“O Último Duelo” e os filmes da semana em streaming
A programação de estreias digitais combina filmes que passaram rapidamente pelos cinemas com títulos inéditos no Brasil. O principal destaque é a oportunidade de assistir “O Último Duelo”, que foi pouco visto no circuito cinematográfico, mas é bem melhor que “Casa Gucci”, o filme mais falado do diretor Ridley Scott em 2021. O novo “Resident Evil” também chega às locadoras digitais, mas não melhora em tela pequena. Mesmo assim, é um título que muitos vão arriscar, embora existam outras opções. Confira abaixo algumas delas, na relação com as 10 estreias mais relevantes entre os lançamentos da semana em streaming e VOD. O ÚLTIMO DUELO | STAR+ Pouco antes de lançar “Casa Gucci”, Ridley Scott (“Gladiador”) retomou sua paixão por épicos históricos nesta dramatização de eventos que teriam ocorrido na França do século 14. A denúncia de estupro de uma mulher casada leva o marido, recém-chegado das cruzadas, a requisitar o direito de duelar até a morte com o acusado, que nega ter abusado dela. O embate é extremamente violento e reflete toda a misoginia da época – que persiste ainda hoje – , disfarçada de cavalheirismo. O ótimo elenco destaca Matt Damon (com quem Scott trabalhou em “Perdido em Marte”) e Adam Driver (“Star Wars: Os Últimos Jedi”) como os duelistas, Jodie Comer (“Killing Eve”) na pele da mulher ultrajada e, como coadjuvante de luxo, um loiro e irreconhecível Ben Affleck (“Liga da Justiça”), que também assina o roteiro com seu velho amigo Matt Damon. Os dois parceiros não concebiam um roteiro juntos desde que venceram o Oscar por “Gênio Indomável”, que eles igualmente estrelaram em 1997. BRANCO NO BRANCO | FILMICCA Consagração do chileno Théo Court, que levou o prêmio de Melhor Direção na mostra Horizontes do Festival de Veneza, “Branco no Branco” é um espetáculo visual que questiona sua própria beleza, como manifestação da violência colonialista. A trama acompanha a viagem de um fotógrafo (Alfredo Castro, de “O Clube”) à Terra do Fogo para registrar o casamento de um poderoso fazendeiro. Ao chegar lá, descobre que a noiva é uma criança e busca transformar sua imagem, sexualizando-a. O resultado agrada ao fazendeiro, que decide transformar o fotógrafo em funcionário para eternizar todas as suas realizações, como o genocídio dos nativos Selk’nam. Lançado em 2019 e até então inédito no Brasil, o filme ganhou ao todo 9 prêmios internacionais e atingiu 100% de aprovação no Rotten Tomatoes. THE DOG WHO WOULDN’T BE QUIET | MUBI O sexto longa de Ana Katz (“Sueño Florianópolis”) é também o mais experimental e singelo trabalho da cineasta argentina. Uma ode à vida simples, gira em torno de um homem comum, dedicado a seu cachorro fiel, que trabalha em uma série de empregos temporários banais. À medida que avança na idade adulta, ele navega no amor, na perda e na paternidade, até que o mundo é abalado por uma súbita catástrofe. Filmado em preto e branco e apresentado como uma coleção de vinhetas, que contam pequenos detalhes da vida do protagonista ao longo do tempo, o filme foi chamado de obra-prima pela crítica internacional. Premiado nos festivais de Roterdã, Mar del Plata e outros, tem 100% de aprovação no Rotten Tomatoes. MUNIQUE: NO LIMITE DA GUERRA | NETFLIX A trama se passa em 1938, quando Adolf Hitler se prepara para invadir a Tchecoslováquia. Contra todas as evidências de guerra, o Primeiro Ministro britânico Neville Chamberlain busca desesperadamente uma solução pacífica, apostando todas suas fichas na diplomacia, representada pela Conferência de Munique. Mas as concessões oferecidas apenas fortaleceram o nazismo, ao mostrar os países europeus como submissos à sua vontade. A impecável recriação histórica é também uma lembrete de como fascistas de ontem e hoje veem democratas como fracos de quem podem se aproveitar. Inédito nos cinemas, o drama do alemão Christian Schwochow (“Paula”) destaca em seu elenco George MacKay (“1917”), Jannis Niewöhner (“O Caso Collini”) e Jeremy Irons (“Watchmen”) no papel de Chamberlain. VIDA DE CAMPEÃ | NOW, VIVO PLAY, VOD* O drama do canadense Pascal Plante (“As Falsas Tatuagens”) acompanha a atleta