Paul Morrissey, diretor de filmes cult e colaborador de Andy Warhol, morre aos 86 anos
Cineasta conhecido por filmes como "Flesh" e "Trash" e por sua parceria com o artista pop faleceu após enfrentar pneumonia
Marília Pêra será tema de minissérie da Globoplay
A atriz Marília Pêra (1943-2015), que marcou época no cinema e na TV em obras como “Pixote: A Lei do Mais Fraco” (1980) e “O Primo Basílio” (1988), será tema de uma minissérie documental na Globoplay. A produção terá quatro episódios escritos por Nelson Motta, que foi casado com a atriz. Os dois tiveram duas filhas. “É uma mistura de documentário e entretenimento com grandes cenas completas de Marília no cinema, no teatro e na televisão”, explicou Motta ao jornal O Globo. A direção está a cargo do veterano cineasta Zelito Vianna (“Morte e Vida Severina”) e ainda não há previsão de estreia.
Estreias: Animação infantil Cegonhas é o maior lançamento da semana
A semana traz dez lançamentos, além de uma exibição limitadíssima de “Pequeno Segredo” no interior do RS. Parece muito, mas dessa lista só três frequentarão os shoppings, dois deles com estreia simultânea com os EUA. A animação “Cegonhas – A História que Não Te Contaram” tem a distribuição mais ampla, ocupando 807 salas (594 em 3D). Bem infantil, sequer aborda a premissa que a inspirou: de onde vem os bebês. A trama mostra que as cegonhas abandonaram o negócio de entrega de bebês para se concentrar no lucrativo serviço de entregas de celular de última geração. Mas quando um bebê aparece no depósito das mercadorias, uma jovem órfã ruiva, que nenhuma cegonha entregou, convence o herdeiro do negócio a retomar o hábito perdido e encontrar uma família para o pequeno pacote babão. Fofo até enjoar, o filme dividiu a crítica americana (56% de aprovação no site Rotten Tomatoes) e chega ao Brasil com as vozes de Klebber Toledo (novela “Lado a Lado”), Tess Amorim (“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”) e Marco Luque (programa “Altas Horas”). A outra estreia simultânea com os EUA é o western “Sete Homens e um Destino”, remake anacrônico do filme de 1960, que chega em 340 salas (12 em Imax). Fruto do revisionismo afetado do cinema americano atual, apresenta um Velho Oeste sem conflitos raciais, em que pistoleiros de diferentes etnias (a ONU do Velho Oeste) se unem para expulsar um bando com perfil de terroristas radicais (o Estado Islâmico do Velho Oeste), que atormenta uma cidadezinha de pacatos cidadãos brancos. Até os westerns spaghetti, rodados na Espanha com atores italianos, eram mais realistas. Mas se não dá para levar muito a sério este trabalho do diretor Antoine Fuqua (“O Protetor”), é possível se divertir bastante com ele, graças ao elenco imponente, com Denzel Washington (“O Protetor”), Chris Pratt (“Guardiões da Galáxia”), Ethan Hawke (“Boyhood”) e Vincent D’Onofrio (série “Demolidor”) trocando tiros e bancando machões. 65% no Rotten Tomatoes. Apenas um dos quatro lançamentos nacionais da semana chega em todo o país, e é mesmo mais um besteirol. Sem criatividade alguma, “Tô Ryca” leva a 420 telas outra história de pobre que enriquece de uma hora para outra, como “Até que a Sorte nos Separe” (2012), “Vai que Cola: O Filme” (2015) e “Um Suburbano Sortudo” (2016). A diferença, além do sexo da protagonista, é que, para ganhar uma grande herança, a personagem central precisa perder milhões de propósito – e não por acidente. Diferença? A premissa genérica é a mesma do livro “Brewster’s Millions”, de George Barr McCutcheon, já filmado 11 vezes desde 1914, inclusive com duas versões indianas. A filmagem mais conhecida, “Chuva de Milhões” (1985), passou