Na Praia à Noite Sozinha traz a banalidade ousada do cinema de Hong Sang-soo
O cinema do sul coreano Hong Sang-soo é ousado, na medida em que ele se permite mostrar cenas e personagens em que, aparentemente, nada acontece e nem se pode dizer que conversem sobre questões profundas. Além disso, comem e, principalmente, bebem quase todo o tempo, em volta de mesas de conversa, que muitas vezes descambam para o descontrole, motivado certamente pelo consumo do álcool. No entanto, é um cinema original, cheio de vida e de verdade, de pessoas e situações banais, mas autênticas. Por que mostrá-las, se não são heróis, figuras extraordinárias, grandes pensadores, filósofos, ou gente revolucionária que, com sua ação, mudam o mundo? Ou, ainda, que sejam capazes de descobrir o sentido da vida? Porque a vida é feita assim, de momentos felizes, rotineiros, agradáveis ou incômodos. A atriz Younghee, personagem de “Na Praia à Noite Sozinha”, é bem sucedida no seu trabalho, mas ainda não se encontrou, não sabe direito quem é, o que quer, onde seria bom morar, se vale a pena investir numa relação amorosa, da qual ela duvida, e muitas vezes não tem paciência nos relacionamentos que mantém com amigos e parentes. Vive uma questão existencial, que esbarra nas pequenas coisas do cotidiano e na falta de um projeto de vida que a impulsione para algum lugar. Enfrenta, portanto, os aborrecimentos decorrentes dessa condição, as tentativas um tanto toscas de resolver suas pendências, o incômodo tanto da solidão como do convívio social, que não constroem nada de muito concreto. O filme se torna, assim, melancólico, como sua protagonista, interpretada por Kim Min-hee em seu segundo trabalho com o diretor – após “Certo Agora, Errado Antes” (2015). Pelo desempenho, ela venceu o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim deste ano. Hong Sang-soo mantém o clima leve das cenas que vimos em outros belos trabalhos dele, como “HaHaHa” (2010), “A Filha de Ninguém” (2013), e o mencionado “Certo Agora, Errado Antes”, mas a insatisfação pesa mais aqui. Pode haver lances patéticos, mas a perda de rumo não chega a ser uma coisa divertida. A falta de um horizonte acaba se transformando em angústia, deixando no ar decisões importantes que, na verdade, não podem ser tomadas. Tudo isso se deduz a partir de cenas e sequências que apenas mostram pequenos incômodos ou problemas, ao lado de uma dificuldade atávica para lidar com eles. Ou de lhes dar a importância que, de fato, eles têm. Na base de tudo, a necessidade e a falta do amor. E também uma certa incapacidade de buscá-lo, de lutar por ele.
Blade Runner 2049 é a estreia obrigatória da semana nos cinemas brasileiros
Um dos filmes mais esperados do ano estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta (5/10). Mas a distribuição não faz justiça à produção, que está sendo chamada de “obra-prima” pela crítica norte-americana. Tudo porque os cinemas estão priorizando um lançamento de DVD. “Blade Runner 2049” chega em 744 cinemas, a maioria com projeção em 3D, enquanto o filme com atores do “Pica-Pau” estreia em 753 salas. Com 95% de aprovação no site Rotten Tomatoes, “Blade Runner 2049” está sendo considerado melhor que o original de 1982. A direção de Denis Villeneuve (“A Chegada”), os efeitos visuais, a cenografia e a atuação de Harrison Ford são os pontos mais elogiados. A ficção científica gira em torno da investigação de um novo caçador de androides (blade runner), o oficial K (Ryan Gosling, de “La La Land”), que descobre um segredo há muito tempo enterrado com o potencial de mergulhar o que resta da sociedade no caos. A descoberta o leva a uma busca por Rick Deckard (Harrison Ford), o ex-blade runner que está desaparecido há 30 anos. Por sua vez, “Pica-Pau – O Filme” tem como destaque a participação de uma atriz brasileira, Thaila Ayala (da novela “Ti-Ti-Ti”). Mesclando o passarinho animado com atores reais, o longa se concentra numa briga de território entre o Pica-Pau e o vigarista Lance Walters (Timothy Omundson, da série “Galavant”) e sua namorada Vanessa (Ayala). Para conseguir construir a casa dos sonhos, os dois planejam derrubar a floresta do Pica-Pau, que promete não deixar barato. Ou seja, é a velha história dos desenhos do personagem – e também do Pato Donald contra Tico e Teco, do Lorax, etc. A equipe responsável é especializada em continuações de baixo orçamento para o mercado de home video (lançamentos direto em DVD). O diretor Alex Zamm e o roteirista William Robertson trabalharam juntos em três vídeos do gênero: “Inspetor Bugiganga 2” (2003), “Um Herói de Brinquedo 2” (2014) e “Os Batutinhas: Uma Nova Aventura” (2014). “Pica-Pau” também deve ser lançado em DVD – ou streaming – no mercado norte-americano, onde ainda não tem previsão de estreia. Mas chega com distribuição de blockbuster no Brasil. A programação dos shoppings ainda destaca mais três lançamentos amplos. Um deles é outro “O Filme” para crianças. O título de “My Little Pony – O Filme” soa estranho aos ouvidos, porém ajuda a diferenciar de “Meu Pequeno Pônei – O Filme” (1986). A franquia já tinha rendido um longa