Jean-Francois Stévenin (1944–2021)
O ator francês Jean-Francois Stévenin morreu nesta quarta (28/7) aos 77 anos, de causa não divulgada. Segundo informou seu filho, ele estava internado num hospital há alguns dias. Stévenin começou a carreira na virada dos anos 1970 trabalhando em clássicos da nouvelle vague, a maioria dirigidos por François Truffaut, como “O Garoto Selvagem” (1970), “Uma Jovem tão Bela Quanto Eu” (1972), “A Noite Americana” (1973) e “Na Idade da Inocência” (1976). Também filmou com Jacques Rivette obras icônicas como “Não me Toque” (1971), “Out 1: Spectre” (1972) e “Um Passeio por Paris” (1981). A experiência com os gênios a nouvelle vague o inspirou a se aventurar atrás das câmeras. Ele dirigiu três longas de forma bastante espaçada: “Passe Montagne” (1978), “Doubles Messieurs” (1986) e “Mischka” (2002). Todos se tornaram cultuados. A partir dos anos 1980, ele se tornou um coadjuvante bastante requisitado, estrelando muitos filmes franceses populares, que lhe garantiram uma carreira longeva. Entre os trabalhos mais marcantes de sua filmografia, destacam-se ainda “Um Quarto na Cidade” (1982), de Jacques Demy, “Meu Marido de Batom” (1986), de Bertrand Blier, “O Pacto dos Lobos” (2001), de Christophe Gans, e “Uma Passagem para a Vida” (2002), de Patrice Leconte, sem esquecer seu trabalho com o americano Jim Jarmusch em “Os Limites do Controle” (2006). Requisitadíssimo até o final da vida, ele deixa três filmes inéditos no circuito comercial, incluindo “Entre Nous”, que teve première no recente Festival de Cannes.
Michael Lonsdale (1931 – 2020)
O ator Michael Lonsdale, que ficou conhecido como o herói de “O Dia do Chacal” e o vilão de “007 Contra o Foguete da Morte”, morreu nesta segunda-feira (21/8) em sua casa em Paris aos 89 anos, após uma carreira de seis décadas. Filho de pai britânico e mãe francesa, Lonsdale cresceu em Londres e no Marrocos, onde descobriu o cinema de Hollywood em sessões com as tropas americanas durante a 2ª Guerra Mundial, mas só foi se dedicar às artes ao regressar a Paris em 1947, por influência de seu tio Marcel Arland, diretor da revista literária NRF. Ele estreou no teatro aos 24 anos e logo se mostrou interessado por experiências radicais, em adaptações de Eugène Ionesco e em parcerias com Marguerite Duras. A estreia no cinema aconteceu em 1956, sob o nome Michel Lonsdale. Ele participou de várias produções francesas até sofrer sua metamorfose, virando Michael ao ser escalado por Orson Welles em “O Processo” (1962), adaptação do célebre texto de Kafka rodada na França com Anthony Perkins e Jeanne Moreau. Dois anos depois, voltou a ser dirigido na França por outro mestre de Hollywood, Fred Zinnemann, no drama de guerra “A Voz do Sangue” (1964). Mas apesar da experiência com dois dos maiores cineastas hollywoodianos, decidiu retomar o nome Michel e mergulhar no cinema de arte francês, atuando em clássicos da nouvelle vague como “A Noiva Estava de Preto” (1968) e “Beijos Proibidos” (1968), ambos de François Truffaut, “Sopro no Coração” (1971), de Louis Malle, e “Não me Toque” (1971) e “Out 1: Spectre” (1972), os dois de Jacques Rivette. Entretanto, Fred Zinnemann não o esqueceu e se tornou responsável por introduzi-lo no cinema britânico, ao lhe dar um papel de destaque na adaptação do thriller “O Dia do Chacal” (1973), como o obstinado detetive Lebel, que enfrentou o vilão Carlos Chacal. Ele chegou a ser indicado ao BAFTA (o Oscar britânico), mas não foi desta vez que voltou a ser Michael, permanecendo no cinema francês com papéis em “Deslizamentos Progressivos do Prazer” (1974), de Alain Robbe-Grillet, e “O Fantasma da Liberdade” (1974), de Luis Buñuel, onde chegou a mostrar seu traseiro em cenas sadomasoquistas, pelo “amor à arte”. Paralelamente, aprofundou sua relação com a escritora Marguerite Duras, estrelando quatro filmes que ela dirigiu: “Destruir, Disse Ela” (1969), “Amarelo o Sol” (1971) e “India Song” (1975), onde se destacou como um vice-cônsul torturado, repetindo o papel em “Son Nom de Venise dans Calcutta Désert” (1976). No mesmo ano de “India Song”, que o projetou como protagonista, Lonsdale estrelou o clássico “Sessão Especial de Justiça” (1975), de Costa-Gravas, cuja denúncia do sistema penal à serviço de governos corruptos (no caso, da França ocupada por nazistas) rendeu discussões