Charlotte Rampling retrata a solidão da velhice no dramático Hannah
“Hannah”, do diretor italiano Andrea Pallaoro, é um filme de climas, sentimentos represados, frustrações e, no limite, perda de identidade. A personagem-título, vivida pela grande atriz inglesa Charlotte Rampling, mal se sustenta de pé, com suas ações cotidianas na casa, num curso de teatro, nadando na piscina de um clube, exercendo um trabalho que envolve cuidar de um menino cego numa instituição, numa vida familiar que desmorona. Ela tem um marido, com quem mantém relações um tanto distantes, mas ele acaba na prisão, entregando-se voluntariamente. Ela também tem um neto, mas está impedida de vê-lo pelo filho, que a quer longe. Ela tem um cachorro, apegado ao marido, com quem também não consegue um vínculo de afeto. Tudo isso é vivido de forma misteriosa, sem que se possam conhecer as razões objetivas dessas situações. O diretor não está interessado nisso. Ele quer nos mostrar a solidão, o declínio da existência, a depressão e a velhice. Como isso pode ser vivido de forma dolorosa e sem perspectivas. Para tal se vale de ambientes escuros, embrumados, esfumaçados, com falta de foco no entorno. Ele filtra através de vidros opacos, filma em ambientes impessoais, os de transporte coletivo, como o metrô. Lugares onde pessoas também podem expressar emoções de forma abrupta. No entanto, a solidão parece mais forte justamente numa hora dessas. O filme é falado em francês, mas tem muito poucas falas. O som, entretanto, é um de seus trunfos. O som ambiente, um rádio ligado, falas, risos, latidos, tudo o que cerca Hannah, mas que não diz respeito a ela. Acentua-se, desse modo, sua alienação do mundo em que habita. Um retrato íntimo de uma mulher idosa, que suporta suas perdas, que parecem só aumentar, confundindo-se no emaranhado de suas memórias, sem se conectar a elas verdadeiramente. Tentando não ver, não saber. Um personagem que é um desafio, vencido com galhardia por Charlotte Rampling, que venceu o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza 2017, com todos os méritos.
Hotel Transilvânia 3 e Aranha-Céu chegam aos cinemas
A animação “Hotel Transilvânia 3: Férias Monstruosas” e o filme de ação “Arranha-Céu: Coragem sem Limite” são as estreias mais amplas da semana, que registra a menor quantidade de lançamentos do ano. Apenas cinco filmes chegam aos cinemas, sendo que um deles estará em cartaz por apenas um dia. Os dois filmes de shopping center também estreiam neste fim de semana nos Estados Unidos, onde o terceiro “Hotel Transilvânia” fez mais sucesso com a crítica – 69% de aprovação contra os 54% que enquadraram o filme de Dwayne “The Rock” Johnson como genérico e medíocre. O desenho volta a trazer a família de Drácula e sua trupe monstruosa, que são dublados em inglês por Adam Sandler e as criaturas que sempre o acompanham – mais Selena Gomez. Desta vez, porém, a produção troca o hotel do título por férias num transatlântico. E esta não é a única variação da trama original. Com a filha casada, resta ao próprio Drácula, que não namora há 100 anos, ter sua vida romântica explorada. Obviamente, isto envolve uma caça-vampiros. Não é Pixar, mas é divertido como costumam ser as animações de Genndy Tartakovsky (criador de “O Laboratório de Dexter”) para sorte dos pais. Já a premissa de “Arranha-Céu” é um mashup do ataque terrorista de “Duro de Matar” (1988) com o desastre incendiário de “Inferno na Torre” (1974). Graças a situações de vida ou morte a cada dez minutos, o filme engata um ritmo frenético, que joga as leis da física para o ar, dá um salto duplo twist carpado, cai de pé após romper o vidro da janela e sai correndo para a acrobacia seguinte. Na trama, Johnson é um ex-agente do FBI, que, após perder a perna numa explosão, vira consultor de segurança. E durante uma consultoria internacional se vê tendo que salvar sua família de criminosos fortemente armados num arranha-céu em chamas, saltando entre prédios e fazendo diversos malabarismos a dezenas de metros do solo com uma perna prostética. Seu verdadeiro objetivo parece ser mostrar-se capaz de superar tudo o que Bruce Willis e Tom Cruise já fizeram no cinema. E com apenas uma perna. No circuito limitado, entram dois dramas franceses altamente recomendáveis. “Hannah” é uma tour de force de Charlotte Rampling, que venceu a Copa Volpi de Melhor Atriz do Festival de Veneza pelo papel de uma mulher da terceira idade que perdeu tudo quando o marido foi preso, inclusive o amor da família. Tem 89% de aprovação da crítica americana, na média do Rotten Tomatoes. Ainda melhor, “Uma Casa à Beira-Mar” é a