repetidas vezes na TV brasileira e inclui na história uma trama da eleição que também está no roteiro brasileiro! Estrelado por Samantha Schmutz (“Vai que Cola: O Filme”) em seu primeiro papel de protagonista, o filme registra o último trabalho da atriz Marília Pêra (“Pixote: A Lei do Mais Fraco”), falecida em dezembro. Assim como na semana passada, a melhor estreia da programação também é um filme brasileiro restrito a poucas salas. Exibido em apenas 17 telas, “O Silêncio do Céu” representa o amadurecimento do diretor Marco Dutra, que troca o terror de “Trabalhar Cansa” (2011) e “Quando Eu Era Vivo” (2014) pelo suspense sufocante. Tenso do começo ao fim, o filme acompanha o desdobramento de um ato de violência, o estupro de uma mulher, testemunhado em segredo e sem querer por seu marido. Envergonhados, nenhum dos dois fala sobre o assunto, como se não tivesse acontecido, embora o marido se torne obcecado em se vingar do responsável. Rodado em Montevidéu e falado em espanhol, a produção destaca a brasileira Carolina Dieckmann (“Entre Nós”) e o argentino Leonardo Sbaraglia (“Relatos Selvagens”) nos papéis principais. Os outros dois títulos nacionais são anti-comerciais, cada um a seu modo. Distribuído em nove salas de seis cidades, “Charlote SP” se orgulha de ser o primeiro longa nacional rodado com câmeras de celular. Praticamente um filme de estudante de cinema, traz como protagonista, lógico, um jovem que quer ser cineasta e que namora, obviamente, uma modelo. “Nervos de Aço” também é protagonizado por um diretor, mas de teatro, e vai na linha oposta, com câmeras profissionais, bom acabamento e um cineasta de ficha corrida: Maurice Capovilla, marginal cinematográfico desde os anos 1960. O longa teve première há dois anos no Festival Cine Ceará e a demora para encontrar circuito reflete seu formato “experimental”. A produção parte de um musical inspirado no repertório clássico de Lupicínio Rodrigues para fazer metalinguagem, contando uma historinha interpretada pelos próprios músicos, entre canções apresentadas num teatro e com o elenco dialogando com o público. Arrigo Barnabé estrela como o diretor teatral que também é cantor e, ainda por cima, namora a cantora da banda. A exibição começa em apenas uma sala no Rio e pretende aumentar seu alcance na próxima semana. As últimas novidades são quatro lançamentos europeus. Gérard Depardieu chegou a vir ao Rio para lançar “O Vale do Amor”, drama que ele estrela com Isabelle Huppert, sem circuito divulgado. Além do enorme talento, a dupla demonstra uma química inegável, construída ao longo das décadas – este é seu terceiro encontro nas telas, após 35 anos da última parceria. Por coincidência, na trama eles vivem um casal separado há muitos anos, que se reencontra no Vale da Morte, na Califórnia, para cumprir o último desejo do filho, morto seis meses antes. Ambos foram indicados ao César (o Oscar francês) por seus papéis. As demais estreias não empolgam. O drama “Lembranças de um Amor Eterno” leva a 46 salas o pior filme do diretor italiano Giuseppe Tornatore, em que Jeremy Irons (“Batman vs. Superman”) é um astrônomo num relacionamento à distância com Olga Kurylenko (“Oblivion”). O mesmo ator também vive um acadêmico na produção inglesa “O Homem que Viu o Infinito”, cinebiografia apelativa e reducionista do gênio autodidata indiano S. Ramanujan, interpretado por Dev Patel (“O Exótico Hotel Marigold”), em 25 salas. Por fim, merecendo apenas seis salas, “Belas Famílias” perpetua os clichês das comédias francesas sobre infidelidade, desperdiçando o bom ator Mathieu Amalric (“O Escafandro e a Borboleta”).