acaloradas – assim como censura – em vários países. A repercussão do filme de Costa-Gravas o projetou para além da França, levando-o a trabalhar com o inglês Joseph Losey (“Galileu”, “A Inglesa Romântica” e “Cidadão Klein”) e o austríaco Peter Handke (“A Mulher Canhota”), o que o colocou no radar dos produtores da franquia “007”. Em “007 Contra o Foguete da Morte” (1979), Lonsdale viveu o diabólico Drax, um industrial bilionário e pianista, que pretendia envenenar a população da Terra e, em seguida, repovoar o planeta com alguns escolhidos, que ele selecionou para viver em sua estação espacial. O ator comparou seu personagem a Hitler em uma entrevista de 2012. “Ele queria destruir todo mundo e fazer surgir uma nova ordem de jovens muito atléticos… ele estava completamente louco.” Para enfrentar o James Bond vivido por Roger Moore, Lonsdale decidiu voltar a ser Michael e assim foi “adotado” pelo cinema britânico, aparecendo em seguida num dos filmes ingleses mais bem-sucedidos de todos os tempos, “Carruagens de Fogo” (1981). Lonsdale também participou do blockbuster “O Nome da Rosa” (1986) e de vários filmes notáveis dos anos seguintes, firmando parceria com o mestre do drama de época britânico James Ivory nos clássicos “Vestígios do Dia” (1993) e “Jefferson em Paris” (1995), no qual interpretou o imperador Luis XVI. Apesar do sucesso em inglês, ele nunca filmou nos EUA, mas trabalhou em mais três thrillers de diretores americanos famosos. Dois desses filmes foram dirigidos na Inglaterra por John Frankenheimer: “O Documento Holcroft” (1985), estrelado por Michael Caine, e “Ronin” (1998), em que contracenou com Robert De Niro. O terceiro foi “Munique” (2005), de Steven Spielberg, em cenas rodadas na França. Mesmo com essas experiências, ele nunca se interessou por Hollywood, preferindo trabalhar com cineastas europeus como Milos Forman (“Sombras de Goya”), François Ozon (“O Amor em 5 Tempos”), Catherine Breillat (“A Última Amante”), Ermanno Olmi (“A Aldeia de Cartão”), Xavier Beauvois (“Homens e Deuses”) e até o centenário cineasta português Manoel de Oliveira (no último longa do diretor, “O Gebo e a Sombra”). Ativo até 2016, quando se aposentou, Lonsdale só foi receber seu primeiro grande prêmio na véspera de seus 80 anos, o César (equivalente francês do Oscar) por seu papel coadjuvante como sacerdote livre e heroico em “Homens e Deuses” (2010). A consagração como homem de fé foi importante não apenas para a carreira de Lonsdale. Ele professava fé cristã pela influência de uma madrinha cega e, em 1987, ingressou na Renovação Carismática Católica antes de fundar o “Magnificat”, um grupo de oração para artistas. Solteiro e sem filhos, Lonsdale também foi pintor e emprestou sua voz inconfundível a inúmeros documentários e audiolivros.
Festival de Berlim assume compromisso de ter mais cineastas femininas em sua seleção
O Festival de Berlim 2019 vai se juntar à iniciativa de outras grandes eventos do cinema europeu, ao se comprometer a aumentar a quantidade de filmes de cineastas femininas em sua seleção. Os festivais de Cannes, Veneza, Locarno e Sarajevo já assinaram o mesmo pacto Dieter Kosslick, o diretor do festival, vai firmar o compromisso no dia 9 de fevereiro, durante cerimônia da edição 2019 do evento. Ele será acompanhado de ativistas do grupo 5050×2020, que idealizou o pacto, introduzido em Cannes. Os festivais de Cannes, Veneza, Locarno e Sarajevo já assinaram o mesmo pacto, que assume o compromisso de tornar o processo de seleção de seus filmes mais transparente. Além disso, o texto determina que metade das posições de gerência do festival sejam preenchidas por mulheres. No comunicado sobre a decisão, Kosslick destacou que o Festival de Berlim 2019 está bem mais perto do equilíbrio de gêneros que os demais festivais europeus. “Neste ano, temos 17 filmes concorrendo ao Urso de Ouro, e sete são dirigidos por mulheres”, relembrou. Vale lembrar que o Festival de Veneza foi muito criticado por sua edição de 2018, por selecionar apenas um filme dirigido por mulheres para a competição principal: “The Nightingale”, da australiana Jennifer Kent (“O Babadook”). No ano passado, o vencedor do Festival de Berlim foi “Não me Toque”, dirigido por uma mulher: a romena Adina Pintilie. Neste ano, o evento cinematográfico alemão acontece de 7 a 17 de fevereiro.
