Justiça manda governo Bolsonaro retomar edital de séries com temática LGBTQIA+
A 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro derrubou nesta segunda-feira (7/10), em liminar, a portaria do Ministério da Cidadania que suspendia o edital de séries com temática LGBTQIA+, criticado pelo presidente Jair Bolsonaro durante uma live em 15 de agosto. Na decisão, a juíza Laura Bastos Carvalho afirma que a posição do governo traz indícios de discriminação (leia-se homofobia). “A alegação de uma necessidade que, em uma primeira análise, é irrelevante para o prosseguimento do certame suspenso, traz indícios de que a discriminação alegada pelo Ministério Público Federal pode estar sendo praticada”, analisa. O edital suspenso previa a produção de 80 séries brasileiras de vários gêneros, entre elas as atrações de temática LGBTQIA+ que Bolsonaro disse que mandaria “pro saco”. Citando quatro títulos do edital, o presidente afirmou em agosto que tinha vetado as produções porque não tinha “cabimento fazer filmes com esse tema”. Bolsonaro, porém, não tinha poder para vetar determinadas séries – que ele achava que eram filmes. Assim, contou com a ajuda do ministro da Cidadania Osmar Terra, que assinou uma portaria suspendendo o edital inteiro e prejudicando os 80 projetos que estavam aguardando a liberação de verbas para começar suas produções. Como justificativa, o ministro citou a necessidade de recomposição dos membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA), responsável por direcionar as verbas arrecadadas com o Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, taxa cobrada da indústria de cinema, TV e telefonia), para poder liberar o financiamento. A portaria também afirma que, uma vez recomposto, o comitê revisaria os critérios e diretrizes para a aplicação dos recursos do fundo, assim como os parâmetros de julgamento dos projetos e seus limites de valor. A medida foi considerada como um ato de censura formal praticado pelo governo, motivado por homofobia. Na decisão, a magistrada afirma que as possíveis mudanças no CGFSA não teriam impacto no prosseguimento no edital. Ela explica que a fase pendente para o fim do processo envolvia uma decisão da Comissão de Seleção Nacional, que não tem relação com o Comitê. “A necessidade de recomposição dos membros do Comitê Gestor do FSA não teria o condão, em um primeiro olhar, de suspender os termos do Edital de Chamamento, já que o referido Comitê não teria participação na etapa final do certame, que conta com comissão avaliadora própria, cuja composição foi definida pelas regras do edital publicado”, diz. A juíza cita ainda a necessidade de uma resposta rápida da Justiça ao caso. Segundo ela, “os direitos fundamentais a liberdade de expressão, igualdade e não discriminação merecem a tutela do Poder Judiciário”. Como exemplo, ela lembra da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou uma medida cautelar contra o processo de censura ocorrido na Bienal do Livro do Rio de Janeiro no começo de setembro. “O perigo na demora, referente ao caso posto nos presentes autos, traduz-se na possibilidade de que as obras selecionadas sejam inviabilizadas pela suspensão do certame, por até um ano. A falta de recursos para a sua concretização em um tempo razoável pode fazer com que tais projetos nunca saiam do papel, em evidente prejuízo à cultura nacional e à liberdade de expressão”, afirma. O Ministério Público Federal também está processando Osmar Terra por improbidade administrativa, em virtude da suspensão do edital. O MPF considerou que a suspensão causou prejuízo aos cofres públicos, uma vez que o governo federal já havia gasto quase R$ 1,8 milhão na análise das 613 propostas que disputavam o edital, aberto em março de 2018 e que já se encontrava na fase final. A suspensão também causou a saída do secretário de Cultura do Ministério da Cidadania, Henrique Pires, que pediu demissão no dia 21 de agosto, chamando a atuação de Osmar Terra de “censura”. Este não é o único problema enfrentado pela “política cultural” de Bolsonaro. A censura prévia que os bancos públicos — mais especificamente Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal — instituíram para a aprovação de projetos culturais patrocinados ou realizados pelas duas instituições é alvo de outro processo no Tribunal de Contas da União (TCU), que vê irregularidade nos atos.