Nadia, que decide se aposentar da natação profissional após participar dos Jogos Olímpicos. Ela quer escapar de uma vida inteira de sacrifícios e uma rotina muito rígida. Mas depois de sua última prova e de mergulhar nos excessos da vida noturna, vem a dúvida. Elogiadíssimo, o filme reflete as experiências pessoais do diretor como nadador competitivo, mostrando cenas realistas de natação para fazer um estudo de caráter psicológico sobre o esporte. MATE-ME POR FAVOR | NETFLIX O filme brasileiro de 2015 marcou a estreia em longas da curta-metragista Anita Rocha da Silveira e de boa parte de seu elenco, contando uma história que mescla mistério, drama e humor, e que tem como pano de fundo uma série de assassinatos que despertam a imaginação de um grupo de jovens. A diretora e a protagonista Valentina Herszage acabaram premiadas no Festival do Rio, dando início a carreiras consagradas – o novo filme da cineasta, “Medusa”, venceu três festivais internacionais. Estava inédito em streaming e chega no domingo (23/1) na Netflix. MADALENA | NOW, VIVO PLAY, VOD* A estreia impactante de Madiano Marcheti lida com uma realidade brutal do Brasil, país onde mais se assassina transexuais no mundo. A trama acompanha a reação de três jovens completamente diferentes à descoberta do corpo de Madalena, uma mulher trans, abandonado em uma plantação de soja do Centro Oeste, entre eles outra trans e o filho do dono da fazenda. Foi premiado em três festivais internacionais no ano passado: Lima (Peru), Guanajuto (México) e Istambul (Turquia), além de ser exibido nos prestigiados festivais de Rotterdã (Holanda) e San Sebastián (Espanha) sob muitos elogios da crítica mundial. RESIDENT EVIL: BEM-VINDO A RACCOON CITY | NOW, VIVO PLAY, VOD* O reboot tentou ser mais fiel que os filmes estrelados por Mila Jovovich, mas só comprovou que o game original não se sustenta numa transposição mais literal para as telas. Fracasso de crítica (30% no Rotten Tomatoes) e público, o longa segue os irmãos Claire e Chris Redfield investigando o que aconteceu com Raccoon City, cidade transformada pela Umbrella Corporation no marco zero de uma epidemia de zumbis – ou de mutantes assemelhados. Kaya Scodelario (“Predadores Assassinos”) e Robbie Amell (“A Babá”) vivem os irmãos Redfield e o elenco ainda inclui Hannah John-Kamen (“Homem-Formiga e a Vespa”) como Jill Valentine, Avan Jogia (“Victorious”) como Leon Kennedy e Tom Hopper (o Luther de “The Umbrella Academy”) como Albert Wesker, cientista da temível Umbrella Corporation, reprisando situações dos jogos criados há 25 anos. ATIVIDADE PARANORMAL: ENTE PRÓXIMO | NOW, VOD* Reboot da franquia interrompida em 2015, o terror volta a trazer imagens feitas pelo próprio elenco com a desculpa narrativa da realização de um documentário. O tema do filme dentro do filme é o encontro da protagonista com a família que ela não conhecia numa comunidade religiosa reclusa. O projeto tem um começo bem-sucedido, com a recepção positiva da comunidade, mas não demora para os cineastas perceberem que os moradores do local não são Amish como acreditavam. Pior ainda: a mãe nunca quis que sua filha voltasse para aquele lugar. Longe de ser um trabalho semiamador como o filme que originou a franquia, o roteiro foi escrito por Christopher Landon (“A Morte Te Dá Parabéns”) e a direção é de William Eubank (“O Sinal ‑ Frequência do Medo”). Talvez por isso a crítica tenha sido menos gentil. Muito mal avaliado (29% no Rotten Tomatoes), o filme evitou fracassar nas bilheterias com um lançamento direto em VOD. Quer arriscar? O ALPINISTA | NOW, VIVO PLAY, VOD* O documentário dos diretores Peter Mortimer e Nick Rosen, especialistas em filmes de alpinismo, acompanha o jovem Marc-André Leclerc em algumas das escaladas mais ousadas da História. As imagens impressionantes mostram como é uma vida sem margem para erros e renderam a “O Alpinista” o prêmio de Melhor Documentário Esportivo no Critics’ Choice Documentary Awards 2021. * Os lançamentos em VOD (video on demand) podem ser alugados individualmente nas plataformas Apple TV, Google Play, Looke, Microsoft Store e YouTube, entre outras, sem necessidade de assinatura mensal.