Hector Babenco (1946 – 2016)
Morreu o cineasta Hector Babenco, autor de clássicos do cinema brasileiro como “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia” (1976), “Pixote, a Lei do Mais Fraco” (1980), “O Beijo da Mulher-Aranha” (1985) e “Carandiru” (2003). Ele faleceu na noite de quarta-feira (13/7), aos 70 anos de idade, no Hospital Sírio Libanês em São Paulo. Babenco havia sido internado na última terça-feira para um cirurgia simples, para tratar uma sinusite, da qual estava se recuperando quando teve uma parada cardiorrespiratória. Considerado um dos diretores de cinema mais importantes do Brasil, ele dirigiu dez longas-metragens e foi indicado ao Oscar de Melhor Direção por “O Beijo da Mulher-Aranha” (1986). Nascido em Mar del Plata, na Argentina, em 1946, Babenco mudou-se para o Brasil aos 17 anos com a família, indo morar numa pensão em São Paulo. Um ano depois, pegou um navio em Santos e foi viver na Europa, onde passou cinco anos dormindo na rua e trabalhando como figurante em filmes italianos e espanhóis. “Quando voltei para São Paulo, me empenhei seriamente e em fazer cinema, mas continuei sobrevivendo meio à margem, vendendo enciclopédias e túmulos e sendo fotógrafo de restaurantes, com uma máquina polaróide”, disse o diretor, em entrevista em 1985. “Com isso, aprendi que os marginais — esse clichê tão grande — vivem mais intensamente, nas fronteiras da morte.” Não por acaso, seu primeiro longa de ficção girou em torno da boemia paulistana, “O Rei da Noite”, lançado em 1975, dois anos após estrear nos cinemas com o documentário “O Fabuloso Fittipaldi” (1973), sobre Emerson Fittipaldi, primeiro ídolo brasileiro da Fórmula 1. Em plena ditadura, ele foi crítico da política oficial da Embrafilme, e financiou de forma privada seus primeiros longas. Mas não ficou apenas nisso. Em 1977, seu filme “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia” desafiou a Censura ao denunciar a atuação brutal do Esquadrão da Morte, dando ao ator Reginaldo Faria um dos principais papéis de sua carreira. A produção teve 6 milhões de espectadores no país, um sucesso retumbante e até hoje uma das dez maiores bilheterias do cinema nacional. Além disso, agradou em cheio à crítica, conquistando o prêmio de Melhor Filme da Mostra de São Paulo. Orgulhoso, na época desse lançamento decidiu que faria não só cinema brasileiro, mas seria brasileiro, naturalizando-se aos 31 anos. “Lúcio Flávio” já seria um marco na carreira de qualquer cineasta. Mas o trabalho mais importante do diretor ainda estava por vir. Atento aos problemas sociais, Babenco ousou escalar um adolescente inexperiente, vindo da periferia, para expressar a situação dos menores abandonados, que alimentavam a crescente criminalidade do país, em “Pixote” (1980). Com cenas impactantes, e sem aliviar a barra na relação entre o menor, vivido por Fernando Ramos da Silva, e a prostituta interpretada por Marília Pêra, o filme foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e premiado pelos críticos de Nova York, chamando atenção mundial para o cineasta. O sucesso lhe rendeu uma carreira internacional, iniciada com “O Beijo da Mulher-Aranha” (1985), que também apresentou Sonia Braga a Hollywood. Filmado no Brasil e combinando atores brasileiros com dois astros hollywoodianos, Raúl Julia e William Hurt, o longa adaptou a obra homônima do escritor argentino Manuel Puig para os porões da ditadura militar brasileira, onde um preso político faz amizade com um travesti sonhador, que cultua um filme romântico nazista – de onde vem a Mulher-Aranha, vivida de forma onírica por Braga. O papel de homossexual rendeu a Hurt os principais prêmios de sua carreira, como o troféu do Festival de Cannes e o Oscar de Melhor Ator. O longa também foi indicado aos Oscars de Melhor Filme, Direção e Roteiro Adaptado, consagrando Babenco como o primeiro cineasta brasileiro a disputar o troféu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. A repercussão consolidou a carreira estrangeira de Babenco, que filmou a seguir um filme 100% americano, “Ironweed” (1987), adaptação de romance americano