Em Chamas é filme raro para ver, ler o livro e rever novamente
Veja o filme, leia o conto, reveja o filme. Não é sempre que a gente se sente compelido a fazer isso, graças a uma obra cinematográfica capaz de intrigar e maravilhar. Mas este é o caso de “Em Chamas”, do diretor sul-coreano Lee Chang-dong, cuja última obra para cinema havia sido “Poesia” (2010). Passou tanto tempo assim entre um filme e outro e acabou por preservar um cineasta de maior quilate. O conto que inspirou o longa, “Queimar Celeiros”, contido no livro “O Elefante Desaparece”, de Haruki Murakami, é bem sintético em sua trama. Chang-dong acrescenta muita coisa a partir de uma história aparentemente simples e que se passa em sua maior parte na varanda da casa do personagem Jong-su (Ah-in Yoo, de “Sado”), onde ele recebe o casal Hae-mi (a estreante Jun Jong-seo) e Ben (Steven Yeun, mais conhecido como o querido Glenn, da série “The Walking Dead”). O próprio Chang-dong confessa que destinou mais esforço e energia para esta cena e para a cena final. As demais, ainda que maravilhosas também, ele dirigiu dando menor importância. Isso não deixa de ser coerente com o que vemos no filme, mas também não deixa de ser impressionante, levando em consideração a grande quantidade de cenas estupendas da obra, mesmo em sua sutileza. Vendo o filme pela segunda vez, por exemplo, é possível notar certos detalhes e belezas que na primeira podem passar desapercebidos. A própria aproximação de Hae-mi com Jong-su é feita com esmero. A moça, que no início não parece ser tão interessante assim para o rapaz, passa a se tornar cada vez mais digna de seu afeto, embora no começo ele não saiba disso. Na casa de Hae-mi, quando os dois fazem sexo, e Jong-su, um aspirante a romancista, olha com atenção e interesse para os arredores e para a janela do quarto, é como se ele estivesse procurando entender e captar melhor aquele momento de sua vida. E depois há coisas um tanto surreais, como o gato que nunca aparece; ou o tal celeiro que, apesar de mencionado, também não é detectado, assim como a garota que desaparece. A história acontece depois que Hae-mi volta da África e conhece Ben, um rapaz que é tudo que Jong-su não é: confiante, rico, tranquilo e bem-sucedido. “Como ele mora em uma casa como essa tendo a idade que tem?”, Jong-su pergunta a Hae-mi, a namorada de Ben. E esse nem é um dos grandes mistérios que intrigam Jong-su. O desaparecimento de Hae-mi é que o atormenta e passa a ser a razão de sua existência. Assim como encontrar o tal celeiro queimado por Ben. Quanto à tal cena da varanda, ela é tão cheia de encantamento que faz o coração do espectador pulsar mais forte. Tanto no momento em que os três estão fumando um baseado, quanto na cena da dança de Hae-mi, que parece saída de um filme de David Lynch. Isso se dá principalmente pela inclusão de uma música de Miles Davis, a mesma que aparece em “Ascensor para o Cadafalso” (1958), de Louis Malle. O próprio Chang-dong disse que gosta muito do filme de Malle, em entrevista para a revista Cinema Scope (edição 75). Se há algo no filme capaz de empolgar menos são as cenas em que Jong-su tenta lidar com a prisão do pai. O reencontro com a mãe é interessante, mas toda a parte com o pai parece pequena diante da trama principal, quase como se fosse possível destacar. Funciona mais para acentuar o aspecto da solidão e abandono a que o personagem foi submetido. No mais, há muito o que se alimentar da riqueza de “Em Chamas”, seja tentando entender mais detalhes de sua trama, seja se aproveitando também das influências literárias (o próprio Murakami, William Faulkner, F. Scott Fitzgerald) e musicais, seja adentrando na profundidade e no abismo de seus personagens. Não é sempre que vemos um filme assim.