Jacques Rivette (1928 – 2016)
Morreu o cineasta francês Jacques Rivette, integrante original da nouvelle vague, que se especializou em filmes sobre teatro, mulheres e experimentalismo, criando uma filmografia cultuadíssima, que desafia a cinefilia. Ele faleceu na sexta (29/1) aos 87 anos de idade e, de acordo com a imprensa francesa, sofria do Mal de Alzheimer há alguns anos. Seu nome de batismo era Pierre Louis Rivette. Ele nasceu em 1928 em Rouen, Seine-Maritime, na França. Estudou brevemente literatura na universidade, até ler o livro de Jean Cocteau sobre as filmagens de “A Bela e a Fera” (1949), que lhe despertou o desejo de virar cineasta. Em 1949, ele rodou o seu primeiro curta-metragem, “Aux Quatre Coins”, em sua cidade natal. E no ano seguinte mudou-se para Paris para seguir sua paixão, passando a ser presença constante no Cine-Clube du Quartier Latin e na Cinémathèque Française. Foi na Cinémathèque, em 1950, que veio a conhecer os jovens Claude Chabrol, Jean-Luc Godard e François Truffaut, que devoravam filmes antigos na primeira fila da projeção, chamando atenção por participar ativamente de debates após as sessões. Naquele ano, ele também filmou seu segundo curta, “Le Quadrille”, produzido e estrelado por Godard, e no qual, segundo o próprio Rivette, “absolutamente nada acontece”. Quando o filme foi exibido no Ciné-Club du Quartier Latin, as pessoas começaram a sair, e, no final, os únicos que ficaram foram Godard e uma menina. Rivette começou a escrever críticas de cinema em 1950 para a Gazeta du Cinéma, co-fundada pelo cineasta Éric Rohmer, e foi contratado por André Bazin no ano seguinte para ajudar a lançar a Cahiers du Cinéma. Com ele, vieram todos os enfant terribles da Cinémathèque, mas Rivette foi quem chamou mais atenção por textos em que defendia diretores de Hollywood, como Howard Hawks, John Ford, Nicholas Ray, Alfred Hitchcock e Fritz Lang, ao mesmo tempo em que atacava o “cinema francês de qualidade”, de cineastas como Claude Autant-Lara, Henri-Georges Clouzot e Rene Clement, escrevendo que eles tinham medo de assumir riscos e tinham se corrompido por dinheiro. A colaboração entre o grupo era tão intensa que “O Truque do Pastor” (1956), novo curta de Rivette, foi escrito e produzido por Chabrol. O próprio Chabrol ainda aparecia em cena, com Godard e Truffaut, fazendo figuração. Rivette também ensaiou uma metragem maior, com “Le Divertissement” (1952), que durava 45 minutos. E, após entrevistar diversos cineastas famosos, considerou-se pronto para filmar seu primeiro longa-metragem. “Paris nos Pertence” (1961) levou três anos para ser filmado, devido ao desafio financeiro de se fazer cinema independente. A obra provocava já no título e estabeleceu os princípios da “experiência Rivette” de cinema, sempre à beira do fantástico e do delírio lúdico e noturno, e usando o teatro como metáfora da aventura humana. Na trama, um grupo de jovens atores ensaia para uma produção de Shakespeare que nunca estreia, enquanto fornecem uma mostra da vida boêmia de Paris no final dos anos 1950. Chabrol, Godard, Jacques Demy e Rivette aparecem em papéis menores. A demora em finalizar seu filme o deixou para trás, quando as estreias de Chabrol (“Nas Garras do Vício”, 1958), Truffaut (“Os Incompreendidos”, 1959) e Godard (“Acossado”, 1960) sacudiram os festivais de cinema, chamando atenção para o movimento nouvelle vague. Chabrol já estava no quarto longa quando “Paris nos Pertence” chegou às telas. E para complicar, assim como os primeiros filmes de Éric Rohmer, seu debut não obteve a mesma repercussão que os trabalhos dos colegas. A falta de uma estreia impactante manteve Rivette por mais tempo na Cahiers, onde se tornou editor, entre 1963 e 1965, levando a revista a adotar uma perspectiva semiótica e deixando-a à beira da falência. Em suas próprias palavras, ser crítico nunca foi seu objetivo, apenas “um bom exercício”. Para seu segundo longa-metragem, Rivette escolheu uma adaptação do romance “A Religiosa”, de Denis Diderot. Incapaz de conseguir financiamento para o projeto, ele dirigiu uma versão teatral, produzida por Godard e estrelada