Ministério Público Federal processa ministro da Cidadania no caso da suspensão de edital de séries LGBTQIA+
O Ministério Público Federal ajuizou nesta quarta (2/10) no Rio de Janeiro uma ação civil pública contra o ministro da Cidadania, Osmar Terra, por improbidade administrativa, em virtude da suspensão de um edital da Ancine para produções de audiovisual para emissoras de televisão públicas. O edital suspenso previa a produção de 80 séries brasileiras, entre elas atrações de temática LGBTQIA+ que foram alvo de críticas preconceituosas do presidente Jair Bolsonaro em uma live de agosto passado. Citando quatro títulos do edital, Bolsonaro afirmou que tinha vetado as produções porque não tinha “cabimento fazer filmes com esse tema”. Após esse ataque, o ministro da Cidadania Osmar Terra assinou uma portaria suspendendo o edital e prejudicando os 80 projetos que estavam aguardando a liberação de verbas para começar suas produções. Como justificativa, o ministro citou a necessidade de recomposição dos membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), responsável por direcionar as verbas arrecadadas com o Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, taxa cobrada da indústria de cinema, TV e telefonia), para poder liberar o financiamento. A portaria também afirma que, uma vez recomposto, o comitê revisará os critérios e diretrizes para a aplicação dos recursos do fundo, assim como os parâmetros de julgamento dos projetos e seus limites de valor. A medida foi considerada como um ato de censura formal praticado pelo governo, motivado por homofobia. O MPF considerou ainda que a suspensão causou prejuízo aos cofres públicos, uma vez que o governo federal já havia gasto quase R$ 1,8 milhão na análise das 613 propostas que disputavam o edital, aberto em março de 2018 e que já se encontrava na fase final. Na ação, o MPF pede a anulação da portaria que cancelou o edital, a conclusão do concurso e que o ministro devolva o dinheiro gasto até agora aos cofres públicos. Além da devolução do dinheiro gasto, a ação do MPF pode resultar, em caso de condenação, na perda do cargo do ministro, a suspensão de seus direitos políticos por oito anos e o pagamento de multa de duas vezes o valor do dano – R$ 3,6 milhões. Se Terra for condenado, ele poderá ainda ser proibido de ser contratado pelo Poder Público Federal ou dele receber benefícios ou incentivos fiscais durante cinco anos. Em sua defesa, o Ministério da Cidadania afirma que o concurso previa a possibilidade de suspensão ou anulação. Segundo a nota, “o edital suspenso não havia sido discutido por esse governo”. Ou seja, o projeto é anterior à eleição de Bolsonaro, o que não serve de desculpa para descaso com o dinheiro público, censura e homofobia. Para o MPF, a questão da censura e da homofobia está subentendida na suspensão. A ação contra o ministro afirma que o objetivo do ministro foi impedir que os projetos mencionados pelo presidente tivessem a chance de vencer o concurso. Como não havia meio legal de tirar os quatro projetos do concurso em sua fase final, a “solução” encontrada foi a de sacrificar todo o processo, de acordo com a análise do MPF. Além dos danos aos cofres públicos causados pela suspensão do concurso, o MPF afirma que “a discriminação contra pessoas LGBT promovida ou referendada por agentes públicos constitui grave ofensa aos princípios administrativos da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade as instituições”. O texto do processo lembra que em junho de 2019 o Supremo Tribunal Federal, na ação que criminalizou a homofobia, afirmou expressamente que “os homossexuais, os transgêneros e demais integrantes do grupo LGBT têm a prerrogativa, como pessoas livres e iguais em dignidade e direitos, de receber a igual proteção das leis e do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”. A ação do MPF é a segunda proposta na Justiça Federal do Rio sobre o caso. Em agosto, o deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), ex-ministro da Cultura na gestão Michel Temer (MDB), ajuizou uma ação popular para anular a portaria que cancelou o edital. O deputado alega que a medida é inconstitucional. No final de agosto, a juíza Andréa de Araújo Peixoto, da 29ª Vara Federal do Rio, abriu a ação e deu 20 dias para o governo federal explicar a suspensão do edital. Em agosto, procuradores da área de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico do MPF-RJ, instauraram Inquérito Civil Público para apurar o caso. Além disso, a suspensão do edital também está enfrentando processos da entidades representantes da indústria audiovisual brasileira. A suspensão do edital causou a saída do secretário de Cultura do Ministério da Cidadania, Henrique Pires, que pediu demissão no dia 21 de agosto, chamando claramente a anulação do edital de “censura”. Ele prestou depoimento no inquérito do MPF, no último dia 26 de setembro e afirmou que considera que a suspensão do edital foi “imotivada”, ou seja, não foi baseada em critérios legais. Segundo as regras do edital, o Ministro da Cidadania e o Secretário Especial de Cultura, enquanto órgãos de direção superior, não participam legalmente do processo de seleção dos projetos. Entretanto, de acordo com o que foi apurado pelo MPF, no dia seguinte à manifestação de Bolsonaro, Terra determinou a elaboração de pareceres para uma minuta de portaria para a suspensão do concurso, justificando, para tanto, que a medida era necessária para a recomposição dos membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual. O detalhe é que a formação do comitê depende das indicações de seis integrantes do governo, vindos de diferentes ministérios. Em dez meses de governo, Bolsonaro ainda não indicou nenhum representante. O decreto assinado por Osmar Terra prevê a suspensão do edital por 180 dias, podendo prorrogar o prazo caso o comitê gestor continue sem as indicações dos membros do governo. Trata-se de uma paralisia provocada propositalmente pelo governo, com aviso prévio de prorrogação indefinida. E se for considerada válida, na prática impede qualquer financiamento de produção nacional pelo FSA. Isto porque o Ministério da Cidadania afirmou que a recomposição do Comitê Gestor do FSA (CGFSA) depende da posse do Conselho Superior de Cinema (CSC), que ainda não tem data. Mesmo assim, o mesmo Ministério disse não haver previsão de suspender mais editais. Entretanto, se a justificativa para suspender um edital específico não se aplicar aos demais, o caso assume dimensões criminais, por condução arbitrária e/ou fraude na seleção de concursos públicos. Desde 2011, isto pode render pena de até oito anos de reclusão, quando o crime tiver sido cometido por funcionário público. Por enquanto, a investigação se dá na esfera civil, levando em conta apurações sobre prática de censura, dano aos cofres públicos e ato de homofobia. Mas a situação do ministro pode piorar, dependendo da reação da governo. E, caso Bolsonaro se manifeste oficialmente, também pode ser incluído entre os réus, fornecendo matéria prima para seu Impeachment.
