Doce Veneno é um filme de outra época, mais divertida e libertária
“Doce Veneno” evoca a época das pornochanchadas brasileiras ou, equivalente, a era de ouro do cinema erótico italiano. Mas também na França das décadas de 1970 e 1980 se produzia filmes mais apelativos, ainda que o cinema do país sempre parecesse tratar a sexualidade com mais naturalidade e menos malícia do que nós e os italianos. A comédia de Jean-François Richet (“Herança de Sangue”) é, na verdade, remake de um desses filmes, que busca fazer graça, mexer um pouco com a libido e também encher os olhos do espectador com a beleza e o viço de sua estrela, a ninfeta que dá em cima do melhor amigo do próprio pai. Para se ter ideia, o cartaz do filme original, traduzido como “Um Momento de Loucura” em 1977, era uma ilustração sacana de Georges Wolinski, o mestre do cartum erótico francês, assassinado no massacre da revista Charlie Hebdo, vítima da repressão e do mau humor contemporâneo. Na trama, dois amigos, Laurent (Vincent Cassel, de “Jason Bourne”) e Antoine (François Cluzet, de “Intocáveis”), levam suas jovens filhas para passar uns dias na praia para se divertirem. Laurent é divorciado e Antoine está passando por uma crise no casamento. O filme já começa com os quatro dentro do carro e a caminho da casa que servirá de local para muitas confusões e intrigas. Mas tudo é visto de maneira bem leve, embora às vezes o diretor pese um pouco a mão, e em ocasiões Cluzet esteja visivelmente exagerado no registro cômico, especialmente quando descobre que um sujeito bem mais velho andou mexendo com sua filha. A cena fica, claramente, parecendo mesmo de um filme de outra década. Curiosamente, a mesma premissa serviu de inspiração para um filme americano bem parecido, “Feitiço do Rio” (1984), que contou com Michael Caine como protagonista e trouxe Demi Moore de topless nas praias cariocas. “Doce Veneno” é um pouco menos apelativo, embora seja generoso em pelo menos uma cena de nudez da lolita estreante, Lola Le Lann. De fato, a cena que os dois protagonistas ficam pela primeira vez juntos, uma cena na praia, é uma das melhores do filme. Mas enquanto a lolita insiste que a vida é pra ser vivida agora, ou algo do tipo, Laurent morre de preocupação, pois estaria se envolvendo com uma menor de idade (17 anos e meio), bem mais nova do que ele e, pior, filha de seu grande amigo. Mas quem espera que o filme prossiga com esse tom de provocação sensual pode até ficar um pouco decepcionado, já que há um interesse maior no modo como essa relação, que nasceu em noite de lua cheia, abalará as estruturas das relações entre amigos e pais e filhas dentro daquele ambiente. Ainda que não se trate de um grande filme, é agradável de ver. E o anacronismo não incomoda. Ao contrário: acaba funcionando a seu favor, por mais que muitos considerem o resultado uma simples bobagem. Enquanto mais bobagens como essa aparecerem nas comédias contemporâneas, mais claro ficará que o cinema de décadas passadas era bem mais divertido e libertário. É como se a culpa que sente o personagem de Cassel tivesse sido incorporada por todas as novas gerações em relação ao prazer.
