Juliette Gréco (1927 – 2020)
A cantora e atriz francesa Juliette Gréco, musa do existencialismo, morreu nesta quarta feira (23/9) aos 93 anos, em sua casa em Ramatuelle, na França. Ela foi símbolo de resistência, mas também ícone da moda, uma artista que simbolizou o “radical chique” da boemia parisiense. Foi grande amiga do casal formado pelo filósofo Jean-Paul Sartre e a escritora feminista Simone de Beauvoir, e também amante da lenda do jazz Miles Davis e do poderoso produtor de Hollywood Darryl F. Zanuck. Sua rebelião começou na adolescência e lhe rendeu prisão, com apenas 16 anos, pela Gestapo, a polícia nazista, durante a ocupação alemã da França. Ela tomou o lugar da mãe e da irmã mais velha na Resistência Francesa, após as duas serem enviadas a um campo de concentração, e lutou pela libertação de seu país. Presa, só foi poupada dos campos de concentração e da deportação para a Alemanha por causa de sua idade. Mas suas experiências de guerra selaram uma aliança vitalícia com as causas da esquerda política. Após a guerra, ela virou cantora e passou a se apresentar nos chamados cafés existencialistas da época. Seus shows e presença marcante na noite parisiense foram imortalizados por alguns dos fotógrafos mais famosos de todos os tempos, como Robert Doisneau e Henri Cartier-Bresson, que transformaram seu look entristecido, sempre de roupas pretas, em modelo para a juventude beatnik. Ela também foi uma das primeiras mulheres a usar camisetas no dia-a-dia, numa época em que o visual era identificado como masculino. Juntava-se a isso um voz sombria, que a tornava a intérprete perfeita das canções de “fossa” compostas por Jacques Prévert (“Je Suis Comme Je Suis”, “Les Feuiles Mortes”), Jacques Brel (“Ça va la Diable”), Leo Ferré (“La Rue”) e, nos anos 1960, Serge Gainsbourg (“La Javanaise”). Mas até Jean-Paul Sartre e o escritor Albert Camus escreveram letras para ela cantar. Em 1952, ela veio pela primeira vez ao Brasil, apresentando-se no Rio de Janeiro, numa turnê que deveria durar 15 dias. Mas ela se apaixonou pelo país e não queria mais ir embora. Ficou meses e chegou a considerar o casamento com um amante brasileiro. Sua carreira, porém, só decolou para valer dois depois, quando foi convidada a se apresentar na sala de concertos Olympia de Paris – então o templo da música popular francesa. Paralelamente, Gréco também se lançou como atriz, convidada pelos amigos cineastas e intelectuais para pequenos papéis, como em “Orfeu” (1950), de Jean Cocteau, e “Estranhas Coisas de Paris” (1956), de Jean Renoir, entre muitos outros filmes. Até que a indústria cinematográfica francesa passou a vê-la como protagonista, escalando-a como estrela de filmes como “Quando Leres Esta Carta” (1953) e “Rapto de Mulheres” (1956). Logo, ela começou a ser cortejada por Hollywood. Ou, mais especificamente, cortejada por Darryl F. Zanuck, o chefão da 20th Century Fox, que a importou para o filme “E Agora Brilha o Sol” (1957), de Henry King, superprodução com um dos elencos mais grandiosos da época – Tyrone Power, Ava Gardner, Errol Flynn, Mel Ferrer, etc. Juliette Gréco acabou promovida a protagonista de Hollywood em seu filme seguinte, “Raízes do Céu” (1958). Ela aparecia seminua no pôster, envolta numa toalha e com Errol Flynn, o grande machão do cinema americano, prostrado a seus pés. Zanuck apostava em consagrá-la, mas o filme enfrentou um grande problema de bastidores. Rodado na África equatorial, ficou mais conhecido pelas bebedeiras de Errol Flynn, pelo surto de malária que afligiu o elenco e pela ausências do diretor John Huston, que preferia caçar a seguir cronograma de filmagens. Foi um desastre e a produção teve que ser finalizada num estúdio em Paris, com a maioria dos atores febris. Para completar, Zanuck ainda decidiu realizar sua montagem em Londres, para ficar próximo de Gréco, enquanto ela fazia sua estreia no cinema britânico, no thriller “Redemoinho de Paixões” (1959). O próprio Zanuck escreveu o filme seguinte de sua musa, a adaptação de “Tragédia num Espelho” (1960), em que ela foi dirigida por Richard Fleischer e contracenou com Orson Welles. Fleischer também a comandou em “A Grande