Produtores de Greta se manifestam sobre corte de apoio da Ancine para participação no Queer Lisboa
Os produtores do filme “Greta” se manifestaram oficialmente sobre a rescisão do apoio financeiro da Ancine para a participação do longa no Festival Internacional Queer Lisboa. Eles consideram que, além da desculpa da falta de verbas alegada, a ação coincide com “a intenção de controle sobre o conteúdo produzido pelo setor audiovisual” já manifestada pelo presidente Jair Bolsonaro, especialmente após ataque público a obras de temática LGBTQIA+, que resultaram em suspensão de edital destinado a produção de séries do gênero. Na nota oficial, os produtores revelaram ter ficado sabendo que não teriam apoio através da coluna de Lauro Jardim no jornal O Globo. A justificativa oficial da Ancine foi um corte de R$ 13 milhões nas despesas gerais da agência. “Quando o corte atingiu o Programa de Apoio à Participação em Festivais Internacionais, a diretoria optou por cumprir com os apoios publicadas no DOU [Diário Oficial da União] referentes a filmes que já estavam no exterior e cancelar os apoios já aprovados e publicados referentes aos dois filmes citados”, escreveram, referindo-se a “Greta” e “Negrum3”, outro filme brasileiro que participaria do festival em Lisboa. “O ponto difícil de aceitar nessa resolução da Agência, sem entendê-la como censura, é que o nosso apoio foi aprovado há três semanas, a decisão retroativa poupou os projetos que participaram dos festivais de Toronto e Veneza, entretanto recaiu sobre dois filmes com temática LGBTQI+ inviabilizando a representação do Brasil num dos maiores festivais do gênero no mundo”, continuaram. “Recebemos com confiança as justificativas dadas pela Ancine, mas não podemos deixar de manifestar nossa profunda preocupação em face aos notórios casos de censura e perseguição à atividade artística e à liberdade de expressão, uma vez que a intenção de controle sobre o conteúdo produzido pelo setor audiovisual é pauta recorrente nos pronunciamentos do governo em relação a Ancine”, completaram os produtores. O comunicado ainda citou que “Greta” teve sua estreia mundial no festival de Berlim, além de participar de festivais na Ásia, na Europa e na América Latina. Estrelado por Marco Nanini, “Greta” retrata um enfermeiro gay que, ao tentar ajudar uma amiga transgênero, se vê envolvido romanticamente com um criminoso bem mais jovem. O filme será lançado comercialmente nos EUA, Itália, Alemanha, Holanda, Bélgica e Luxemburgo. A estreia no Brasil está marcada para 10 de outubro. “Greta” e “Negrum3” não foram os únicos filmes afetados pelo corte de verbas. Entre as vítimas, também se encontra “Pacarrete”, longa vencedor do Festival de Gramado deste ano. Dirigido por Allan Deberton, produtor de uma das séries LGBTQIA+ atacada por Bolsonaro no final de agosto, o filme também teve o apoio para ser exibido no Festival de Bogotá, na Colômbia, rescindido. Já a mineira Juliana Antunes contava com o apoio da agência para levar seu curta “Plano Controle” ao Festival de Nova York, com início em 27 de setembro, na semana que vem. É importante lembrar, de novo, que a mesma portaria que derrubou o edital das séries LGBTQIA+ congelou o acesso ao FSA (Fundo Setorial do Audiovisual). O efeito colateral da justificativa apresentada travou o financiamento de todo o setor. Para não fazer as séries que Bolsonaro atacou numa live por considerar “impróprias”, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, alegou falta de nomeação dos membros do Comitê Gestor do FSA, responsável por direcionar as verbas arrecadadas com o Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, taxa cobrada da indústria de cinema, TV e telefonia) para seus respectivos programas de fomento. O detalhe é que a formação do comitê depende das indicações do governo. E, passados nove meses de sua posse, Bolsonaro ainda não indicou nenhum representante. Como o governo alega que não pode liberar as verbas por não haver comitê que as direcione, e tampouco nomeia o comitê para resolver isso, está tudo parado.
Congelamento de verbas do audiovisual brasileiro já afeta filmes convidados para festivais internacionais
E segue firme o projeto de destruição da indústria cinematográfica e da volta escamoteada da censura no Brasil. Entre as vítimas da vez encontra-se “Pacarrete”, filme vencedor do Festival de Gramado deste ano. Dirigido por Allan Deberton, produtor de uma das séries LGBTQIA+ de um edital de TVs públicas polemicamente cancelado pelo governo Bolsonaro no final de agosto, o filme teve o pedido de apoio para ser exibido no Festival de Bogotá, na Colômbia, negado. A decisão é parte de uma deliberação da diretoria da Ancine, que atualmente está reduzida a duas pessoas após afastamentos e pela imobilidade transformada em método de governo. A dupla precisou suspender todos os programas de apoio por falta de verba. Além de Deberton, cineastas de outras cinco produções, entre curtas e longas-metragens, dizem ter sido lesados pela decisão, porque tiveram seus pedidos de apoio aprovados pela Ancine, compraram passagens aéreas para os respectivos festivais de que participariam, e só depois receberam o aviso de suspensão do programa. A mineira Juliana Antunes contava com o apoio da agência para levar seu curta “Plano Controle” ao Festival de Nova York, com início em 27 de setembro, daqui a duas semanas. Ela também negociava participar da Viennale, que acontece no final de outubro em Viena, e para o Festival de Mar del Plata, na Argentina, em novembro. “Como virar dinheiro da noite pro dia e arcar com uma viagem para a qual não tenho a menor condição financeira?”, questionou a diretora em entrevista à Folha de S. Paulo. Já Ana Carolina