Dean Stockwell (1936–2021)
O famoso ator Dean Stockwell, que teve carreira longuíssima e repleta de clássicos – e até filmou no Brasil – , morreu na manhã do último domingo (7/11) de causas naturais, aos 85 anos. Filho de Harry Stockwell, que dublou o Príncipe Encantado em “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), Dean e seu irmão mais velho, Guy Stockwell (“Beau Gest”), começaram a trabalhar ainda nos anos 1940 como atores mirins. Ao estrear na Broadway com 7 anos, ele chamou atenção da MGM e se mudou para Hollywood, onde passou a filmar e estudar ao lado de colegas de classe famosos, como Roddy McDowall, Elizabeth Taylor, Jane Powell e Russ Tamblyn. A estreia no cinema foi como uma criança fugitiva no famoso musical “Marujos do Amor” (1945) ao lado de Frank Sinatra e Gene Kelly. O sucesso do filme o fez emendar várias produções no período, até começar a ser escalado como protagonista aos 12 anos, em “O Órfão do Mar” (1948), de Henry King, e “O Menino de Cabelos Verdes” (1948), de Joseph Losey, em que viveu os personagens-títulos. Em sua infância, ele foi dirigido por alguns dos maiores mestres da velha Hollywood, em obras como “A Luz é para Todos” (1947), de Elia Kazan, que lhe rendeu um Globo de Ouro juvenil, “Capitães do Mar” (1949), de Henry Hathaway, “O Jardim Encantado” (1949), de Fred M. Wilcox, “O Testamento de Deus” (1950), de Jacques Tourneur, e “Era Sempre Primavera” (1950), de William A. Wellman. Seu papel-título na aventura “Kim” (1950), na qual contracenou com Errol Flynn, chegou a inspirar o lançamento de uma revista em quadrinhos. Mas seu contrato com a MGM acabou quando ele chegou os 16 anos. No auge da popularidade, Stockwell decidiu pausar a carreira para se formar na Hamilton High School em Los Angeles e estudar na faculdade em Berkeley, antes de, inspirado por “On the Road”, viajar pelo país. Só que, após um hiato de cinco anos, encontrou dificuldades para retomar as atividades, passando a atuar na TV, onde fez vários teleteatros, e também nos palcos. Até que seu desempenho na Broadway lhe reconduziu ao cinema. Após uma década vivendo o bom menino, ele reapareceu em “Estranha Obsessão” (1959), de Richard Fleischer, como um dos psicopatas universitários que matam um colega só para provar que era possível cometer um crime perfeito. Stockwell reprisava um papel que tinha vivido nos palcos de Nova York, e que por isso sabia de cor. De fato, foi tão magistral que acabou consagrado no Festival de Cannes de 1959 com o troféu de Melhor Ator. A partir daí, emendou outros papéis dramáticos importantes. Em “Filhos e Amantes” (1960), de Jack Cardiff, foi um jovem artista que busca uma vida diferente de sua família de mineiros. Em outro clássico, “Longa Jornada Noite Adentro” (1962), de Sydney Lumet, foi o filho doente terminal de uma família doentia, inspirado na juventude do escritor Eugene O’Neill. A interpretação depressiva lhe rendeu seu segundo prêmio de Melhor Ator em Cannes, em 1962. Apesar do impacto dessas produções, seu filme seguinte, “Nasce uma Mulher”, só estreou em 1965, e para se manter Stockwell precisou ampliar as participações na TV, conseguindo um papel recorrente na popular série médica “Dr. Kildare” em 1965. Isto, porém, fechou-lhe as portas das produções de prestígio, iniciando outra fase em sua carreira. Stockwell descobriu as drogas, mudou-se para San Francisco e entrou na contracultura como um hippie sábio em “Busca Alucinada” (1968), filme psicodélico de Richard Rush que também trazia Jack Nicholson como guitarrista de uma banda de rock. E após uma rápida transformação em vilão de terror em “O Altar do Diabo” (1970), mergulhou de vez no cinema contracultural. Viveu o pistoleiro Billy the Kid no filme dentro do filme de “O Último Filme” (1971), obra maldita do eterno hippie Dennis Hopper, de quem se tornou amigo inseparável. Foi ainda um repórter-lobisomem