animado há 30 anos, mas o novo lançamento é bem diferente da versão retrô do “Xou da Xuxa”. O design segue de perto o reboot de 2015, a série “My Little Pony: A Amizade é Mágica”. Até a roteirista é a mesma. O que faz deste “O Filme” uma espécie de episódio especial do desenho, projetado no cinema. A trama mostra como o mundo cor-de-rosa da princesa de Equestria vira do avesso com a chegada da vilã Tempest (“Tem peste”, na dublagem nacional). E para vencer as forças invasoras, as seis pôneis protagonistas precisarão virar as… Pequenas Sereias Pôneis! Há até um versão “Pony” da cantora Sia, de franjinha, que canta a música-tema da produção. Mas o detalhe que mais preocupa é que o filme foi escondido da crítica. Besteirol brasileiro da semana, “Chocante” conta a história de ex-integrantes de uma boy band que, quarentões e decadentes, revolvem voltar a fazer shows. A boy band da meia-idade é formada por Bruno Mazzeo (“E Aí… Comeu?”), Lucio Mauro Filho (“Vai que Dá Certo”), Marcus Majella (“Um Tio Quase Perfeito”) e Bruno Garcia (“De Pernas pro Ar 3”), e o elenco também destaca Tony Ramos (série “Vade Retro”). A direção é de Johnny Araújo (“O Magnata”). Já “Churchill” integra uma overdose de produções sobre o mais famoso Primeiro Ministro britânico. Além da série “The Crown”, que rendeu um Emmy ao ator John Lithgow pelo papel, vem aí “O Destino de uma Nação”, com o qual Gary Oldman almeja uma indicação ao Oscar. A estreia atual é uma produção britânica intimista e anticlimática, que traz Brian Cox (“A Autópsia”) como protagonista e foi considerada medíocre pela crítica norte-americana (46% de aprovação). O circuito limitado completa a programação com dois filmes franceses e um drama sul-coreano. O mais divertido é a comédia “Rock’n roll – Por Trás da Fama”, escrito, dirigido e estrelado por Guillaume Canet (“Na Próxima, Acerto o Coração”) no papel de si mesmo. O filme expõe com bom humor a crise de meia-idade do astro e desglamouriza seu cotidiano com sua esposa famosa, Marion Cotillard (“Um Instante de Amor”), também vivendo a si mesma. O mais previsível é “O Melhor Professor da Minha Vida”, que requenta a velha história do professor bem-intencionado que vai dar aula na periferia e muda a vida de alunos carentes. E o mais “artístico” é “Na Praia à Noite Sozinha”, que rendeu o prêmio de Melhor Atriz para Kim Min-hee (“A Criada”) no Festival de Berlim. Trata-se de mais um filme típico de Hong Sang-soo, um diretor hermético que caiu nas graças dos distribuidores brasileiros, tendo suas obras sistematicamente lançadas no país. Todas são sobre situações banais, filmadas com câmera estática e geralmente incluem consumo de álcool, que serve de ponto de partida para “revelações”, enquanto o diretor experimenta com a narrativa cinematográfica. Esta banalidade disfarçada em estilo tem sido consagrada em inúmeros festivais e convertido cinéfilos ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, entedia os não iniciados. Clique nos títulos destacados de cada filme para ver os trailers de todas as estreias da semana.
Mostra Indie 2017 traz retrospectiva de Philippe Garrel, clássicos e filmes premiados nos grandes festivais
A mostra Indie completa 17 anos de poucas concessões, trazendo alguns dos cineastas mais obscuros e as produções mais autorais do cinema contemporâneo ao Brasil. Em 2017, o evento “começa ao contrário”, por São Paulo, estendendo-se por um semana a partir de quarta (13/9), antes de ser retomado em Belo Horizonte, seu lar original, na terça (20/9). Entre os 43 filmes, selecionados de 15 países, 22 pertencem a uma retrospectiva do diretor francês Philippe Garrel, mais conhecido das novas gerações como o pai do galã Louis Garrel. O próprio cineasta selecionou os títulos e decidiu quais seriam exibidos em cópias de 35mm e quais teriam exibição digital. Nove filmes fazem parte do começo experimental de sua carreira – obviamente – , incluindo o curta “Actua I” (1968), um registro raro de maio 1968, cuja cópia era considerada perdida até pouco tempo. Mas a maior curiosidade é “La Cicatrice Intérieure” (1972, foto acima), estrelado pela modelo, atriz e cantora Nico, da banda Velvet Underground. A tradicional Mostra Mundial traz 16 filmes anti-comerciais, dentre eles seis dirigidos por mulheres. Os destaques são para “Na Praia à Noite Sozinha”, do sul-coreano Hong Sang-Soo, que vendeu o prêmio de Melhor Atriz (Kim Minhee) no Festival de Berlim deste ano, e “Jovem Mulher”, da francesa Léonor Serraille, premiado com a Câmera de Ouro (melhor primeiro filme) no Festival de Cannes 2017. O festival também tem uma seção chamada Clássica, que apresentar clássicos restaurados. Este ano, terão projeção em 4K duas obras-primas que estão completando 50 anos: “A Bela da Tarde” (1967), de Luis Buñuel, e “A Primeira Noite de Um Homem” (1967), de Mike Nichols. A lista também inclui “Stromboli” (1950), de Roberto Rossellini, “Acossado” (1960), de Jean Luc-Godard, e o contemporâneo “Mulholland Drive – Cidade dos Sonhos” (2001), de David Lynch. Para saber mais sobre a programação do evento, cinemas e horários, visite o site oficial.