estrelado por Jack Nicholson e Meryl Streep. Ambos os atores foram indicados ao Oscar, mas o lançamento não teve o impacto das produções anteriores do cineasta. Paralelamente, um fato trágico voltou a chamar atenção para seu melhor filme: o assassinato de Fernando Ramos da Silva pela polícia, aos 19 anos de idade. O menino, que tinha conseguido fama mundial como protagonista de “Pixote”, tinha tentado seguir a carreira de ator na Globo, após o sucesso do filme, mas, semi-analfabeto, não conseguia memorizar os roteiros e não emplacou no elenco de novelas. Acabou retornando para as favelas de Diadema, onde teve o destino de tantos outros jovens envolvidos no tráfico. Abalado, Babenco voltou ao Brasil e aos temas nacionais, filmando a seguir o épico “Brincando nos Campos do Senhor” (1991), sobre a situação de abandono dos índios no país. Caríssima, a produção contou com financiamento e elenco internacional (Tom Berenger, John Lithgow, Daryl Hannah, Tom Waits, Kathy Bates e Aidan Quinn) para denunciar uma situação de genocídio no Brasil, com índios exterminados por doenças e pela ganância de fazendeiros. Sombrio demais para o gosto popular, o filme virou referência para outros cineastas. James Cameron disse que suas imagens poderosas da Amazônia serviram de inspiração para o seu “Avatar” (2009). Assistente de direção em “Brincando dos Campos do Senhor”, Vicente Amorim, que tinha 23 anos na época, definiu a experiência com “intensa”, ao relembrar o trabalho com Hector Babenco para o jornal O Globo. “É um filme que valeu por dez, foi muito trabalhoso, muito desgastante. Foi um desafio logístico comparável a ‘Fitzcarraldo’ (de Werner Herzog). Hoje, os filmes são rodados em quatro ou cinco semanas. Aquele foi feito em 36 semanas! Estávamos no meio da selva, e dormíamos num navio. A equipe tinha quase 200 pessoas e uns cem índios, que faziam figuração.” O fracasso nas bilheterias acabou abalando o cineasta, que se distanciou das telas por sete anos, retornando com uma obra mais intimista, o semibiográfico “Coração Iluminado” (1998), que refletia sua juventude em Buenos Aires, num reencontro com suas raízes. Ele retomou os temas sociais em outro filme forte, “Carandiru” (2003), passado no interior da maior prisão do Brasil, cenário de rebeliões e massacres reais, reencenados na produção. Baseado no livro “Estação Carandiru”, do médico Drauzio Varella, o longa se provou um retrato contundente da situação precária dos presídios nacionais e foi premiado em diversos festivais ao redor do mundo. Seu filme seguinte, “O Passado” (2007), foi estrelado por Gael Garcia Bernal (“Diários de Motocicleta”) e novamente falado em espanhol. “Sou um exilado no Brasil e um exilado na Argentina. Não consigo me fazer sentindo parte de nenhuma das culturas. E as duas coisas convivem em mim de forma poderosa”, resumiu o diretor, em entrevista de 2015. Na virada para o século 21, Babenco tratou de um linfoma e, em seu último filme, “Meu Amigo Hindu” (2015), decidiu contar a história de um diretor e sua luta contra o câncer. Mas o drama também tinha inspiração romântica, já que incluía no elenco sua mulher Barbara Paz, atriz que conheceu justamente no período retratado. Já o alter ego de Babenco foi vivido pelo americano Willem Dafoe. Na trama, que acabou sendo sua obra definitiva, o personagem do diretor, quando confrontado pela Morte (encarnada por Selton Mello), expressava apenas um desejo: realizar mais um filme. “Esse é o filme que a morte me deixou fazer”, disse o cineasta, no ano passado. Refletindo a passagem do grande mestre, o cineasta Walter Salles resumiu o sentimento de grande perda do cinema nacional: “Babenco foi um dos maiores diretores da história do cinema brasileiro. Construiu uma obra única, aguda e original, que desvenda a dimensão da tragédia brasileira, mas também expõe nosso drama existencial, humano. ‘Pixote’ é um filme extraordinário, um soco no estomago, assim como ‘Lucio Fávio, o Passageiro da Agonia’. O mestre se vai, mas sua filmografia ampla e insubstituível sobreviverá ao tempo, como um dos mais potentes reflexos dos anos em que vivemos.