pela mulher dele, Anna Karina. Foi um fracasso completo, mas Karina, que depois também estrelou o filme, ganhou prêmios por sua interpretação. Isto inspirou o diretor a aprofundar o roteiro e buscar parceiros para a produção. A repercussão começou já no anúncio das filmagens, quando a Igreja Católica e integrantes do comitê responsável pela censura cinematográfica avisaram que o longa não passaria nos cinemas. Publicada em 1796, a obra de Diderot demonstrava a brutalidade da Igreja, que mantinha jovens confinadas em conventos contra a própria vontade, e se manifestava por meio de cartas de uma noviça pedindo ajuda para escapar daquela vida. Rivette conseguiu ganhar aprovação da censura, mas mesmo assim o filme foi banido por pressão da Igreja. Diversos jornalistas e cineastas protestaram, criando grande expectativa para sua première no Festival de Cannes, que acolheu a obra, juntando-se ao protesto. Com cenas de tortura psicológica, freiras lésbicas e monges libidinosos, “A Religiosa” foi recebido com palmas entusiasmadas. Diante dos elogios da crítica, a censura foi confrontada e o filme pôde chegar aos cinemas, tornando-se, graças à publicidade criada pela polêmica, o maior sucesso da carreira do cineasta. Sua fama de agitador atingiu o ápice na primavera de 1968, quando liderou um movimento contra o afastamento do diretor da Cinémathèque pelo Ministério da Cultura, que levou milhares às ruas e envolveu distribuidores de cinema ao redor do mundo. Sem se contentar com a vitória nesta batalha, aproveitou o ímpeto para exigir o fim da censura e a ingerência do governo no cinema francês, o que levou a uma histórica interrupção do Festival de Cannes em solidariedade. Era maio de 1968 e a imaginação acreditava que chegaria ao poder. Querendo manifestar essa efervescência em filme, Rivette buscou romper com os limites do cinema em seu trabalho seguinte, “L’Amour Fou” (1969). Dispensou o roteiro, a construção de cenas, as convenções e a estrutura de filmagem para realizar uma obra baseada na improvisação. O fiapo de trama acompanhava o ensaio de um grupo de teatro, por sua vez filmado por uma equipe de documentário, e complementado por um drama de bastidores entre o diretor teatral e sua esposa, que também é a atriz principal da peça dentro do filme. A atriz era Bulle Ogier, que se tornaria musa de Rivette, voltando em várias de suas obras. Outra curiosidade é que o longa misturava diferentes bitolas – as cenas do documentário foram filmadas em 16mm -, e terminava num longo take sem cortes da discussão do casal central, culminando na destruição do apartamento em que eles viviam. Entusiasmado com o resultado, o cineasta quis ampliar ainda mais a potencialidade dessa experiência e rodou 30 horas de um novo filme sem roteiro, baseando-se, mais uma vez, em ensaios teatrais e personagens boêmios. Ao editar o resultado em “Não me Toque” (Out 1, 1971), o filme registrou 12 horas e 40 minutos de duração, exibindo múltiplos personagens, vagamente conectados por histórias independentes, cujas tramas se entrelaçavam e revelavam novos personagens com suas próprias tramas paralelas. E tudo a partir da obsessão de um vigarista (Jean-Pierre Leaud), que dizia receber mensagens ocultas do conto “História dos Treze”, de Honoré de Balzac. Apesar da longa duração, ampliada por um ritmo narrativo lento, a ousadia de levar ao limite a estrutura de multiplots teve grande impacto no cinema autoral dos anos seguintes, influenciando Robert Altman, Krzysztof Kieślowski e até Alejandro González Iñárritu. Mas os cinemas não aceitaram a duração de “Não me Toque”, que teve uma première de gala na Casa da Cultura de Le Havre, na Normandia, assistida por 300 pessoas que viajaram de Paris especialmente para a sessão em setembro de 1971. E só. Rivette chegou a planejar exibir o trabalho em capítulos como uma série na TV. Nenhum canal se interessou. Com ajuda da roteirista Suzanne Schiffman, o diretor passou um ano editando uma versão condensada da obra, que batizou de “Out 1: Spectre”. Lançado em 1974, a síntese durava quatro horas e meia e se tornou a versão mais conhecida, até que, em 