Volta de Mel Gibson em Herança de Sangue empolga mais que o próprio filme
Quem aprecia o trabalho de Mel Gibson, seja o ator ícone dos anos 1980 e 1990, seja o grande diretor que se revelou, sempre torce por um retorno triunfal, depois dos vacilos que viraram sua vida do avesso e o tornaram persona non grata para muitos. E enquanto sua volta retumbante à direção não estreia – “Até o Último Homem”, aplaudido de pé por 10 minutos no Festival de Veneza, só chega em janeiro – , “Herança de Sangue” quebra o galho, permetindo rever Gibson como ator. Produção francesa travestida de hollywoodiana, “Herança de Sangue” tem direção de Jean-François Richet, cuja estreia hollywoodiana de fato se deu com o remake “Assalto à 13ª Delegacia” (2005). Assim como aquele, o novo filme de Richet evoca o cinema B de ação, mas tem os seus méritos, principalmente para fãs de Gibson, ao modelar o novo protagonista em heróis oitentistas, como Max Rockatansky e o detetive Martin Riggs. Essas citações chegam a ser explícitas e funcionam como uma piscadela de olho do diretor (e do ator) para o público. “Herança de Sangue” não é muito diferente dos melhores e dos piores filmes estrelados pelo ator. E aí entra uma característica praticamente autoral. Ainda que idealizados e dirigidos por outras pessoas, os longas estrelados por Gibson acabam trazendo personagens que dialogam entre si, perpetuando o tom trágico de seus heróis falhos, retratados como suicidas, meio maníacos ou incutidos por algum sentimento de culpa que remete ao catolicismo fervoroso do ator. Basta lembrar de obras tão distintas quanto “Mad Max” (1979), “Máquina Mortífera” (1987), “Hamlet” (1990), “O Patriota” (2000), “Fomos Heróis” (2002), “O Fim da Escuridão” (2010) e “Um Novo Despertar” (2011). Novamente temos um personagem que se martiriza, dessa vez por não ter dado uma educação ou uma atenção adequadas à filha, que se encontra desaparecida e envolvida com pessoas pouco confiáveis. Logo no começo, vemos o quanto a vida da menina (Erin Moriarty, da série “Jessica Jones”) anda louca. Mas o personagem de Gibson também não se saiu muito melhor, como um ex-presidiário que mora em uma comunidade de trailers no meio do deserto. Ele trabalha como tatuador e exibe as rugas da idade, mostradas em vários closes-ups ao longo do filme. A história, porém, é bastante superficial, e lá pela metade do filme já tende a aborrecer, perdendo-se em clichês. Até mesmo os aspectos trágicos e de sacrifício, que costumam ser muito bem explorados nos filmes dirigidos pelo próprio Gibson, como os excelentes “Coração Valente” (1995) e “A Paixão de Cristo” (2004), acabam minimizados por Richet na condução da trama. Ao final, o personagem e seu intérprete provam-se muito melhores que o filme medíocre em que se encontram.
Herança de Sangue: Volta de Mel Gibson ao cinema de ação ganha trailer e 65 fotos
A Lionsgate divulgou o trailer, o pôster e 65 fotos de “Herança de Sangue” (Blood Father), a volta de Mel Gibson ao cinema de ação. As imagens ainda mostram o ator na estrada, em meio ao deserto, como em seus velhos tempos de “Mad Max”. No filme, Gibson vive um ex-presidiário a quem a filha adolescente recorre, após muitos anos distante, em busca de ajuda para escapar de um grupo de traficantes que querem matá-la. A atriz Erin Moriarty, que viveu a filha de Woody Harrelson na série “True Detective”, interpreta a jovem e o elenco também destaca Diego Luna (“Elysium”), William H. Macy (série “Shameless”), Elisabeth Röhm (série “The Last Ship”), Thomas Mann (“Eu, Você e a Garota que Vai Morrer”) e Dale Dickey (“A Possessão do Mal”). O roteiro é de Peter Craig (“Atração Perigosa”) e a direção do francês Jean-François Richet (“Inimigo Público nº 1”). A estreia está marcada para 12 de agosto nos EUA e 22 de setembro no Brasil.
Festival de Cannes tem edição mais competitiva dos últimos anos