Marinho Dantas apelou para uma vaquinha virtual para conseguir apresentar o curta “Entre” no Festival de Londres, e articula uma ação jurídica contra o órgão junto com outros cineastas prejudicados. A verdade, porém, é que o problema é maior que o vislumbrado pelas reportagens da grande imprensa e manifestações de cineastas pontualmente prejudicados. Não falta dinheiro apenas para o programa de apoio à participação em festivais internacionais. O governo de Jair Bolsonaro congelou todo o investimento federal na indústria audiovisual brasileira. É importante lembrar, de novo, que a mesma portaria que derrubou o edital das séries LGBTQIA+ decretou a paralisia completa do investimento no setor ao congelar o FSA (Fundo Setorial do Audiovisual). Para não fazer as séries que Bolsonaro atacou numa live por considerar “impróprias”, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, encontrou uma brecha. Ele mandou suspender tudo alegando falta de nomeação dos membros do Comitê Gestor do FSA, responsável por direcionar as verbas arrecadadas com o Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, taxa cobrada da indústria de cinema, TV e telefonia) para seus respectivos programas de fomento. O detalhe é que a formação do comitê depende das indicações do governo. E, passados nove meses de sua posse, Bolsonaro ainda não indicou nenhum representante. O decreto apocalíptico prevê a suspensão do edital por 180 dias, podendo prorrogar o prazo caso o comitê gestor continue sem as indicações dos membros do governo. Trata-se, portanto, de uma inação intencional, como estratégia para censurar obras, cujo efeito colateral, pela justificativa apresentada, travou o financiamento de todo o setor. Como (apenas) a Pipoca Moderna vem alertando, isto não afeta apenas as séries que tiveram seu edital suspenso. Todos os projetos audiovisuais estão impedidos de receber financiamento, com base na justificativa apresentada. Apesar do impacto desse congelamento, a “grande imprensa” segue perceber a abrangência nem dar a devida importância para o assunto, assim como deixou de repercutir o anúncio do ministro Osmar Terra sobre seus planos para acabar com as cotas do cinema nacional e a produção de filmes de arte – os que vencem festivais – , no Brasil.
Entidades LGBTQIA+ denunciam Bolsonaro na Justiça por homofobia após falas contra filmes e séries
Cinco entidades de defesa dos direitos LGBTQIA+ decidiram denunciar judicialmente o presidente Jair Bolsonaro (PSL) por homofobia. Eles deram entrado numa representação na PGR (Procuradoria-Geral da República), pedindo uma ação do MPF (Ministério Público Federal) contra o presidente. A acusação é baseada nas declarações de Bolsonaro sobre filmes e séries que tiveram o
Novo secretário da Cultura do governo Bolsonaro nunca trabalhou com Cultura
O Ministério da Cidadania nomeou Ricardo Braga como secretário especial de Cultura, por meio de publicação, na noite de quarta-feira (4/9), de uma edição extra do Diário Oficial da União. Representantes dos setores culturais nunca ouviram falar em seu nome. Nem ele teve qualquer atividade que pudesse qualificá-lo para a função. Braga é um paulistano de 50 anos, formado em Economia pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP), com MBA em Finanças Corporativas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). E toda sua carreira é voltada ao segmento financeiro, em bancos e corretoras. Foi superintendente de operações do Banco Votorantim e atuava como diretor de Investimentos do Andbank Brasil antes de ser convidado para a secretaria. Em nota, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirma que a indicação “corresponde às necessidades da pasta em imprimir um maior dinamismo e eficiência aos projetos da Secretaria Especial de Cultura”. De fato, sua nomeação indica o prosseguimento do projeto destrutivo do ministro para o cinema brasileiro. Em evento pouco repercutido do grupo Voto, que aconteceu no final de agosto em São Paulo, o ministro da Cidadania anunciou seus planos para acabar com o cinema de arte brasileiro e as cotas de mercado para o cinema nacional. Osmar Terra defende que o estado só deve patrocinar filmes populares e lucrativos. “O cinema tem que buscar o público, não pode ser uma coisa só autoral para os amigos que gostam muito do cineasta gostarem do filme”, ele atacou, considerando o investimento em filmes que rendem “apenas” prêmios em festivais internacionais “um gasto enorme com filmes que ninguém vai ver”. Ele ainda afirmou que o Estado não deverá mais incentivar filmes que “não tem importância nenhuma para a sociedade”, como, por exemplo, os que tratam de sexualidade ou abordem temas LGBTQIA+, que o presidente Bolsonaro considera “impróprios”. Outro detalhe desse plano é a exigência de que parte do dinheiro de incentivo, usado para produzir filmes, tenha que ser devolvida com arrecadação em bilheteria. “Nós temos que rever a forma de fazer o financiamento. Transformar em um financiamento que tem que ser devolvido. Criar uma forma de buscar o público, se não ficam filmes que ninguém assiste. É um gasto enorme com filmes que ninguém vai ver”, propôs. Para completar, o ministro também acha que a reserva de um espaço mínimo em salas de cinema para filmes nacionais representam uma afronta ao mercado. “Cota para filme nacional no cinema também não pode durar muito. É uma lei que até ano que vem tem cota. Depois tem que rever isso”, ameaçou no mesmo evento. Ao escolher um nome do mercado para gerenciar a pasta da Cultura, fica claro que o projeto de destruição segue firme e forte. Esta é a missão de Braga ao assumir a vaga do demissionário Henrique Pires, que deixou a pasta denunciando o projeto de censura do governo.