Fora do Oscar, Brasil completa 20 anos sem disputar Melhor Filme em Língua Estrangeira
Conforme esperado, o Brasil ficou fora da lista de candidatos pré-selecionados para disputar o Oscar 2019 de Melhor Filme em Língua Estrangeira. O comitê organizador da premiação anunciou uma pré-seleção com nove filmes que irão disputar as indicações oficiais, e o representante brasileiro não passou do primeiro corte. Fato é que “O Grande Circo Místico” não aparecia nas previsões da imprensa internacional por não ter vencido – nem sequer disputado – prêmio algum. Além disso, tinha sido massacrado pelos críticos americanos ao ser projetado, fora de competição, no Festival de Cannes. Mesmo assim, foi selecionado pela Academia Brasileira de Cinema, num menosprezo à boa repercussão e premiação internacional de outros trabalhos mais cotados. Pesou o nome de seu diretor, Cacá Diegues. Mas só para a Academia Brasileira. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos preferiu, obviamente, selecionar obras com comprovada aprovação no circuito dos festivais – algo de que “O Grande Circo Místico” jamais dispôs. Entre os selecionados, estão o japonês “Assunto de Família”, de Hirokazu Koreeda, vencedor do Festival de Cannes, o mexicano “Roma”, de Alfonso Cuarón, vencedor do Festival de Veneza, o polonês “Guerra Fria”, de Pawel Pawlikowski, vencedor do European Film Awards (o “Oscar europeu”), o libanês “Cafarnaum”, de Nadine Labaki, vencedor do Prêmio do Júri em Cannes, o sul-coreano “Em Chamas”, de Lee Chang-dong, premiado pela crítica em Cannes, e outros longas com passagens premiadas por festivais internacionais. Além de “Roma”, produção da Netflix de um diretor que já venceu o Oscar (por “Gravidade”), o cinema latino-americano é representado também pelo colombiano “Pássaros de Verão”, de Cristina Gallego e Ciro Guerra, vencedor do Festival de Havana. Vale observar ainda que a Netflix, embora festeje “Roma”, não conseguiu emplacar o belga “Girl”, de Lukas Dhont, que venceu a Câmera de Ouro no Festival de Cannes. Infelizmente, as opções mais competitivas do Brasil foram preteridas. “As Boas Maneiras”, de Juliana Rojas e Marco Dutra, além de vencedor do Festival do Rio, foi premiado em dezenas de festivais internacionais e conta com 92% de aprovação no site americano Rotten Tomatoes. “Benzinho”, de Gustavo Pizzi, filme mais premiado no Festival de Gramado, também encantou a crítica americana ao passar pelo Festival de Sundance, arrancando 93% de aprovação no site Rotten Tomatoes – como parâmetro, “A Forma da Água”, vencedor do Oscar 2018, tem 92% de aprovação. Assim, o cinema brasileiro completou 20 anos sem conseguir uma indicação ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira – desde “Central do Brasil”, em 1999. Agora, os nove filmes pré-selecionados passarão por nova peneira dos membros da Academia para serem reduzidos aos cinco indicados de sua categoria. Todos os indicados ao Oscar 2019 serão anunciados em 22 de janeiro e a cerimônia de premiação está marcada para 24 de fevereiro, com transmissão ao vivo para o Brasil pelos canais Globo e TNT. Vale lembrar que, mesmo fora da disputa de filme estrangeiro, o Brasil ainda pode emplacar representantes em outras categorias. A maior chance é de “Tito e os Pássaros” como Melhor Animação. Essa foi a categoria que rendeu a última indicação a uma produção brasileira no Oscar, com “O Menino e o Mundo”, em 2016. Em 2018, o diretor brasileiro Carlos Saldanha também teve um filme indicado como Melhor Animação, mas “Touro Ferdinando” era uma produção estrangeira. Foi o mesmo caso do produtor Rodrigo Teixeira, que participou da produção estrangeira “Me Chame pelo Seu Nome”, indicada a quatro Oscars. Confira abaixo as nove produções que seguem na disputa pelo Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira – e não “Melhor Filme Estrangeiro”, já que produções faladas em inglês do Reino Unido, Austrália, Canadá e outros países não concorrem nessa categoria. “Pássaros de Verão”, de Cristina Gallego e Ciro Guerra (Colômbia) “Culpa”, de Gustav Möller (Dinamarca) “Never Look Away”, de Florian Henckel von Donnersmarck (Alemanha) “Assunto de Família”, de Hirokazu Koreeda (Japão) “Ayka”, de Sergei Dvortsevoy (Cazaquistão) “Cafarnaum”, de Nadine Labaki (Líbano) “Roma”, de Alfonso Cuarón (México) “Guerra Fria”, de Pawel Pawlikowski (Polônia) “Em Chamas”, de Lee Chang-dong (Coreia do Sul)

