O Homem que Viu o Infinito segue fórmula para diminuir a ciência diante do divino
De Madras (hoje, Chennai), no extremo sul da Índia, no início do século 20, surgiu um matemático brilhante, que contribuiu com fórmulas decisivas para o avanço da ciência e o alcance de soluções muito complexas. Com um detalhe: Srinivasa Ramanujan (1887-1920), esse indiano, notável matemático, não tinha estudo formal nenhum. Ainda assim, seu talento era tão evidente que ele acabou numa universidade inglesa, em Cambridge (onde também estava Bertrand Russell) e chegou a pertencer à Royal Society de Ciências, uma honraria por merecimento. “O Homem que Viu o Infinito”, segundo filme escrito e dirigido pelo britânico Matt Brown (“Ropewalk”), pretende contar a história real desse gênio da matemática, especialmente no seu período de estudos e publicações na Inglaterra, tendo como mentor e amigo, apesar da improbabilidade que sempre cercou essa amizade, do professor e também ilustre matemático G. H. Hardy. O período é o que começa em 1913, atravessa toda a 1ª Guerra Mundial e a ultrapassa um pouco. Oceanos de distância os separavam, mesmo estando próximos, se pensarmos nas crenças, modos de vida, hábitos alimentares, de vestuário, entre outras coisas, associados a um e a outro. Por outro lado, a guerra distanciou Ramanujan de sua amada e sua família de modo absoluto. No filme, a distância é ampliada também pela correspondência não entregue, um dos elementos de uma narrativa novelesca que põe a realidade a serviço de uma fórmula comercial para entreter e agradar o público. Outro elemento é a adoção da ideia de que todo o conhecimento absurdo daquele gênio da matemática derivava de uma intuição divina. Daí a dificuldade que o indiano teve para construir as provas acadêmicas daquilo que ele “sabia que era assim “. Quem quiser crer que a matemática deriva diretamente de Deus, ou de uma deusa hindu, que compre essa narrativa. A mim, não pode convencer, como não deveria convencer o grande professor Hardy, ateu convicto, mas, sabe como é, né? O que não dá é para vender a ideia de que a realidade é – ou foi – assim. Isso é uma interpretação religiosa dos fatos. Algo que está em evidência em certos estudos pseudocientíficos, associados à física quântica, na atualidade. Em todo caso, Deus ainda carece de provas, não basta a convicção. Tal como andou se falando muito por aqui. “O Homem que Viu o Infinito” é uma boa produção, a história é bem contada, de forma linear, filmada na Índia e na Inglaterra, em belíssimas locações e tem um elenco muito bom. Quem faz Ramanujan é Dev Patel, ator de “Quem Quer Ser um Milionário?” (2008), e o professor Hardy é vivido por Jeremy Irons (“Batman vs. Superman”). A amada distante, Janaki, por sua vez é vivida pela bela atriz Devika Bhise (“Marido por Acaso”), convincente no seu sofrimento. O que não me convence é a ideologia do filme.
Estreias: Animação infantil Cegonhas é o maior lançamento da semana
A semana traz dez lançamentos, além de uma exibição limitadíssima de “Pequeno Segredo” no interior do RS. Parece muito, mas dessa lista só três frequentarão os shoppings, dois deles com estreia simultânea com os EUA. A animação “Cegonhas – A História que Não Te Contaram” tem a distribuição mais ampla, ocupando 807 salas (594 em 3D). Bem infantil, sequer aborda a premissa que a inspirou: de onde vem os bebês. A trama mostra que as cegonhas abandonaram o negócio de entrega de bebês para se concentrar no lucrativo serviço de entregas de celular de última geração. Mas quando um bebê aparece no depósito das mercadorias, uma jovem órfã ruiva, que nenhuma cegonha entregou, convence o herdeiro do negócio a retomar o hábito perdido e encontrar uma família para o pequeno pacote babão. Fofo até enjoar, o filme dividiu a crítica americana (56% de aprovação no site Rotten Tomatoes) e chega ao Brasil com as vozes de Klebber Toledo (novela “Lado a Lado”), Tess Amorim (“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”) e Marco Luque (programa “Altas Horas”). A outra estreia simultânea com os EUA é o western “Sete Homens e um Destino”, remake anacrônico do filme de 1960, que chega em 340 salas (12 em Imax). Fruto do revisionismo afetado do cinema americano atual, apresenta um Velho Oeste sem conflitos raciais, em que pistoleiros de diferentes etnias (a ONU do Velho Oeste) se unem para expulsar um bando com perfil de terroristas radicais (o Estado Islâmico do Velho Oeste), que atormenta uma cidadezinha de pacatos cidadãos brancos. Até os westerns spaghetti, rodados na Espanha com atores italianos, eram mais realistas. Mas se não dá para levar muito a sério este trabalho do diretor Antoine Fuqua (“O Protetor”), é possível se divertir bastante com ele, graças ao elenco imponente, com Denzel Washington (“O Protetor”), Chris Pratt (“Guardiões da Galáxia”), Ethan Hawke (“Boyhood”) e Vincent D’Onofrio (série “Demolidor”) trocando tiros e bancando machões. 