Bolsonaro diz que vai nomear diretor evangélico na Ancine
O presidente Jair Bolsonaro disse que quer na Agência Nacional de Cinema (Ancine) um diretor de perfil evangélico. Em almoço com jornalistas, Bolsonaro afirmou que pretende encontrar alguém que saiba “recitar 200 versículos bíblicos”, tenha o joelho machucado de tanto rezar e carregue a bíblia “encaixada debaixo do braço” para comandar a agência. “É um certo exagero, mas eu sou um presidente conservador”, acrescentou, ao comentar o decreto que na sexta-feira (30/8) exonerou Christian de Castro Oliveira da presidência da entidade, e voltando a demonstrar descontentamento com a gestão liberal da Ancine. Bolsonaro também disse recentemente que iria nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o STF (Supremo Tribunal Federal) e que contava com um ministro “terrivelmente evangélico” na AGU (Advocacia Geral da União). Com essa linha de atuação, ele avança sobre a divisão entre estado e religião estabelecida pela Constituição. “O estado é laico, mas nós somos cristãos”, já disse e repetiu outras vezes, como defesa de sua atuação. A intensão de Bolsonaro parece ser realmente transformar em realidade a distopia imaginada pelo filme “Divino Amor”, de Gabriel Mascaro. Com 100% de aprovação no site Rotten Tomatoes, “Divino Amor” mostra um Brasil do futuro tão “terrivelmente evangélico” que nem carnaval tem mais. E onde regras rígidas e vigilância constante impedem a população de se desviar dos ideais consagrados pela religião. Por identificar em Bolsonaro o grande arquiteto dessa distopia, Mascaro nem sequer inscreveu seu filme para disputar uma vaga entre os selecionados ao Oscar de Melhor Filme Internacional. O cineasta tem profunda clareza de que “Divino Amor” jamais seria escolhido numa comissão estabelecida por ministério do atual governo, cuja pauta é evangelicamente “terrível”, a começar por defender “filtros” (outro nome para censura) no cinema nacional.
Bolsonaro demite presidente da Ancine por decreto
O presidente Jair Bolsonaro demitiu o presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Christian de Castro Oliveira, com um decreto publicado no Diário Oficial da União nesta sexta (30/8). Segundo o texto, Oliveira foi oficialmente afastado dos cargos de “diretor e diretor-presidente” por conta de uma decisão da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. A informação foi confirmada em nota do Ministério da Cidadania, que diz que o processo corre em segredo de Justiça. “O Ministério da Cidadania informa que demandará esforços para que a Agência possa atender o setor com normalidade”, acrescenta a nota. A decisão pode ter relação com um mandado de busca e apreensão na sede da Ancine, no Rio, emitido no final do ano passado por aquela mesma vara. Na ocasião, foram recolhidos computadores, HDs, livros contábeis e outros itens no órgão. Esta investigação realmente corre sob sigilo judicial e os crimes listados incluem denunciação caluniosa, violação de sigilo funcional, prevaricação, calúnia, injúria, difamação e associação criminosa. Além do presidente da Ancine, também foram afastados mais dois funcionários, investigados no mesmo processo. Com isso, Alex Braga Muniz, membro da diretoria colegiada da Ancine, vai substituir Oliveira de forma interina. Ele faz parte da Ancine desde 2003, quando ocupou o cargo de Coordenador de Consultoria da Procuradoria Federal junto à Agência. Bolsonaro vem atacando a Ancine em vários pronunciamentos feitos em suas transmissões ao vivo pelas redes sociais. Ele chegou a declarar que “se a Ancine não tivesse, na sua cabeça toda, mandato, já tinha degolado todo mundo”. A ameaça foi completada num vídeo por um gesto que representa o assassinato por meio de degola. Ele também disse que pretende extinguir ou enquadrar a agência para tender os critérios de seu governo. O presidente acusa a Ancine de dar “dinheiro público” para filmes impróprios, como “Bruna Surfistinha” e obras com temática LGBTQIA+. No último dia 21, o governo suspendeu um edital para financiamento de obras que abordavam questões como sexualidade e gênero. O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro instaurou um inquérito para apurar o caso, citando que “tal ameaça ou discriminação pode importar em inobservância das regras editalícias, de caráter vinculante para a administração pública.” O MPF expediu ofícios ao Ministério da Cidadania e à Ancine, requisitando informações não só sobre a suspensão do edital, mas também sobre “suposta decisão governamental de não aprovar projetos audiovisuais relacionados a temáticas LGBT”.
