histórico “Panteras Negras” (1995). Mario Van Peebles seguiu os passos de Melvin para virar um diretor bem-sucedido. E um de seus filmes mais elogiados foi justamente uma reconstituição das filmagens históricas de “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song”, intitulada “O Retorno de Sweetback” (2003), em que interpretou o próprio pai. A filmografia de Melvin Van Peebles foi totalmente restaurada e vai ganhar lançamento em Blu-ray dentro da prestigiosa coleção Criterion na próxima semana nos EUA.
Frank McRae (1944–2021)
Frank McRae, o ex-jogador de futebol americano que virou ator de filmes como “007 – Permissão Para Matar” e “O Último Grande Herói”, morreu no último dia 29 de abril, aos 80 anos, em decorrência de um infarto. McRae teve passagem breve pela NFL, a principal liga de futebol americano dos EUA, jogando pelo Chicago Bears e pelo Los Angeles Rams, mas sempre quis atuar, tanto que se forçou em artes cênicas. Em mais de 30 anos de carreira como ator, ele apareceu em cerca de 40 filmes, geralmente em papéis que se aproveitavam de sua grande estatura física. Os primeiros trabalhos surgiram nos anos 1970, com participações em filmes de ação como “Shaft na África” (1973) e “Lutador de Rua” (1975). Amigo de Sylvester Stallone, ele também apareceu em três longas de ação do astro: “F.I.S.T.” (1978), “A Taberna do Inferno” (1978) e “Rocky 2: A Revanche” (1979). Mas McRae também fez comédias e dramas, contracenando com Sally Field em dois exemplos bastante distintos destes gêneros, “Se Não Me Mato, Morro!” (1978) e “Norma Rae” (1979). Ele também foi dirigido três vezes por John Millius, nos cultuados “Amargo Reencontro” (1978), “Amanhecer Violento” (1984) e “Uma Vida de Rei” (1989). E cansou de aparecer em várias comédias famosas, como “1941: Uma Guerra Muito Louca” (1979), de Steven Spielberg, “Carros Usados” (1980), de Robert Zemeckis, “48 Horas” (1982), que lançou a carreira cinematográfica de Eddie Murphy, e “Férias Frustradas” (1983), que deu início a uma franquia com Chevy Chase. Ainda participou da cultuada sci-fi da Terceira Idade “O Milagre Veio do Espaço” (1987), produzida por Spielberg, e encerrou sua melhor década como amigo de James Bond (na versão de Timothy Dalton) em “007 – Permissão Para Matar” (1989). Nos anos 1990, preferiu zoar seus papéis em filmes de ação com participações em paródias como “Máquina Quase Mortífera” (1993), “Rapidinho no Gatilho” (1994) e a popular comédia “O Último Grande Herói” (1993), ao lado de Arnold Schwarzenegger. A última aparição de McRae nas telas foi no drama “O Amor Permanece na Alegria”, lançado em 2006.