A edição 2016 do Festival de Cannes, que começa nesta quarta (11/5) com a exibição de “Café Society”, novo filme de Woody Allen, será a mais competitiva dos últimos anos. A organização do evento fez uma seleção de cineastas prestigiadíssimos, verdadeiros mestres do cinema, para a disputa da Palma de Ouro, aumentando a responsabilidade do juri presidido por George Miller (foto acima), o diretor de “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015). Para dar uma ideia inicial do que representam os 20 cineastas selecionados, o menos experiente é o brasileiro Kleber Mendonça Filho, que mesmo assim conquistou prêmios internacionais com sua obra de estreia, “O Som ao Redor” (2014). A grande maioria dos selecionados já foi reconhecida por troféus no próprio Festival de Cannes. Quatro deles, por sinal, levaram a Palma de Ouro. Os maiores campeões são os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, duas vezes vencedores com “Rosetta” (1999) e “A Crianca” (2005). Eles retornam com o drama “La Fille Inconnue” (ou, no título internacional, “The Unknown Girl”), estrelado por Adèle Haenel, a jovem estrela francesa de “Lírios d’Água” (2007) e “Amor à Primeira Briga” (2014). Dois outros cineastas que já conquistaram a Palma de Ouro também estão de volta à competição. Vencedor pelo impactante “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” (2007), o romeno Cristian Mungiu apresenta “Bacalaureat”, enquanto o britânico Ken Loach, laureado por “Ventos da Liberdade” (2006), exibe “I, Daniel Blake”. A lista prestigiosa também tem diversas Palmas de Prata. O dinamarquês Nicolas Winding Refn, premiado no festival pela direção de “Drive” (2011), traz seu terror artístico “Neon Demon”, passado no mundo da moda e estrelado por Elle Fanning (“Malévola”), Bella Heathcote (“Orgulho e Preconceito e Zumbis”), Abbey Lee (“Mad Max: Estrada da Fúria”), Jena Malone (franquia “Jogos Vorazes”), Keanu Reeves (“De Volta ao Jogo”) e Christina Hendricks (série “Mad Men”). O espanhol Pedro Almodóvar, que recebeu de Cannes o troféu de Melhor Roteiro por “Volver” (2006), comparece com “Julieta”, drama sobre perda e abandono que acompanha uma mulher (interpretada em diferentes fases por Emma Suarez e Adriana Ugarte) ao longo de três décadas. O canadense Xavier Dolan, que venceu o Prêmio do Juri por “Mommy” (2014), revela “Juste la Fin du Monde” (título internacional: “It’s Only the End of the World”), seu primeiro longa estrelado por astros franceses. E que astros! O elenco inclui Léa Seydoux (“007 Contra Spectre”), Marion Cotillard (“Macbeth”), Vincent Cassel (“Em Transe”) e Gaspard Ulliel (“Saint Laurent”). O festival, claro, continua a destacar o cinema francês, e este ano selecionou quatro obras da “casa”. Olivier Assayas vai disputar a Palma de Ouro pela quinta vez com “Personal Shopper”, por coincidência outra história sobrenatural passada no mundo da moda (como “Neon Demon”), que volta a reunir o diretor com a atriz Kristen Stewart após o premiado “Acima das Nuvens” (2014). Nicole Garcia (“Um Belo Domingo”), por sua vez, concorre pela terceira vez com “Mal de Pierres” (“From the Land of the Moon”), que junta Marion Cotillard com Louis Garrel (“Dois Amigos”) num romance de época que atravessa gerações. Bruno Dumont, que já levou duas vezes o Grande Prêmio do Júri (por “A Humanidade”, em 1999, e “Flandres”, em 2006), compete com “Ma Loute” (“Slack Bay”), uma combinação de mistério gótico e romance gay juvenil passado no litoral francês em 1910, no qual Juliette Binoche (“Acima das Nuvens”) interpreta a matriarca de uma antiga família decadente. E Alain Guiraudie, vencedor da Mostra um Certo Olhar com “Um Estranho no Lago” (2013), traz “Rester Vertical” (“Staying Vertical”), cuja história está sendo mantida em sigilo. Além da já citada obra de Nicole Garcia, a competição terá mais dois filmes dirigidos por mulheres: o road movie “American Honey”, da inglesa Andrea Arnold, que venceu o Prêmio do Juri com “Aquário” (2009), e “Toni Erdmann”, um drama sobre relacionamento familiar da alemã Maren Ade, anteriormente premiada no Festival de Berlim por “Todos os Outros” (2009). O cinema americano, como sempre, também se destaca na seleção, comparecendo com três representantes. Sean Penn, que já foi premiado em Cannes como ator por “Loucos de Amor” (1997), dirige “The Last Face”, drama humanitário passado na África e estrelado por sua ex-mulher Charlize Theron (“Mad Max: Estrada da Fúria”). Jim Jarmusch, vencedor do Prêmio do Júri por “Flores Partidas” (2005), lança “Paterson”, em que Adam Driver (“Star Wars: O Despertar da Força”) é um motorista de ônibus poeta. E Jeff Nichols, que disputou a Palma de Ouro com “Amor Bandido” (2012), retorna com “Loving”, no qual Joel Edgerton (“Aliança do Crime”) e Ruth Negga (série “Agents of SHIELD”) vivem um casal inter-racial nos anos 1950. Outro cineasta bastante conhecido em Hollywood, o holandês Paul Verhoeven, que disputou a Palma de Ouro por “Instinto Selvagem” (1992), traz seu primeiro filme falado em francês, “Elle”, estrelado pela atriz Isabelle Huppert (“Amor”). Refletindo sua filmografia, o longa deve se tornar um dos mais comentados do festival pelo tema polêmico. Na trama, a personagem de Huppert é estuprada e fica fascinada pelo homem que a atacou, passando a persegui-lo. A seleção também inclui três cineastas asiáticos. O iraniano Asghar Farhadi, vencedor do Oscar por “A Separação” (2011) e premiado em Cannes por “O Passado” (2013), volta a lidar com seus temas favoritos, relacionamentos e separações, em “The Salesman”. O filipino Brillante Mendoza, também já premiado em Cannes pela direção de “Kinatay” (2009), traz o drama “Ma’ Rosa”, sobre uma família que possui uma loja de conveniência numa região pobre de Manilla. Por fim, o sul-coreano Park Chan-wook, que ganhou o Grande Prêmio do Juri por “Oldboy” (2003), conta, em “The Handmaiden”, um romance lésbico ambientado na Inglaterra vitoriana. É esta turma premiadíssima que o brasileiro Kleber Mendonça Filho irá enfrentar, com a exibição de “Aquarius” na mostra competitiva. Rodado em Recife, o filme também marca a volta de Sonia Braga ao cinema nacional, no papel de uma viúva rica em guerra contra uma construtora que quer desaloja-la do apartamento onde vive. O Brasil levou a Palma de Ouro apenas uma vez na história, com “O Pagador de Promessas”, em 1962. E o cinema nacional estava meio esquecido no festival. “Aquarius” interrompe um hiato de oito anos desde que uma produção brasileira competiu pela Palma de Ouro pela última vez – com “Linha de Passe”, de Walter Salles e Daniela Thomas, em 2008. Por sinal, o país também está representado na disputa da Palma de Ouro de curta-metragem, com “A Moça que Dançou com o Diabo”, do diretor João Paulo Miranda Maria, incluído na competição oficial. Além da disputa da Palma de Ouro, o festival terá diversas mostras paralelas, que incluem a exibição do documentário “Cinema Novo”, de Eryk Rocha (“Campo de Jogo”), programado na mostra Cannes Classics, dedicada a filmes clássicos e à preservação da memória e do patrimônio cinematográfico mundial. O filme vai concorrer ao prêmio L’Oeil d’Or (Olho de Ouro), entregue ao melhor documentário do festival, em disputa que se estende a todas as mostras. O júri deste ano conta com a participação do crítico brasileiro Amir Labaki, diretor do Festival É Tudo Verdade. A programação do festival ainda exibirá, fora de competição, a já citada nova comédia de Woody Allen, “Café Society”, a volta de Steven Spielberg (“Ponte dos Espiões”) ao cinema infantil, com “O Bom Gigante Amigo”, adaptado de uma história de Road Dahl (autor de “A Fantástica Fábrica de Chocolate”), o thriller financeiro “Jogo do Dinheiro”, de Jodie Foster (“Um Novo Despertar”), a comédia “Dois Caras Legais”, de Shane Black (“Homem de Ferro 3”), e o thriller “Herança de Sangue”, do francês Jean-François Richet (“Inimigo Público nº 1”), que marca a volta de Mel Gibson (“Os Mercenários 3”) como protagonista de filmes de ação. Sem mencionar dezenas de outras premières mundiais em seções prestigiadas como Um Certo Olhar, Quinzena dos Diretores, Semana da Crítica e Cine-Fundação.
Festival de Cannes anuncia novo filme do diretor de A Separação e homenagem a Prince
A organização do Festival de Cannes anunciou a inclusão de “The Salesman”, novo filme do diretor iraniano Asghar Farhadi (vencedor do Oscar por “A Separação”) na disputa da Palma de Ouro de 2016, além de uma homenagem em sua programação ao cantor Prince, morto na quinta-feira (21/4). Ainda não há detalhes sobre como se dará o tributo. “Faremos uma homenagem a Prince, mas não temos mais informações neste momento”, disse um representante do evento. O artista tem um Oscar e dois Globos de Ouro por músicas criadas para o cinema. Ele também dirigiu dois longas de ficção e um documentário. Também não há muitas informações sobre o novo filme de Farhadi, embora ele continue a lidar com os temas favoritos do diretor, relacionamentos e separações. Outros filmes foram acrescentados às mostras paralelas, entre eles “Hell or High Water”, do inglês David Mackenzie (“Encarcerado”), incluído na seção Um Certo Olhar, e “Herança de Sangue”, do francês Jean-François Richet (“Inimigo Público nº 1”), que marca a volta de Mel Gibson (“Os Mercenários 3”) como protagonista de ação. No filme, com exibição na seção da Meia-Noite, Gibson interpreta um pai capaz de tudo em defesa da filha caçada por traficantes. O Festival de Cannes de 2016 acontece entre os dias 11 e 22 de maio, na Riviera francesa. ANTERIOR