Produtores independentes protestam contra paralisação do setor audiovisual pelo governo Bolsonaro
Um abaixo assinado de produtoras independentes do Brasil chamou atenção para um fato que apenas a Pipoca Moderna, entre toda a imprensa brasileira, tem destacado desde o primeiro dia da suspensão do edital de financiamento de séries, que incluem produções de temática LGBTQIA+. O fato de que a portaria assinada pelo ministro da Cidadania Oscar Terra “afeta diretamente a cadeia audiovisual em todo o país”. As aspas são do documento publicado na sexta-feira (23/8). Para suspender o edital que permitiria a produção de séries LGBTQIA+ atacadas pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro deu como justificativa a necessidade de recomposição dos membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), responsável por direcionar as verbas arrecadadas com o Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, taxa cobrada da indústria de cinema, TV e telefonia), para poder liberar o financiamento. A portaria também afirma que, uma vez recomposto, o comitê revisará os critérios e diretrizes para a aplicação dos recursos do fundo, assim como os parâmetros de julgamento dos projetos e seus limites de valor. O detalhe é que a formação do comitê depende das indicações de seis integrantes do governo, vindos de diferentes ministérios. Em oito meses de governo, Bolsonaro ainda não indicou nenhum representante. O decreto assinado por Osmar Terra prevê a suspensão do edital por 180 dias, podendo prorrogar o prazo caso o comitê gestor continue sem as indicações dos membros do governo. Na prática, isto significa que todo o investimento do FSA foi paralisado pelo governo. Isto não afeta apenas as séries que tiveram seu edital suspense. Todos os projetos audiovisuais estão impedidos de receber financiamento, com base na justificativa apresentada. Para ficar bem claro: trata-se da paralisia completa do setor. A tranca foi feita propositalmente pelo governo, que usou sua incompetência como esperteza para congelar o FSA, ao informar que não há comitê para liberar a verba. E não há comitê porque o próprio governo não o nomeou. A recomposição do Comitê Gestor do FSA (CGFSA) depende da posse do Conselho Superior de Cinema (CSC), que ainda não tem data. E só depois disso será marcada reunião para abordar o tema, sem pressa alguma para cumprir obrigações de janeiro passado. Apesar do abrangência e do impacto desse congelamento, a “grande imprensa” ainda não deu a devida importância para o assunto, assim como ignorou completamente o anúncio do ministro Osmar Terra sobre seus planos para acabar com o cinema de arte feito no Brasil. Apenas a Pipoca Moderna chamou atenção para os dois escândalos de graves consequências para o cinema nacional. As produtoras independentes, por sua vez, repercutiram também a inobservância das regras editalícias, de caráter vinculante para a administração pública, que nortearam a suspensão arbitrária do edital. O ato autoritário já gerou inquérito do MPF (Ministério Público Federal) do Rio de Janeiro. “Passados quase 17 meses do início do processo licitatório e quando diversas etapas já foram rigorosamente cumpridas por todos os concorrentes, não há por que reavaliar os critérios de apresentação de propostas”, lembra o abaixo-assinado, tendo como base a legislação. “É primordial dar seguimento transparente à execução de um processo que estava em curso, à publicação imediata da lista de contemplados, à contratação, à liberação dos recursos, à produção e à consequente difusão das obras selecionadas para o conjunto da sociedade brasileira.” A carta é assinada pelo Coletivo de Empresas Produtoras Independentes Brasileiras, participantes do concursopúblico BRDE/FSA PRODAV – TVS PÚBLICAS – 2018. E conta com o apoio das seguintes entidades: Associação Brasileira de Animação (ABRANIMA); Associação Brasileira de Cineastas (ABRACI/RJ); Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas; Associação Pernambucana de Cineastas (ABD-PE/Apeci); Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV); Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API); Associação Mato-grossense de Cinema e Audiovisual (MTCine); Brasil Audiovisual Independente (BRAVI); Comissão de Empregados da Empresa Brasil de Comunicação EBC; Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte, Nordeste (CONNE); Fale Rio Frente Ampla pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação do Rio deJaneiro; Fórum Audiovisual de Minas Gerais, Espírito Santo e dos estados do Sul do Brasil (FAMES); Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC); Sindicato da Indústria Audiovisual de Minas Gerais (SINDAV); Sindicato da Indústria Audiovisual de Santa Catarina (SANTACINE); Sindicato da Indústria Audiovisual RS (SIAV-RS); Sindicato dos Trabalhadores do Rádio e da Televisão do Estado do Rio de Janeiro (SINRADTV-RJ).
Ministro da Cidadania revela que pretende acabar com cinema de arte do Brasil
O ministro da Cidadania Osmar Terra alimentou mais o fogo que queima o Brasil com ódio ao dizer que apenas filmes populares deveriam receber financiamento público. Ele foi além, revelando, ao participar de evento do grupo Voto, em São Paulo, que pretende acabar com o cinema de arte no Brasil. Para o ministro, só filmes que lotarem cinemas devem ser apoiados pelo governo. “O cinema tem que buscar o público, não pode ser uma coisa só autoral para os amigos que gostam muito do cineasta gostarem do filme”, atacou. Para o ministro, os filmes que têm recebido recursos públicos não têm apresentado resultados à altura dos investimentos. “No ano passado, foram 151 filmes totalmente financiados pelo fundo do audiovisual. A média de R$ 4,5 milhões por filme. E o público é menos de mil pessoas por filme. Metade dos filmes não teve mil espectadores”, contabilizou. A partir desse silogismo, Terra disse que é preciso haver uma revisão dos mecanismos de financiamento para