Marília Pêra (1943 – 2015)
Morreu a atriz Marília Pêra, que marcou a história do teatro, TV e cinema brasileiros, estrelando obras-primas como “Pixote: A Lei do Mais Fraco” (1981) e “Central do Brasil” (1998), além de coreografar e dirigir diversos espetáculos. Ela sofria de câncer nos ossos e no pulmão, doença que vinha combatendo havia dois anos, vindo a falecer no sábado (5/12), aos 72 anos. Marília Marzullo Pêra nasceu no Rio de Janeiro em 22 de janeiro de 1943, com o teatro no DNA. Ela faz sua estreia como atriz aos 19 dias de vida, numa peça que precisava de um bebê. Seu pai, o português Manoel Pêra, era ator e tinha uma companhia teatral no Rio. A mãe, Dinorah Marzullo, também era atriz. A avó, Antonia Marzullo, fez vários papéis no cinema. E até sua irmã mais nova, Sandra Pêra, seguiu o rumo dos palcos. Aos 4 anos, Marília já fazia parte da companhia teatral de Henriette Morineau, atuando, entre outras, na peça “Medeia”, em que interpretou umas das filhas do personagem principal. Ela se profissionalizou ainda na adolescência, estudando música e dança para participar de espetáculos de revista a partir dos 14 anos. Ao entrar na peça “De Cabral a JK”, de Max Nunes, conheceu o ator Paulo Graça Mello, com quem se casou aos 16 anos. Aos 18, teve o primeiro filho, aos 26 tornou-se viúva – posteriormente, casou-se mais três vezes, com o ator Paulo Villaça, o jornalista Nelson Motta, com quem teve duas filhas, e o economista Bruno Faria. E nada impediu o crescimento de sua carreira. Dois anos depois de dar a luz ao futuro ator Ricardo Graça Mello, atuou em “O Teu Cabelo Não Nega” (1963), biografia de Lamartine Babo, interpretando pela primeira vez Carmen Miranda, papel que a acompanharia por diferentes espetáculos – o mais recente, de 2005. E ela ainda pôde se gabar de ter vencido uma disputa com Elis Regina pelo papel principal no musical “Como Vencer na Vida sem Fazer Força”, em 1964. O teatro acabou ficando em segundo plano quando a TV a descobriu. Marília foi contratada como bailarina na inauguração da TV Globo, em 1965, mas em poucos meses se viu estrelando telenovelas. Sua estreia aconteceu na primeira novela das 19h da emissora, “Rosinha do Sobrado”, em agosto de 1965, já como protagonista, seguida imediatamente pelo papel-título de “A Moreninha” (1965). Bastaram estes dois papeis para ela atingir o estrelato, vendo-se disputada e aceitando participar de duas novelas simultâneas, “Padre Tião”, no horário das 19h, e “Um Rosto de Mulher”, às 22h, ambas exibidas a partir de dezembro de 1965. A maratona se provou exaustiva e ela só foi reaparecer três anos depois na principal novela da década, “Beto Rockfeller” (1968), na TV Tupi. Na trama, viveu uma das coadjuvantes das trapalhadas de Luís Gustavo, intérprete do playboy farsante do título, ajudando o humor corrosivo do escritor Bráulio Pedroso a revolucionar o gênero. Marília permaneceu na Tupi para protagonizar a novela seguinte, “Super Plá” (1969), como uma ex-vedete de teatro que se tornava dona de uma fábrica de refrigerantes. Paralelamente, estreou no cinema, com a comédia “O Homem que Comprou o Mundo” (1968), de Eduardo Coutinho, seguida pelo musical “É Simonal” (1970), de Domingos de Oliveira. Mas a ênfase permaneceu em sua carreira teatral, que a levou a encenar “Se Correr o Bicho Pega”, de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, “A Ópera dos Três Vinténs”, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, “A Megera Domada”, de William Shakespeare, e “Roda Viva”, de Chico Buarque, pela qual passou