história de três irmãos adultos que, diante da perspectiva da morte do pai, voltam a se reunir no restaurante que lhes cabe de herança, ponderando o que fazer, a partir do que eles próprios fizeram de suas vidas. Com direção de Robert Guédiguian (de “As Neves do Kilimandjaro”), tem nada menos que 100% de aprovação. A programação se completa com um documentário da recente turnê da banda Muse, que será exibido apenas nesta quinta (12/7). Para fãs. Confira abaixo mais detalhes dos filmes, com sinopses oficiais e trailers, para ficar por dentro das estreias desta semana nos cinemas. Hotel Transilvânia 3: Férias Monstruosas | EUA | Animação Solitário e infeliz, buscando um novo amor na internet, Drácula é surpreendido com um presente da querida filha: férias em um cruzeiro. Inicialmente resistente à ideia, ele acaba engajado no passeio ao se encantar pela comandante, que, no entanto, esconde um segredo nada amigável. Arranha-Céu: Coragem sem Limite | EUA | Ação Responsável pela segurança de arranha-céus, o veterano de guerra americano e ex-líder da operação de resgate do FBI, Will Ford (Dwayne Johnson), é acusado de ter colocado o edifício mais alto e mais seguro da China em chamas. Cabe ao agente então achar os culpados pelo incêndio, salvar sua família que está presa dentro do prédio e limpar seu nome antes que seja tarde demais. Uma Casa à Beira-Mar | França | Drama Três irmãos se reúnem ao redor do leito de morte de seu pai, que era um dos pilares de toda a família, e agora precisam pensar no que será do pequeno paraíso que ele construiu, em torno de um modesto restaurante à beira-mar. Hannah | França, Itália | Drama Hannah (Charlotte Rampling) é uma mulher de terceira idade que perdeu quase tudo que acreditava ser sua vida e tem que lutar com as consequências da prisão do marido. Muse: Drones World Tour | Reino Unido | Documentário musical A banda Muse apresenta um filme rodado em mais de 130 dias durante diversas apresentações em arenas e estádios ao redor do mundo durante a turnê do seu último álbum, “Drones”. Com palco circular para uma experiência 360º e drones sobrevoando os espaços de apresentações entre o palco e a plateia, a produção oferece uma experiência inesquecível para os fãs da banda.
Novo filme de Guillermo del Toro vence o Festival de Veneza 2017
O novo filme de Guillermo del Toro, “A Forma da Água” (The Shape of Water), foi o vencedor do Leão de Ouro do Festival de Veneza 2017. Combinação de fábula, romance e terror, o filme conta a história de uma faxineira muda que se apaixona por uma criatura aquática aprisionada em um laboratório secreto do governo americano. “Quero dedicar esse prêmio a todos os diretores americanos e latino-americanos que desejam fazer filmes que mexam com nossa imaginação”, disse Del Toro ao receber o troféu. “Eu acredito em vida, amor e cinema. E nesse momento da minha vida eu me sinto cheio de vida, amor e de cinema”. Criador da série “The Strain” e especializado em filmes de terror e fantasia (como “Hellboy”, “O Labirinto do Fauno” e “A Colina Escarlate”), Del Toro é o terceiro cineasta mexicano a lançar uma produção bem recebida em Veneza nos últimos anos. Embora Alfonso Cuarón (“Gravidade”, 2013) e Alejandro Iñárritu (“Birdman”, 2015) não tenham vencido o Leão de Ouro, eles saíram do festival italiano embalados por críticas positivas e acabaram vencendo o Oscar com seus filmes. O Grande Prêmio do Júri, considerado o 2º lugar da premiação, foi para “Foxtrot”, do israelense Samuel Maoz. O cineasta tinha vencido o Leão de Ouro de 2009 com sua estreia, o drama de guerra “Lebanon”. Em sua nova obra, ele descreve três momentos da família de um bem-sucedido arquiteto de Tel Aviv a partir do instante em que recebe a notícia da morte do filho mais velho, um soldado do Exército. O Prêmio do Júri, equivalente ao 3º lugar, ficou com “Sweet Country”, de Warwick Thorton, um western ambientado no outback australiano dos anos 1920. Thornton tinha vencido a Câmera de Ouro em Cannes com sua estreia, “Sansão e Dalila” (2009), e é o único cineasta aborígene consagrado pela crítica internacional. O Leão de Prata de Melhor Direção foi para o francês Xavier Legrand, pelo drama “Custody” (Jusqu’à la Garde), sobre um marido com fama de violento que consegue o direito de passar os fins de semana com o filho mais novo. É o primeiro longa dirigido por Legrand, que também venceu o Leão do Futuro, dado à melhor obra estreante do festival. O jovem cineasta entrou no cinema ainda criança, como ator no clássico “Adeus, Meninos” (1987), de Louis Malle, mas já tem uma indicação ao Oscar no currículo, por seu curta “Avant que de Tout Perdre” (2013). A Copa Volpi de Melhor Atriz foi para Charlotte Rampling, por sua interpretação em “Hannah”, da italiana Andrea Pallaoro (“Medeas”). A veterana estrela inglesa, que estreou no filme dos Beatles “Os Reis do Ié-Ié-Ié” (1964) e foi sex symbol dos anos 1970, experimenta um renascimento da carreira na Terceira Idade, após vencer o Urso de Prata do Festival de Berlim por seu filme anterior, “45 Anos” (2015), pelo qual também concorreu ao Oscar. Em “Hannah”, ela vive a personagem-título, uma mulher septuagenária em crise de identidade, provocada por uma revelação relacionada ao marido. Já a Copa Volpi de Melhor Ator foi para Kamel El Basha, pelo drama libanês “The Insult”, de Ziad Doueiri (ex-assistente de câmera de Tarantino), sobre uma briga judicial entre um mecânico cristão e um empreiteiro palestino de origem muçulmana, em Beirute. O prêmio de Melhor Roteiro ficou com “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”. Ainda mais sombria que “Na Mira do Chefe” (2008) e “Sete Psicopatas e um Shih Tzu” (2012), a terceira comédia de humor negro do inglês Martin McDonagh acompanha uma mãe (Frances McDormand) de uma pequena cidade do Missouri, inconformada com a incompetência da polícia após o estupro da filha, e foi um dos filmes mais comentados do festival. O troféu Marcello Mastroianni de melhor ator ou atriz revelação foi para o americano Charlie Plummer, por sua performance no drama “Lean on Pete”, dirigido por Andrew Haigh (de “45 Anos”), no qual interpreta um adolescente de 15 anos que arranja um emprego como assistente de um treinador fracassado de cavalos de corrida. O rapaz foi um dos finalistas ao papel do novo Homem-Aranha, está atualmente em cartaz no Brasil em “O Jantar” e poderá ser visto no fim do ano no novo longa de Ridley Scott, “All the Money in the World”. O júri da competição oficial deste ano foi presidido pela atriz americana Annette Bening (“Mulheres do Século 20”) e formado pelo diretor americano Edgar Wright (“Em Ritmo de Fuga”), a atriz inglesa Rebecca Hall (“Homem de Ferro 3”), a cineasta húngara Ildiko Enyedi (“On Body and Soul”), o diretor mexicano Michel Franco (“Depois de Lúcia”), a atriz francesa Anna Mouglalis (“Coco Chanel & Igor Stravinsky”), o crítico inglês David Stratton, a atriz italiana Jasmine Trinca (“Saint Laurent”) e o cineasta taiwanês Yonfan (“Príncipe das Lágrimas”). Além da competição oficial, também foram divulgados os trabalhos premiados nas mostras paralelas. O principal destaque coube ao vencedor da seção Horizontes: “Nico, 1988”, da italiana Susanne Nicchiarelli (“Cosmonauta”), sobre os últimos anos de vida da ex-modelo e cantora alemã Nico, ex-vocalista da banda Velvet Underground. Outro filme que chamou atenção foi o argentino “Hunting Season” (Temporada de Caza), primeiro longa de Natalia Garagiola, vencedor da seção Semana da Crítica, cujo prêmio é conferido pelo público. Confira abaixo a lista dos premiados. Vencedores do Festival de Veneza 2017 Mostra Competitiva Melhor Filme: “The Shape of Water”, de Guillermo del Toro Grande Prêmio do Júri: “Foxtrot”, de Samuel Maoz Melhor Diretor: Xavier Legrand (“Custody”) Melhor Ator: Kamel El Basha (“The Insult”) Melhor Atriz: Charlotte Rampling (“Hannah”) Melhor Roteiro: “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, de Martin McDonagh Prêmio Especial do Júri: “Sweet Country”, de Warwick Thorton. Ator/Atriz Revelação: Charlie Plummer (“Lean on Pete”, de Andrew Haigh) Prêmio Leão do Futuro (Diretor Estreante): Xavier Legrand (“Jusqu’à la Garde”) Mostra Horizontes Melhor Filme: “Nico, 1988”, Susanna Nicchiarelli Melhor Direção: Vahid Jalilvand, “No Date, No Signature” Prêmio Especial do Júri: “Caniba”, Verena Paravel and Lucien Castaing-Taylor Melhor Atriz: Lyna Khoudri, “Les bienheureux” Melhor Ator: Navid Mohammadzadeh, “No Date, No Signature” Melhor Roteiro: “Oblivion Verses”, Dominique Wellinski e Rene Ballesteros Melhor curta-metragem: “Gros chagrin”, Céline Devaux Mostra Semana da Crítica Melhor Filme: “Hunting Season”, de Natalia Garagiola Leão do Futuro Prêmio “Luigi De Laurentiis” de Filme de Estreia: “Custody”, de Xavier Legrand Clássicos de Veneza Melhor Documentário sobre Cinema: “The Prince and the Dybbuk”, de Elvira Niewiera e Piotr Rosolowski Melhor Filme Restaurado: “Vá e Veja” (1985), de Elem Klimov Competição de Realidade Virtual Melhor Realidade Virtual: “Arden’s Wake (Expanded)”, de Eugene Y.K. Chung Melhor Experiência de Realidade Virtual: “La Camera Isabbiata”, de Laurie Anderson e Hsin-chien Huang Melhor História de Realidade Virtual: “Bloodless”, de Gina Kim