o cinema, incluindo a exigência de que parte do dinheiro tenha que ser devolvida com arrecadação em bilheteria. “Nós temos que rever a forma de fazer o financiamento. Transformar em um financiamento que tem que ser devolvido. Criar uma forma de buscar o público, se não ficam filmes que ninguém assiste. É um gasto enorme com filmes que ninguém vai ver”, propôs. E para quebrar de vez a indústria cinematográfica brasileira, deu uma sugestão que permitiria a produção apenas de filmes da Igreja Universal, com pré-venda garantida: acabar com a cota de filmes nacionais. A reserva de um espaço mínimo em salas de cinema para filmes nacionais foi alvo de críticas ferozes do ministro. “Aí é obrigado a ter cota para filme nacional no cinema, também não pode durar muito. É uma lei que até ano que vem tem cota. Depois tem que rever isso”, disse, relacionando a reserva de salas para filmes brasileiros com salas de cinemas vazias. Ou seja, o ministro quer tirar o financiamento para a produção de filmes independentes e dificultar que os poucos que consigam ser produzidos sejam exibidos nas salas do circuito cinematográfico nacional. E ainda buscará transformar empresas privadas em sócias do Estado para permitir que realizem filmes com incentivos fiscais. É tanto equívoco, que só poderia vir mesmo do governo Bolsonaro. A lógica deste governo é a lei das selvas, também conhecida como lei dos mais fortes. Nesta lógica, apenas os fortes sobrevivem e os fracos devem morrer. Na teoria, parece justo: todos são tratados iguais, sem vantagens na disputa pelas mesmas vagas/emprego/tratamento/salas de cinema. Na prática, porém, se alguns tem mais condições (dinheiro, educação, contatos, etc) prosperam. Os que não tem, fracassam. E o Estado não se mete para equilibrar as desigualdades. Trata-se de pura e simples aplicação política da seleção natural das espécies, conforme estudada por Charles Darwin, e que está na base da visão de que “o governo é para a maioria e a minoria tem que se conformar”, expressada por vários integrantes da cúpula bolsonarista. Trata-se também da antítese de um conceito chamado civilização – aquilo que diferencia os homens dos animais. Ao contrário da tese defendida pelo sofisma bolsonarista, as leis existem justamente para proteger as minorias perseguidas. Senão, voltamos à barbárie. O holocausto foi uma aplicação da mesma política, que começou retirando direitos de minorias em prol dos bons costumes e boas famílias arianas, e seguiu censurando as artes que não refletiam a visão de mundo de seus líderes. O Estado, vale lembrar, tem como função ajudar os mais fracos a ter melhores condições de competir num mundo desigual, seja com assistência médica para quem não pode pagar, escola pública, segurança contra valentões armados, saneamento básico e, sim, até com incentivos específicos para produtores independentes realizarem filmes que não poderiam fazer de outra forma. É para isso que existem impostos e taxas (no caso do cinema, a Condecine). Não é para pagar corrupção. Os incentivos também alimentam a economia, pois geram empregos. O que é outra função do Estado. Enfim, em vez de adentrar nesse debate filosófico sobre “o que é o Estado”, é menos desgastante lembrar apenas o básico para um governo que não sabe o mínimo: 1) o Estado é fomentador, não investidor em Cultura, portanto não pode exigir lucro nem compartilhar dele; 2) o principal equívoco das leis de incentivo é justamente dar dinheiro a quem não precisa, pois quem é popular pode se bancar sozinho; 3) todos os países de mercado cinematográfico relevante, que não são os Estados Unidos, têm cotas de telas; 4) todos os países de mercado cinematográfico relevante, inclusive os Estados Unidos, incentivam filmes de arte, que trazem prestígio a seus países por meio de participação em festivais internacionais; 5) o Brasil acaba de vencer dois prêmios importantes no Festival de Cannes, o mais prestigioso do mundo, com filmes incentivados, que os critérios de popularidade do ministro não permitiriam que fossem feitos. O ministro ainda defendeu seu ato de censura, ao suspender um edital para a produção de séries de diversidade sexual para TVs públicas, dizendo que o governo deve decidir quais as temáticas que serão incentivadas na produção audiovisual. “Se é um recurso público, é uma exibição em rede pública, o governo pelo menos quer opinar sobre os temas. E esse governo tem proposta para a TV pública, sobre valores que são importantes de serem ressaltados”, disse, esquecendo que uma mudança de governo não pode alterar edital já publicado, com prazo vencido e inscritos que obedeceram as regras claras. O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro abriu inquérito nesta quinta (22/8) para investigar o ato de censura e homofobia do ministro e do governo Bolsonaro ao suspender o edital. Em sua manifestação, o Ministério Público deixa claro que “tal ameaça ou discriminação podem importar em inobservância das regras editalícias, de caráter vinculante para a administração pública, bem como em discriminação constitucional vedada”. O comunicado dos promotores diz que “o MPF expediu ofícios ao Ministério da Cidadania e à Ancine, requisitando informações, no prazo de dez dias, sobre a suspensão do edital, bem como sobre suposta decisão governamental de não aprovar projetos audiovisuais relacionados a temáticas LGBTQIA+”. No evento em que pregou a destruição do cinema de arte nacional, o ministro expôs seus argumentos para exercer censura em editais. “Todo mundo pode fazer o filme que quiser, mas se vai receber recurso público, nós temos direito de opinar sobre os temas que são mais importantes. Até para ter um filme que vai receber um recurso e não tem importância nenhuma para a sociedade”, disse Terra. Por filmes que “não tem importância nenhuma para a sociedade”, deve-se entender, conforme demonstrado ativamente pelo governo Bolsonaro, qualquer um que tenha tema LGBTQIA+.