Desculpe o transtorno, mas sete filmes nacionais estreiam nesta semana
Um terror é o principal lançamento no circuito nacional pela segunda semana consecutiva. Retomando a franquia que popularizou a estética dos vídeos encontrados (found footage) em 1999, “Bruxa de Blair” dará sustos no escuro de 734 cinemas pelo Brasil. A continuação acompanha uma nova equipe de documentaristas na floresta onde os integrantes do filme original desapareceram, e foi rodado em segredo por Adam Wingard (“Você É o Próximo”), um dos diretores mais incensados da nova geração do terror/suspense. A surpresa dividiu opiniões, com 53% de aprovação no site Rotten Tomatoes – bem melhor que a primeira sequência, lançada em 2000 com apenas 13%. O segundo filme americano nos shoppings é “Conexão Escobar”, que traz Bryan Cranston (série “Breaking Bad) como um agente da alfândega que enfrenta o cartel do narcotraficante colombiano Pablo Escobar. Chega em 119 salas após implodir nas bilheterias dos EUA e sem ter gerado um terço do hype da série “Narcos” sobre o mesmo tema. Mas a crítica gringa gostou (67% de aprovação). De todo modo, o que chama atenção na semana é a quantidade de estreias nacionais. São nada menos que sete longas: dois documentários e cinco obras de ficção, com destaque para um drama adolescente absolutamente imperdível. Apesar disso, apenas um dos lançamentos conta com distribuição ampla. “Desculpe o Transtorno” leva a 318 telas a tentativa de Gregório Duvivier emplacar como protagonista de comédia romântica, na esteira do colega de Porta dos Fundos Fábio Porchat. Nesta missão, ele contou com ajuda dos incautos que tornaram viral um texto de propaganda, publicado em sua coluna num grande jornal, supostamente como declaração de amor à ex-esposa, que, “por coincidência”, é seu interesse amoroso no filme. Houve quem achasse o texto profundo. Mas a comédia não passa de uma versão besteirol de “O Médico e o Monstro”, em que Duvivier faz o público sofrer com suas duas personalidades, um estereótipo de paulista e um clichê de carioca. O roteiro foi escrito por Adriana Falcão e Tatiana Maciel, que assinaram juntas “Fica Comigo Esta Noite” (2006), e a direção é de Thomas Portella, que retorna ao humor de sua estreia, “Qualquer Gato Vira-Lata” (2011), após o terror banal “Isolados” (2014) e o ótimo policial “Operações Especiais” (2015). O contraste é brutal com o outro lançamento do gênero, “Turbulência”, que chega em apenas quatro salas no interior do Rio. Acompanhando os encontros e desencontros de dois casais, o filme tem uma história de aeroporto como pano de fundo, como em “Ponte Aérea” (2014), mas é muito amador, com elenco de coadjuvantes de novela, cenografia “Casas Bahia”, falta de timing humorístico e tom histérico permanente. A equipe vem da produção de séries da TV Rio Sul, braço da Globo no interior carioca, e é sub-Globo em tudo. Igualmente televisivo, “Os Senhores da Guerra” tem ambição épica, porém suas cenas de batalha são encenadas como minissérie da Globo – ou, no caso, da RBS TV, cujo padrão é bem mais elevado que o da TV Rio Sul. Assim como nos longas anteriores de Tabajara Ruas (“Netto Perde Sua Alma”), a produção foca conflitos históricos do Rio Grande do Sul, desta vez a Revolução Federalista do século 19. A carga dramática ganha contornos folhetinescos com a divisão política de uma família, que coloca irmão maragato contra irmão ximango. A distribuidora não revelou o circuito, mas o lançamento chega, além do RS, ao menos em