Viúva cria inteligência artificial baseada em Lou Reed
Laurie Anderson ajudou a desenvolver IA que imita padrões de conversa e composição do fundador do Velvet Underground
Mostra de São Paulo 2018 ganha pôster e instalação de realidade virtual de Laurie Anderson
A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo apresentou nesta terça (25/9) o pôster de sua 42ª edição, assinado pela cineasta, música e artista multimídia americana Laurie Anderson (“Coração de Cachorro”). Além disso, a Mostra contará com a instalação em realidade virtual que inspirou o cartaz, feita em parceria entre Anderson e o artista taiuanês Hsin-Chien Huang. Chamada de “Chalkroom”, ou quarto de giz, a obra permite o espectador “voar” em meio a palavras, desenhos e histórias que flutuam como se fossem inscrições numa lousa que recobre todo o ambiente. Veja o trailer abaixo. A instalação será montada num anexo do CineSesc, na rua Augusta, como uma das atrações do evento, que este ano acontece de 18 a 31 de outubro. A Mostra será o segundo festival internacional de cinema a receber a obra. A viúva do músico Lou Reed expôs seu “Chalkroom” em 2017 no Festival de Veneza, que concedeu o prêmio de Melhor Experiência em Realidade Virtual à instalação. Segundo Anderson, a obra destaca “um espaço feito de palavras e imagens de palavras”. “É como caminhar para dentro de uma história e se tornar parte dela. É uma maneira de você poder andar dentro de livros e filmes e deixar eles serem parte de sua própria história.” A cenografia da instalação no Brasil está a cargo de Daniela Thomas e Felipe Tassara. A seleção da 42º Mostra ainda está sendo fechada, mas alguns títulos foram divulgados recentemente, incluindo os vencedores dos festivais de Berlim e Cannes, “Touch Me Not”, da romena Adina Pintilie e “Assunto de família”, de Hirokazu Kore-Eda. Também estão na lista “Infiltrado na Kan”, de Spike Lee, “A Casa que Jack Construiu’, de Lars von Trier, e “3 Faces”, do iraniano Jafar Panahi. Além disso, a Mostra vai comemorar os 20 anos de “Central do Brasil” (1998), com uma exibição da cópia restaurada do filme de Walter Salles, com presença do diretor e de parte do elenco. Outro clássico do cinema brasileiro que ganhará cópia restaurada é “Pixote, A Lei do Mais Fraco” (1981), de Hector Babenco, cuja obra completa está sendo recuperada.
Ensaio poético de Laurie Anderson faz de Coração de Cachorro um fluxo de maravilhas
Laurie Anderson, uma artista que já trafegou por diversos tipos de arte, inclusive o rock, abre seu coração e expõe, com seu talento, seus sentimentos de luto sobre a perda de sua cachorra, Lolabelle, e sobre outras perdas que a afligiram, de uma maneira ou de outra, como a perda da mãe e o sentimento que atingiu todos os americanos depois do ataque às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001. “Coração de Cachorro” é um desses trabalhos singulares, que combina documentário pessoal e animação para adotar um tom ensaístico, lembrando até um pouco o olhar de Jean-Luc Godard em “Adeus à Linguagem” (2014), mas que tem uma identidade bem própria, até por ser mais acessível, com o uso de suas referências intelectuais – a filósofos como Kirkegaarde e Wittgenstein – de forma mais ilustrativa. Não funcionam exatamente como hipertextos, já que o que mais importa é o sentimento das histórias de Anderson. E essas histórias são fascinantes. Não apenas a de Lolabelle, os seus últimos dias na Terra e a ligação que a diretora faz, de modo fascinante com o “Livro Tibetano dos Mortos”, entre outros momentos memoráveis, mas também as reflexões sobre momentos de sua infância e adolescência, experiências que ela costura de maneira muito sutil e elegante ao longo da narrativa. O processo criativo da diretora pode causar confusão sobre o porquê de determinados assuntos serem abordados, como a questão das câmeras escondidas, do quanto os Estados Unidos guardam de dados sobre todos seus cidadãos, mas aos poucos se percebe o quanto isso se liga com a história de Lolabelle. Ainda assim, algumas coisas ficam um pouco soltas na teia que ela constrói, como a morte de irmãos gêmeos amigos dela. Mas até isso ajuda a passar a ideia de que o filme adota um fluxo de consciência, semelhante ao usado por escritores como Virginia Woolf, James Joyce e Clarice Lispector. Essa fluidez, por sinal, é um dos maiores trunfos do filme. Também a mistura de música (de autoria da própria Anderson, exceto a canção final, de Lou Reed) com poesia escrita e visual é admirável, bem como a delicadeza com que assuntos espinhosos são tratados. O maior exemplo é a relação da diretora com sua mãe. No fim das contas, a reconciliação, a partir de uma forte lembrança de infância, acaba sendo um dos momentos mais líricos e emocionantes do filme. No mais, além de o uso da fotografia e do som serem muito sofisticados, há tanta coisa que o filme ensina ou lembra: sobre o bardo, sobre o olhar dos cães, sobre as lembranças que nós mesmos tratamos de apagar por serem muito dolorosas, e o mais bonito de tudo, sobre a morte ter uma ligação direta com o amor. Por tudo isso, é um trabalho maravilhoso.