nos bastidores do poder político em “O Lobisomem de Washington” (1973), cult marginal de Milton Moses Ginsberg. E voltou a encontrar Hopper como um hipster em “Tracks” (1974), de Henry Jaglom, sobre traumas da Guerra do Vietnã. Foram filmes cultuadíssimos, mas que pagaram bem menos que ele estava acostumado. Por isso, sua carreira televisiva como ator convidado multiplicou-se com participações em “Bonanza”, “Missão: Impossível”, “Mannix”, “Galeria do Terror”, “Columbo”, “Cannon”, “São Francisco Urgente”, “Os Novos Centuriões”, “Casal 20” e “Esquadrão Classe A”, entre muitas outras séries. Sem atenção de Hollywood, Stockwell estrelou “Alsino e o Condor” (1982), produção da Nicarágua que acabou indicada ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, e o mexicano “Matar um Estranho” (1983). Até se desiludir de vez e resolver abandonar o cinema para vender imóveis no Novo México. Entretanto, para complementar a renda, aceitou fazer um último filme de um diretor alemão. Tudo mudou com o filme do tal alemão. Em 1984, ele viveu o irmão de Harry Dean Staton em “Paris, Texas”. O drama do cineasta Wim Wenders acabou vencendo o Festival de Cannes e se tornando um dos longas mais famosos da década. Sua filmografia reviveu com uma coleção de pequenas participações inesquecíveis. Ele apareceu na primeira versão da sci-fi “Duna” (1984), sob a direção de David Lynch, no cult adolescente “A Lenda de Billie Jean” (1985) e no thriller policial “Viver e Morrer em Los Angeles” (1986), de William Friedkin, antes de atingir o ápice com sua melhor pequena participação de todas, o cafetão-traficante Ben de “Veludo Azul” (1986), novamente dirigido por Lynch e ao lado do velho amigo Dennis Hopper. A cena em que ele canta Roy Orbison para o torturado Kyle MacLachlan figura entre as mais icônicas do cinema moderno. Em seguida, ele enfrentou Eddie Murphy em “Um Tira da Pesada II” (1987) e fez uma dobradinha de filmes para Francis Ford Coppola, “Jardins de Pedra” (1987) e “Tucker: Um Homem e seu Sonho” (1988), até ter seu status de ladrão de cenas consagrado pela Academia, com uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo desempenho como um chefão da máfia na comédia “De Caso com a Máfia” (1988), de Jonathan Demme. Foi nesse período que acabou vindo filmar no Brasil, onde, sem falar português, viveu o patrão de “Jorge, um Brasileiro” (1988), drama caminhoneiro dirigida por Paulo Thiago, com Carlos Alberto Riccelli e Glória Pires no elenco. Na projeção nacional, foi dublado por Odilon Wagner. Ao voltar aos EUA, Stockwell passou a se dedicar a seu papel mais duradouro na TV, interpretando o almirante Al Calavicci em cinco temporadas da série “Quantum Leap” (1989–1993), que lhe renderam indicações ao Emmy em quatro anos consecutivos. “Ele costumava anunciar sua chegada no estúdio com um grito: ‘A diversão começa agora!’. Palavras mais verdadeiras nunca foram ditas”, lembrou Scott Bakula, seu colega de elenco na série, em depoimento à imprensa nesta terça (9/11). Stockwell ainda fez nova parceria com Dennis Hopper em “Atraída pelo Perigo” (1990), foi um agente de talentos desesperado num dos melhores longas de Robert Altman, “O Jogador” (1992), atuou no thriller de ação “Força Aérea Um” (1997), com Harrison Ford, e até retomou as colaborações com Coppola em “O Homem Que Fazia Chover” (1997), vivendo um juiz corrupto. Mas depois disso seus melhores papéis foram na TV, principalmente como John Cavill, um dos robôs humanoides vilões do reboot de “Battlestar Galactica”, entre 2006 e 2009. Em 2015, ele se aposentou da carreira de ator e passou a se dedicar às artes plásticas. Artista talentoso, Stockwell já tinha se destacado ao projetar a arte da capa de um álbum de Neil Young, “American Stars ‘n Bars”, de 1977, e exibia suas obras por várias regiões nos Estados Unidos com seu nome completo: Robert Dean Stockwell.