São Paulo. Também rodado no Sul do país, “Lua em Sagitário” é um drama adolescente que acompanha uma garota entediada com seu cotidiano, numa cidadezinha catarinense na fronteira com a Argentina. Em busca de novidades, ela descobre o amor, o rock e os últimos hippies brasileiros. Um deles, claro, é Sergei. A outra é a recém-falecida Elke Maravilha, em seu derradeiro papel. Mas vale prestar atenção na jovem protagonista, a estreante Manuela Campagna, que passa meiguice extrema. Com vivência em documentários, a diretora Marcia Paraiso faz uma boa estreia na ficção, apesar de alguns problemas de dicção de seu elenco. Já o melhor da lista é, disparado, “Mate-me por Favor”, filme de estreantes, que mesmo assim rendeu os prêmios de Melhor Atriz e Direção para a Valentina Herszage e Anita Rocha da Silveira, respectivamente. Interessante como as melhores estreias da semana são dois primeiros filmes de novas diretoras, focados em adolescentes e sem atores globais. “Mate-Me por Favor”, inclusive, seguiu carreira internacional, exibido nos festivais de Veneza, Munique, IndieLisboa e SXSW, arrancando elogios da imprensa internacional – mas não foi submetido à comissão do Oscar. Escrito pela própria diretora, “Mate-me por Favor” explora medo e desejo, manifestando as pulsões de eros e thanatos na descoberta da sexualidade de um grupo de adolescentes numa região violenta, marcada pelo assassinato de meninas da sua idade, com reflexo na repressão feminina. Redondinho, rende várias leituras, prende a atenção do começo ao fim e já tem lugar garantido na seleção de melhores do ano da Pipoca Moderna. Mas pode ser difícil vê-lo, pois a distribuição é limitada e não teve seu circuito divulgado. Por falar em pulsão, há ainda um documentário nacional, “Hestórias da Psicanálise – Leitores de Freud”, que chega em 20 telas, dedicado a refletir a leitura de Sigmund Freud no Freud. Bem feito e convencional. O outro documentário é parte ficção. “Olympia” reflete sobre a realização das Olimpíadas no Rio e seu impacto, repisando o pisoteado tema da corrupção. O diretor Rodrigo Mac Niven (“O Estopim”) parte da construção do campo de golfe num terreno de reserva ambiental, mas o escândalo se passa numa cidade fictícia chamada Olympia, onde as pessoas nascem com asas, que logo são cortadas. A alegoria dilui a denúncia, colateralmente lembrando que no Rio tudo inspira carnaval. A programação se completa com dois lançamentos europeus em circuito limitado. Apesar da popularidade dos personagens, a animação espanhola “Mortadelo & Salaminho – Em Missão Inacreditável” estará disponível em cerca de 20 salas com exclusividade na rede Cinépolis. A produção usa computação gráfica para dar novas dimensões à obra clássica de Francisco Ibáñez e terá, inclusive, algumas exibições em 3D, mas seu humor não reflete a graça dos quadrinhos originais. Por fim, o francês “Meu Rei” chega a oito salas do Rio de Janeiro. Sorte dos cariocas, pois é o melhor filme internacional da semana. Dirigido pela bela atriz, que virou brilhante cineasta Maïween (vejam também “Polissia”), acompanha um romance que se torna um relacionamento abusivo, com cenas de amor e violência doméstica, estendendo-se por anos. Emmanuelle Bercot foi premiada como Melhor Atriz do Festival de Cannes por seu papel, e o elenco ainda inclui Vincent Cassel e Louis Garrel – todos, mais a diretora, indicados ao César, o “Oscar francês”. A expectativa é que o circuito se expanda nas próximas semanas para outras cidades.