a ser perseguida pela ditadura. Foi presa durante a apresentação da peça e, em seguida, teve a casa invadida pela polícia, em busca de provas de sua subversão comunista. Ironicamente, em 1989, ao declarar voto em Fernando Collor para a presidência da república, foi vítima dos tais comunistas com quem tinha sido confundida, que apedrejaram a porta do teatro onde ela se apresentava. Suas manifestações artísticas, em contraste, logo se tornaram unanimidades. O primeiro de seus três prêmios Molière veio em 1969, por seu desempenho como uma virgem solteirona em “Fala Baixo Senão Eu Grito”, de Leilah Assumpção – os outros foram vencidos pelo monólogo “Apareceu a Margarida” (1973), de Roberto Athayde, e “Brincando em Cima Daquilo” (1984), de Dario Fo e Franca Rame. Ela voltou à Globo em 1971, a convite do diretor Daniel Filho, para viver um de seus papeis mais divertidos, a loiraça Shirley Sexy em “O Cafona”, que a tornou ainda mais conhecida. Na sequência, interpretou a taxista Noeli em “Bandeira 2” (1971), romântica atrapalhada Serafina de “Uma Rosa com Amor” (1972) e a “Supermanoela” (1974), até decidir priorizar o cinema. Sua filmografia ganhou impulso a partir de meados dos anos 1970. Após a comédia “O Donzelo” (1974) e o drama “Ana, a Libertina” (1975), Marília irrompeu em seu primeiro grande papel cinematográfico, a cantora de cabaré de “O Rei da Noite” (1975), de Hector Babenco, com quem voltaria a trabalhar no longa mais famoso de sua carreira, “Pixote: A Lei do Mais Fraco” (1981). No filme sobre menores infratores, ela vivia uma prostituta que servia de figura materna para o jovem Pixote. A cena em que amamenta o adolescente tornou-se uma das mais emblemáticas do cinema brasileiro e lhe rendeu projeção internacional. Pelo papel, Marília foi eleita Melhor Atriz do ano pela Associação Nacional dos Críticos de Cinema dos EUA. “Isso me abriu as portas do mundo, mas não fui trabalhar nos EUA porque não dominava o inglês”, contava. Porém, ela fez sim um filme americano, “Mixed Blood” (1984), dirigida pelo cineasta underground Paul Morrissey (“Trash”). A língua acabou não sendo uma dificuldade, pois a trama girava em torno de traficantes brasileiros em Manhattan. Anos mais tarde ainda voltaria aos EUA para rodar o trash “Living the Dream” (2006), estrelado por Danny Trejo (“Machete”). O maior reconhecimento, porém, veio mesmo do Brasil, com novos papeis importantes. Marília foi premiada como Melhor Atriz no Festival de Gramado por seus dois longas seguintes, “Bar Esperança” (1983), homenagem de Hugo Carvana à boemia, e “Anjos da Noite” (1987), de Wilson Barros. Ao mesmo tempo, acumulou ainda mais reverências no teatro, vencendo seu terceiro Molière e se transformando numa diretora bem-sucedida com a montagem de “O Mistério de Irma Vap” (1987), que ficou 11 anos em cartaz. Tudo isso a manteve afastada das novelas por mais de uma década, só voltando ao gênero em 1987, como a Rafaela de “Brega & Chique”. Ela também viveu a vilã Juliana, na minissérie “O Primo Basílio” (1988), e Genu na novela “Lua Cheia de Amor” (1990), antes de reorganizar sua agenda com outras prioridades. Marília voltou a ter projeção internacional ao ser dirigida por Cacá Diegues. Primeiro, em “Dias Melhores Virão” (1990), pelo qual venceu o troféu de Melhor Atriz no Festival de Cartagena, na Espanha. E, depois, com “Tieta do Agreste” (1996), que lhe trouxe o troféu de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Havana, em Cuba. A década ainda incluiu mais dois filmes marcantes: “Central do