Paulo Thiago (1945-2021)
O cineasta Paulo Thiago, um dos maiores talentos do cinema brasileiro, morreu durante a madrugada deste sábado (5/6), aos 75 anos, no Rio de Janeiro. Ele estava internado no hospital Samaritano desde o dia 7 de maio e sua morte foi causada por uma parada cardíaca após uma doença hematológica. Nascido em Aimorés, em Minas Gerais, o diretor foi morar no Rio de Janeiro ainda criança. Ele chegou a cursar economia e sociologia política na PUC, mas seus dias de universitário acabaram lhe desenvolvendo a paixão pelo cinema e o lançando numa trajetória completamente diferente de seus planos originais. Seu primeiro filme foi o documentário “A Criação Literária de João Guimarães Rosa”, lançado em 1969, que chegou a ser premiado no Festival de Santarém, em Portugal. No ano seguinte, lançou seu primeiro longa-metragem de ficção, “Os Senhores da Terra”, também reconhecido internacionalmente ao ser incluído no Festival de Karlovy Vary. Seus próximos trabalhos o consagraram de vez. “Sagarana, o Duelo” (1974) foi selecionado para a mostra competitiva do Festival de Berlim e “Soledade, a Bagaceira” (1976) foi premiado no Festival de Brasília. Ele também fez “Batalha dos Guararapes” (1978), que se tornou um dos primeiros épicos do cinema brasileiro, e “Águia na Cabeça” (1984), pioneiro ao abordar o jogo do bicho e a contravenção do Rio. Ao longo da carreira, Paulo Thiago se especializou em retratar o homem comum em luta contra adversidades maiores que suas capacidades, e essa temática teve seu auge em “Jorge, um Brasileiro” (1989), centrado num caminhoneiro com uma missão de entrega impossível, que refletia as condições da categoria. Com seus trabalhos, também participou da retomada do cinema brasileiro nos anos 1990, alcançando sucesso com “Vagas Para Moças de Fino Trato” (1993), premiado no Festival de Brasília, e “Policarpo Quaresma, Herói do Brasil” (1998), sobre um populista fanático de direita que busca o poder e hoje parece terrivelmente premonitório. O diretor dedicou duas obras consecutivas ao poeta Carlos Drummond de Andrade, o documentário “Poeta de Sete Faces” (2002) e a ficção “O Vestido” (2003), adaptação de um poema do escritor. Por sinal, essa era outra característica de sua filmografia. Depois de estrear com “A Criação Literária de João Guimarães Rosa”, ele filmou “Saragana”, de Guimarães Rosa. A alternância ainda se refletiu de forma temática em dois filmes seguidos com fundo musical, “Coisa Mais Linda: Histórias e Casos da Bossa Nova” (2005), documentário sobre a Bossa Nova, e “Orquestra dos Meninos” (2008), a história de Mozart Vieira, que ensinou música a crianças pobres de Pernambuco e, recusando-se a participar do jogo político local, sofre vingança e tem seu trabalho questionado por uma falsa acusação de abuso de alunos. “Orquestra dos Meninos” serviu como resumo da temática mais emblemática do diretor, exemplificando a luta de brasileiros para melhorar de vida e de país, sempre em luta com interesses de poderosos, fossem os coronéis de “Os Senhores da Terra” ou a manipulação política da “Batalha dos Guararapes”. O diretor ainda fez “Doidas e Santas” (2016), a rara comédia de sua carreira, e “A Última Chance” (2017), exibido no Festival do Rio e protagonizado por Marcos Pigossi, sobre a história de um ex-presidiário que se redime graças às artes marciais (ele fez um documentário sobre esse personagem real em 2013), além de “Memórias do Grupo Opinião” (2019), que esteve na 24ª edição do festival É Tudo Verdade, apresentando a trajetória do grupo teatral carioca Opinião, marco da resistência contra a ditadura. Entre os projetos que desenvolvia, ficaram incompletos “Rabo de Foguete”, filme baseado na obra de Ferreira Gullar, e um documentário sobre o grupo musical MPB4. Mas Paulo Thiago não foi só diretor. Ele produziu filmes como “Engraçadinha” (1981), de Haroldo Marinho Barbosa, “O Bom Burguês” (1983), de Oswaldo Caldeira, “Fulaninha” (1986), de David Neves, “Beijo na Boca” (1986), de Euclydes Marinho e “Aparecida, O Milagre” (2010), de Tizuka Yamasaki. Também presidiu o Sindicato da Indústria Cinematográfica e Audiovisual do Rio de Janeiro e a Associação Brasileira de Produtores Cinematográficos, além de ter sido um dos fundadores da Associação Brasileira dos Cineastas.

