Primeiro filme brasileiro da Netflix vai concorrer no Festival de Gramado
O Festival de Gramado vai repetir no Brasil a polêmica que marcou o Festival de Cannes deste ano. O primeiro filme nacional produzido pela Netflix para exibição em streaming entrou na seleção do evento. “O Matador”, de Marcelo Galvão, está entre os sete filmes da competição do evento, que acontece de 17 e 26 de agosto. Há dois meses, duas produções da Netflix (“Okja” e “The Meyerowitz Stories”) foram selecionadas para a competição principal de Cannes, provocando a ira dos exibidores franceses e o descontentamento de alguns profissionais da indústria. A repercussão foi tanta que provocou mudanças nas regras da mostra francesa: a partir do ano que vem, somente filmes que forem estrear nos cinemas poderão concorrer à Palma de Ouro. Será curioso ver que repercussão o caso de “O Matador” terá no Brasil, já que os exibidores nacionais não são conhecidos por privilegiarem dramas brasileiros na ocupação de suas telas. O pioneiro filme de Marcelo Galvão será lançado na Netflix no final do ano e não tem previsão de estreia nos cinemas. Faroeste caboclo ambientado no sertão pernambucano nas décadas de 1910 e 1940, “O Matador” conta a história de Cabeleira (Diogo Morgado), que foi abandonado ainda bebê e criado por um cangaceiro local chamado Sete Orelhas (Deto Montenegro). Quando Sete Orelhas desaparece, ele vai a sua procura e acaba encontrando uma cidade sem lei, governada pelo tirânico Monsieur Blanchard (Etienne Chicot), um francês que domina o mercado de pedras preciosas e anteriormente empregava Sete Orelhas como seu matador. O filme foi escrito e dirigido por Marcelo Galvão, que costuma ser premiado em Gramado: “Colegas” venceu Melhor Filme em 2012 e “A Despedida” lhe rendeu o Kikito de Melhor Diretor em 2014. Os outros seis longas que vão disputar Kikitos são “A Fera na Selva”, segundo longa dirigido pelo ator Paulo Betti (após “Cafundó”, em 2005), desta vez em parceria com a também atriz Eliane Giardini e o veterano cinematógrafo Lauro Escorel (“A Suprema Felicidade”); “As Duas Irenes”, primeiro longa do paulista Fábio Meira; “Bio”, do cineasta gaúcho Carlos Gerbase (“Menos que Nada”); “Como Nossos Pais”, de Laís Bodanzky (“As Melhores Coisas do Mundo”); “Não Devore Meu Coração!”, de Felipe Bragança (“A Alegria”); e “Pela Janela”, primeiro longa de Caroline Leone (editora de “Vermelho Russo”) numa coprodução com a Argentina. Todos os filmes terão sua première nacional em Gramado, mas “As Duas Irenes”, “Como Nossos Pais” e “Não Devore Meu Coração!” já foram exibidos no Festival de Berlim 2017 e em outros eventos internacionais. “As Duas Irenes”, inclusive, foi premiado como Melhor Filme de Estreia e Melhor Direção de Fotografia no Festival de Guadalajara, no México, enquanto “Como Nossos Pais” venceu o Festival de Cinema Brasileiro de Paris. Trata-se de uma ótima seleção, mas, como tem sido regra nos festivais brasileiros, bastante enxuta. Apesar do prestígio que acompanha Gramado, são enormes as chances de todos os filmes saírem premiados, já que há apenas sete obras em competição – o que diminui a importância do prêmio. Nisto, Gramado se mostra bem diferente de Cannes, que reúne mais de 20 longas na disputa pela Palma de Ouro – o que realmente dá outra representatividade ao troféu. Para não ir tão longe, o último Festival do Rio juntou 14 longas, entre obras de ficção e documentários, em sua mostra competitiva principal – e mais seis, um Festival de Brasília inteiro, numa mostra paralela de filmes autorais.
Prova de Coragem queria ser grande num mercado que não cresce
“Prova de Coragem” é uma produção pequena, lançada em poucos cinemas e sem campanha de marketing. Mas não se trata de um filme indie, de proposta artística ousada, feito por um cineasta iniciante e com atores desconhecidos. É um filme que queria ser mainstream, estrelado por Mariana Ximenes (“Zoom”), dirigido pelo veterano Roberto Gervitz (“Feliz Ano Velho”) e fotografado pelo premiado Lauro Escorel (“Brincando nos Campos do Senhor”), que tem sua pretensão tolhida pelo mercado exaurido. Fosse americano, ganharia muitas salas para exibir seu romance, que vira melodrama, com direito até às cenas de flashback e de hospital que preenchem os similares adaptados dos livros de Nicholas Sparks. Seu único diferencial é se passar em uma região fronteiriça e adotar o sotaque gaúcho – em alguns momentos, inclusive, de difícil compreensão. A obra, na verdade, é baseada no romance “Mãos de Cavalo”, de Daniel Galera – também autor de “Até o Dia em que o Cão Morreu”, que deu origem a “Cão Sem Dono” (2007). O centro narrativo compreende o conflito gerado por uma gravidez inesperada, fruto do relacionamento entre o médico Hermano (Armando Babaioff, de “Sangue Azul”) e a artista plástica Adri (Mariana Ximenes). A vida estável do casal dá uma sacudida com a notícia da gravidez. Como o filho não foi planejado, as reações de ambos são inesperadas. Ela, por não respeitar uma gravidez de risco; ele, por manifestar um desejo de interromper a gestação. Como Hermano é o principal protagonista, o filme é narrado por seu ponto de vista, voltando no tempo para explorar sua adolescência e uma tragédia que o abalou. As cenas de flashback são as mais frágeis, talvez pela falta de melhor preparação dos atores, e isso compromete o impacto emocional que o filme poderia ter. A ambientação nos anos 1980, com canções dos Engenheiros do Hawaii, também se sai mal na comparação com outra obra mais bem-acabada sobre o período, “Califórnia” (2015), de Marina Person. Ainda que tenha a intenção – frustrada – de explorar e aprofundar não apenas os traumas de Hermano e sua vontade de vencer o medo, mas também a crise no relacionamento do casal, o filme de Roberto Gervitz não consegue ir além da superfície. As cenas em que o protagonista se prepara para escalar uma montanha com um amigo – a tal “prova de coragem” – são puro tédio. Foi exibido no Festival de Brasília, de onde saiu sem nenhum prêmio. Mas, pelo menos, o diretor procura uma solução relativamente satisfatória para sua conclusão. https://www.youtube.com/watch?v=mPw82sPnMTI