65% no Rotten Tomatoes. Apenas um dos quatro lançamentos nacionais da semana chega em todo o país, e é mesmo mais um besteirol. Sem criatividade alguma, “Tô Ryca” leva a 420 telas outra história de pobre que enriquece de uma hora para outra, como “Até que a Sorte nos Separe” (2012), “Vai que Cola: O Filme” (2015) e “Um Suburbano Sortudo” (2016). A diferença, além do sexo da protagonista, é que, para ganhar uma grande herança, a personagem central precisa perder milhões de propósito – e não por acidente. Diferença? A premissa genérica é a mesma do livro “Brewster’s Millions”, de George Barr McCutcheon, já filmado 11 vezes desde 1914, inclusive com duas versões indianas. A filmagem mais conhecida, “Chuva de Milhões” (1985), passou repetidas vezes na TV brasileira e inclui na história uma trama da eleição que também está no roteiro brasileiro! Estrelado por Samantha Schmutz (“Vai que Cola: O Filme”) em seu primeiro papel de protagonista, o filme registra o último trabalho da atriz Marília Pêra (“Pixote: A Lei do Mais Fraco”), falecida em dezembro. Assim como na semana passada, a melhor estreia da programação também é um filme brasileiro restrito a poucas salas. Exibido em apenas 17 telas, “O Silêncio do Céu” representa o amadurecimento do diretor Marco Dutra, que troca o terror de “Trabalhar Cansa” (2011) e “Quando Eu Era Vivo” (2014) pelo suspense sufocante. Tenso do começo ao fim, o filme acompanha o desdobramento de um ato de violência, o estupro de uma mulher, testemunhado em segredo e sem querer por seu marido. Envergonhados, nenhum dos dois fala sobre o assunto, como se não tivesse acontecido, embora o marido se torne obcecado em se vingar do responsável. Rodado em Montevidéu e falado em espanhol, a produção destaca a brasileira Carolina Dieckmann (“Entre Nós”) e o argentino Leonardo Sbaraglia (“Relatos Selvagens”) nos papéis principais. Os outros dois títulos nacionais são anti-comerciais, cada um a seu modo. Distribuído em nove salas de seis cidades, “Charlote SP” se orgulha de ser o primeiro longa nacional rodado com câmeras de celular. Praticamente um filme de estudante de cinema, traz como protagonista, lógico, um jovem que quer ser cineasta e que namora, obviamente, uma modelo. “Nervos de Aço” também é protagonizado por um diretor, mas de teatro, e vai na linha oposta, com câmeras profissionais, bom acabamento e um cineasta de ficha corrida: Maurice Capovilla, marginal cinematográfico desde os anos 1960. O longa teve première há dois anos no Festival Cine Ceará e a demora para encontrar circuito reflete seu formato “experimental”. A produção parte de um musical inspirado no repertório clássico de Lupicínio Rodrigues para fazer metalinguagem, contando uma historinha interpretada pelos próprios músicos, entre canções apresentadas num teatro e com o elenco dialogando com o público. Arrigo Barnabé estrela como o diretor teatral que também é cantor e, ainda por cima, namora a cantora da banda. A exibição começa em apenas uma sala no Rio e pretende aumentar seu alcance na próxima semana. As últimas novidades são quatro lançamentos europeus. Gérard Depardieu chegou a vir ao Rio para lançar “O Vale do Amor”, drama que ele estrela com Isabelle Huppert, sem circuito divulgado. Além do enorme talento, a dupla demonstra uma química inegável, construída ao longo das décadas – este é seu terceiro encontro nas telas, após 35 anos da última parceria. Por coincidência, na trama eles vivem um casal separado há muitos anos, que se reencontra no Vale da Morte, na Califórnia, para cumprir o último desejo do filho, morto seis meses antes. Ambos foram indicados ao César (o Oscar francês) por seus papéis. As demais estreias não empolgam. O drama “Lembranças de um Amor Eterno” leva a 46 salas o pior filme do diretor italiano Giuseppe Tornatore, em que Jeremy Irons (“Batman vs. Superman”) é um astrônomo num relacionamento à distância com Olga Kurylenko (“Oblivion”). O mesmo ator também vive um acadêmico na produção inglesa “O Homem que Viu o Infinito”, cinebiografia apelativa e reducionista do gênio autodidata indiano S. Ramanujan, interpretado por Dev Patel (“O Exótico Hotel Marigold”), em 25 salas. Por fim, merecendo apenas seis salas, “Belas Famílias” perpetua os clichês das comédias francesas sobre infidelidade, desperdiçando o bom ator Mathieu Amalric (“O Escafandro e a Borboleta”).