Brasil” (1998), grande clássico de Walter Salles, e “O Viajante” (1999), de Paulo César Saraceni, que lhe rendeu indicação ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (o Oscar nacional). Ocupada com cinema e teatro, Marília diminuiu sua presença na TV, preferindo fazer minisséries, como “Incidente em Antares” (1994), “Os Maias” (2001) e “JK” (2006), embora tenha encaixado a novela “Meu Bem Querer” na Globo em 1998. A esta altura, porém, estava tão famosa que podia se dar ao luxo de fazer participação especial como si mesma nas novelas – em “Celebridade” (2003) e “Insensato Coração” (2011). Sua filmografia continuou interessante no século 21. Ela viveu o papel-título de “Amélia”, a camareira de Sarah Bernhardt, durante a visita da célebre atriz francesa ao Brasil em 1905, com direção de Ana Carolina. Também participou de “Seja o Que Deus Quiser” (2002), de Murilo Salles, viveu a cantora Wanderléa na cinebiografia “Garrincha – Estrela Solitária” (2003), de Milton Alencar, a madame de um bordel em “Vestido de Noiva” (2006), adaptação de Nelson Rodrigues dirigida por seu filho Joffre, e voltou a encontrar seu primeiro diretor, Eduardo Coutinho, no premiado documentário “Jogo de Cena” (2007). Ao retornar às novelas, encaixou uma sequência de papeis divertidos, inciada pela hilária hippie Janis Doidona em “Começar de Novo” (2004), retomando a cumplicidade cômica com Luis Gustavo. Foi ainda a perua falida Milu de “Cobras & Lagartos” (2006) e a dama Gioconda de “Duas Caras” (2008). A facilidade para o humor acabou explorada também em filmes como “Acredite, um Espírito Baixou em Mim” (2006), “Polaróides Urbanas” (2008) e “Embarque Imediato” (2009), além de lhe render uma nova carreira como comediante televisiva. As séries cômicas lhe permitiram aprofundar sua parceria com o ator, escritor e diretor Miguel Falabella, que a filmou em “Polaróides Urbanas”. Na Globo, os dois trabalharam juntos em “A Vida Alheia” (2010), na novela “Aquele Beijo” (2011) e em “Pé na Cova” (2013), seu último papel na TV, no qual viveu a mulher de Falabella. Marília continuou interpretando papeis importantes no teatro, vencendo o prêmio Shell por sua atuação em “Mademoiselle Chanel” em 2006. Em 2013, ainda estrelou “Alô, Dolly!”, ao lado do parceiro Falabella. Mas, apesar dos muitos prêmios conquistados, sua homenagem mais singela aconteceu no Carnaval de 2014, quando foi tema do desfile da escola de samba Mocidade Alegre, em São Paulo, com o samba-enredo “Nos Palcos da Vida… Uma Vida no Palco: Marília”. Mesmo com a saúde debilitada, ela dedicou seus últimos esforços ao trabalho, narrando o documentário “Chico – Artista Brasileiro” (2015), sobre Chico Buarque, e dirigindo a peça “Depois do Amor”, cuja estreia estava marcada justamente para o dia de sua morte, em Manaus. Ela também deixou gravado um disco com canções de amor de Tom Jobim, Dolores Duran e outros mestres da MPB, e continuará presente ao longo em 2016 em outros trabalhos finalizados, que incluem uma participação na nova série comédia “Tô Ryca”, que estreia em janeiro, no filme “Dona do Paraíso”, de José João Silva, ainda sem previsão de lançamento, e numa temporada inteira de “Pé na Cova”. “Certas pessoas são escolas, ela era uma escola de vida, uma profissional que deu um padrão para a nossa maneira de representar e colocou o país em outro departamento. Uma profissional genial”, definiu, emocionado, o ator Ney Latorraca, que Marília dirigiu por mais de uma década na peça “O Mistério de Irma Vap”. “Uma mestra”, ecoou o cineasta Cacá Diegues.