1989, o Festival de Roterdã resolveu resgatar a maratona original, inspirando a TV francesa a finalmente exibi-la. Depois disso, o filme só foi ganhar sua terceira exibição pública em 2006, como a obra que inaugurou o Museum of the Moving Image, em Nova York, ocasião em que esgotou todos os ingressos e ganhou a fama de ser “O Santo Graal” dos cinéfilos. Seu filme seguinte seguiu rota oposta, com um roteiro bastante estruturado. “Céline e Julie Vão de Barco” (1974) mergulhava na fantasia com referências a “Alice no País das Maravilhas”, mostrando duas desconhecidas: Julie (Dominique Labourier), que segue Céline (Juliet Berto) pelas ruas de Paris e, às vezes, troca de lugar com a outra, até que ambas se vêem transportadas para um drama de época (baseado em contos de Henry James), como se fosse um sonho compartilhado que elas podiam controlar, feito autoras de um livro mágico. Venceu o Prêmio do Júri do Festival de Locarno e influenciou toda a estética “onírica” do diretor David Lynch, mas seu impacto pode ser conferido mesmo no cinema comercial, na trama da comédia “Procura-se Susan Desesperadamente” (1985), estrelada por Madonna. As críticas positivas à forma como destacou a amizade das protagonistas levaram Rivette a planejar uma quadrilogia dedicada às mulheres, batizada de “Cenas da Vida Paralela”, em que cada filme combinaria romance e fantasia. Seu objetivo com esse projeto era aproximar o cinema da poesia. Ele chegou a filmar “Duelo” e “Noroeste” em 1976, opondo personagens fantasiosas, como a Rainha da Noite e a Rainha do Sol e duas piratas, mas sofreu um colapso nervoso durante a produção do terceiro filme, abandonando o projeto em seu começo, após “Duelo” receber críticas negativas e “Noroeste” ser considerado medíocre e ter sua distribuição recusada, causando problemas entre o diretor e seus produtores. Em baixa, Rivette aceitou filmar “Merry-Go-Round” em 1978 por sugestão dos produtores, porque Maria Schneider, a estrela de “O Último Tango em Paris” (1972), queria filmar com ele. O elenco também incluía Joe Dallesandro, muso dos filmes underground de Andy Warhol, numa história de crime de contexto surreal, em que a trilha sonora era tocada por músicos presentes na trama. O filme só chegou aos cinemas em 1981, mesmo ano em que o diretor rodou “Um Passeio por Paris”, considerado o final de uma trilogia sobre a Paris de sua geração – iniciada por “A Cidade Nos Pertence” e “Não Me Toque”. O elenco reunia Bulle Ogier e sua filha, Pascale, como duas mulheres que se encontram de forma aleatória e investigam um mistério estranho e surreal nas ruas da capital francesa, envolvendo vários personagens chamados Max. Como ensaio para esse longa, Rivette ainda dirigiu um curta, “Paris s’en Va”. De volta à filmagem de ensaios teatrais, “Amor por Terra” (1984) trazia Jane Birkin e Geraldine Chaplin como irmãs atrizes, que, após uma apresentação num pequeno apartamento, são convidadas a ensaiar o texto de outra peça numa mansão, baseada na vida do diretor, onde começam a ter visões de uma tragédia prestes a se repetir. Uma das curiosidades desse roteiro é que as irmãs eram Emily e Charlotte, como as irmãs Brontë, e o próximo filme de Rivette, em contraste com sua filmografia experimental, foi uma adaptação de “O Morro dos Ventos Uivantes” (1985), de Emily Brontë, transposta para o sul da França nos anos 1930. Insistente em seu tema, Rivette rodou “O Bando das Quatro” (1989) sobre quatro estudantes de teatro, cujas vidas se alternam entre as peças que ensaiavam e a vida real. Por ocasião da première no Festival de Berlim, ele explicou porque gostava tanto de filmar ensaios: “É muito mais interessante mostrar o trabalho de criação do que o resultado”. O diretor gostou tanto de trabalhar com as jovens atrizes de “O Bando das Quatro” que a experiência o motivou a voltar ao teatro, dirigindo duas peças com as protagonistas do filme. O período também o preparou para rodar o filme que muitos consideram sua obra-prima. Vagamente inspirado num conto de Honoré de Balzac, “A Bela Intrigante” (1991) mostrava como a chegada de uma jovem (Emmanuelle Béart) inspirava...