Ministério Público Federal instaura inquérito para investigar ato de censura e homofobia do governo Bolsonaro
O MPF (Ministério Público Federal) no Rio de Janeiro anunciou nesta quinta-feira (22/8) que instaurou inquérito civil para apurar a suspensão do edital que previa a produção de 80 séries brasileiras, entre elas atrações de temática LGBTQIA+ que foram alvo de críticas preconceituosas do presidente Jair Bolsonaro em sua live da semana passada. Citando quatro títulos do edital, Bolsonaro afirmou que tinha vetado as produções porque não tinha “cabimento fazer filmes com esse tema”. Após esse ataque, o ministro da Cidadania Osmar Terra assinou uma portaria suspendendo o edital e prejudicando os 80 projetos que estavam aguardando a liberação de verbas para começar suas produções. Como justificativa, o ministro citou a necessidade de recomposição dos membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), responsável por direcionar as verbas arrecadadas com o Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, taxa cobrada da indústria de cinema, TV e telefonia), para poder liberar o financiamento. A portaria também afirma que, uma vez recomposto, o comitê revisará os critérios e diretrizes para a aplicação dos recursos do fundo, assim como os parâmetros de julgamento dos projetos e seus limites de valor. O detalhe é que a formação do comitê depende das indicações de seis integrantes do governo, vindos de diferentes ministérios. Em oito meses de governo, Bolsonaro ainda não indicou nenhum representante. O decreto assinado por Osmar Terra prevê a suspensão do edital por 180 dias, podendo prorrogar o prazo caso o comitê gestor continue sem as indicações dos membros do governo. Trata-se de uma paralisia provocada propositalmente pelo governo, com aviso prévio de prorrogação indefinida, que na prática impede qualquer financiamento de produção nacional pelo FSA. Diante da dimensão dessa paralisação, o Ministério da Cidadania afirmou que a recomposição do Comitê Gestor do FSA (CGFSA) depende da posse do Conselho Superior de Cinema (CSC), que ainda não tem data. Mesmo assim, disse não haver previsão de suspender mais editais. Entretanto, se a justificativa para suspender um edital específico não se aplicar aos demais, o caso passa a ser crime por condução arbitrária e/ou fraude na seleção de concursos públicos. Desde 2011, isto pode render pena de até oito anos de reclusão, quando o crime tiver sido cometido por funcionário público. Por enquanto, a investigação se dá na esfera civil, levando em conta apurações sobre prática de censura ou ato de homofobia, que, após recente entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), equipara-se a crime de ódio como o racismo. Também investiga se a suspensão do edital foi uma tática para não cumpri-lo, já que é vedado mudar regras de edital após sua publicação, com inscrições feitas e regras cumpridas pelos candidatos. Em sua manifestação, o Ministério Público deixa claro que “tal ameaça ou discriminação podem importar em inobservância das regras editalícias, de caráter vinculante para a administração pública, bem como em discriminação constitucional vedada”. O comunicado dos promotores diz que “o MPF expediu ofícios ao Ministério da Cidadania e à Ancine, requisitando informações, no prazo de dez dias, sobre a suspensão do edital, bem como sobre suposta decisão governamental de não aprovar projetos audiovisuais relacionados a temáticas LGBTQIA+”. O secretário especial da Cultura do Ministério da Cidadania Henrique Pires se demitiu na quarta (21/8), acusando o governo Bolsonaro de promover a censura no Brasil. Além desse inquérito do MPF, a suspensão do edital está enfrentando processos da entidades representantes da indústria audiovisual brasileira. O ex-ministro da Cultura e deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ) também afirmou que vai entrar com uma ação popular com pedido de liminar para tornar nula a portaria assinada por Osmar Terra. Segundo Calero, a questão será levada para o Comitê de Cultura da Câmara e serão ainda analisadas medidas de cunho administrativo para barrar a medida.
Censura de Bolsonaro às séries LGBTQIA+ repercute na revista americana Variety
Além dos problemas para a imagem do Brasil causados pelo incêndio devastador na Amazônia, a censura à produção de séries LGBTQIA+ pelo governo Bolsonaro também teve repercussão internacional. A revista americana Variety, principal publicação da indústria cinematográfica de Hollywood, publicou um artigo destacando a “escalada de censura” da produção cultural brasileira sob a presidência de Jair Bolsonaro. Além da polêmica suspensão de um edital para produção de 80 séries, para impedir que 10 atrações com temas de “diversidade de gênero” e “sexualidade” fossem financiadas, a revista destacou os novos critérios para aprovação de apoio cultural de estatais, que passaram a exigir informações detalhadas sobre o conteúdo das obras – filmes precisam declarar se seus projetos têm temas políticos ou religiosos, referências a crimes, drogas, prostituição e pedofilia, ou nudez e sexo explícito. “O que vemos é uma política de estrangulamento”, disse à Variety Andre Mielnik, da produtora If You Hold a Stone, do Rio de Janeiro. “O governo está tentando impor sua bússola moral ao setor, minando a independência das agências estatais. Separar LGBTQIA+ e outras minorias não é apenas prejudicial para a igualdade social de nosso país, mas profundamente ruim para os negócios. Há um enorme nicho de mercado sendo ignorado por razões ideológicas”. A Variety também lembrou que, desde que Bolsonaro assumiu a presidência, o setor audiovisual brasileiro têm lidado com uma rotina de ameaças e com o corte de diversos investimentos. Foco principal da fúria do presidente, a Ancine tem importância “difícil de exagerar”, lembrou a revista. “A agência não apenas apóia vários projetos a cada ano, mas é encarregada de estabelecer e ampliar a infra-estrutura cinematográfica no país. Em 2017, 158 filmes nacionais foram lançados no Brasil, contra 30 em 2001, ano em que a Ancine foi fundada”, diz o texto americano, que ainda destacou o fato de que cerca de 70% dos filmes produzidos no Brasil dependem de financiamento público. A reportagem também publicou um contundente comunicado da API (Associação de Produtores Independentes do Audiovisual Brasileiro), em protesto contra a censura federal. “Repudiamos tais atitudes, uma vez que entendemos que não compete a ninguém, especialmente ao presidente de uma república democrática, censurar por qualquer motivo ancorado em motivações tendenciosas e num discurso de ódio, as artes, os projetos audiovisuais e os filmes”, diz a API. “Além de infundada e obscurantista, a perseguição ideológica que o setor audiovisual brasileiro vem sofrendo flagela a economia de nosso país, atualmente em recessão e passando por uma grave crise. Isso afeta diretamente o trabalho de milhares de pessoas. Ainda no que diz respeito à economia, vale destacar que obras de temas LGBTQIA+, de gênero e de raça estão em alta demanda no mercado, tanto para festivais de cinema quanto para o consumidor médio. A censura impede que este país leve para as telas a arte brasileira legítima que respeita a diversidade”, completa o texto, repercutido nos Estados Unidos.