Cartada” (1961), mas sua carreira hollywoodiana não foi o sucesso esperado. Contratada como atriz, ninguém esperava que ela cantasse em seus filmes, e isso pode ter lhe frustrado. Não por acaso, o maior clássico de cinema de sua carreira foi uma produção em que interpretou a si mesma, cantando em inglês a música-título de “Bom Dia, Tristeza”, numa pequena cena do famoso filme estrelado por Jean Seberg em 1958. Ela acabou voltando para a França, onde estrelou mais alguns filmes. Mas foi uma minissérie francesa que lhe deu seu maior reconhecimento como atriz: “Belphegor – O Fantasma do Louvre”, um mistério sobrenatural de 1965 sobre um fantasma que assombrava o museu do Louvre. Gréco ainda atuou na superprodução “A Noite dos Generais” (1968), um suspense passado durante a 2ª Guerra Mundial e estrelado por Peter O’Toole e Omar Sharif, e na comédia “Le Far-West” (1973), escrita, dirigida e protagonizada por seu colega cantor Jacques Brel, antes de se afastar do cinema por um quarto de século. Sua carreira nas telas só foi retomada em 2001 por conta de uma homenagem, ao ser convidada a figurar rapidamente numa nova versão de sua célebre minissérie, lançada no cinema com o título de “O Fantasma do Louvre” e com Sophie Marceau em seu papel original. Depois disso, ela ainda estrelou um último filme, o alemão “Jedermanns Fest”, ao lado de Klaus Maria Brandauer no ano seguinte. No período em que se afastou das telas, a artista priorizou a música. Em 1981 foi praticamente expulsa do Chile, então sob a ditadura de Augusto Pinochet, por cantar canções censuradas pelo regime militar. Apesar de muitos amantes conhecidos, entre homens e até mulheres famosas, ela também foi uma esposa dedicada. Casou-se três vezes: brevemente em 1953 com o ator Philippe Lemaire, com quem teve uma filha (Laurence-Marie, falecida em 2016), depois, com o famoso ator Michel Piccoli entre 1966 e 1977 e, por fim, vivia desde 1988 com o pianista e compositor Gérard Jouannest, que co-escreveu algumas das melhores canções de Jacques Brel, incluindo “Ne Me Quitte Pas”. Ela seguiu cantando até os 89 anos, quando sua carreira foi encerrada por um derrame. A causa da morte não foi divulgada.
Claude Lanzmann (1925 – 2018)
Morreu o cineasta e escritor francês Claude Lanzmann, diretor do famoso documentário “Shoah” (1985), com mais de nove horas de duração sobre o Holocausto. Ele faleceu nesta quinta-feira (5/7) em Paris, aos 92 anos, após ficar em estado “frágil por vários dias”, de acordo com comunicado da editora Gallimard. Nascido em Paris em 1925, ele chegou a lutar na resistência francesa contra os nazistas e dedicou sua vida à questão judaica e a expor as atrocidades do nazismo. Lanzmann também teve grande relação com os líderes do movimento existencialista. Foi o secretário do filósofo Jean-Paul Sartre e, durante sete anos, entre 1952 e 1959, viveu com a escritora Simone de Beauvoir, de quem recebeu 112 cartas de amor – vendidas em leilão à Universidade de Yale em janeiro deste ano, por valor não revelado. Seu primeiro filme foi “Por Que Israel?” (1973), em que entrevistou os imigrantes que se estabeleceram, lutaram e ajudaram a fundar o país, na época com 25 anos de existência, buscando demonstrar o que tinham em comum estudantes marxistas da Rússia e intelectuais burgueses dos Estados Unidos, reunidos em torno da mesma causa. Mas foi com “Shoah” que se tornou o maior documentarista da história judaica. “Shoah” (em hebraico, catástrofe ou calamidade) era a palavra que Lanzmann usava, em vez de holocausto (oferenda queimada) para definir o genocídio causado pelo nazismo. Em sua autobiografia, “A Lebre da Patagônia”, Lanzmann escreveu: “Como poderia haver um nome para algo que não tivesse precedentes na história da humanidade? Se tivesse sido possível não dar um título ao filme, eu teria feito isso”. Para seu documentário épico, em escopo e duração, Lanzmann localizou e entrevistou diversas testemunhas vivas do extermínio: oficiais e burocratas que administravam os campos; sobreviventes judeus, incluindo veteranos do levante de 1943 no gueto de Varsóvia; e pessoas da cidade polonesa em Treblinka, onde ficava o pior dos campos de concentração: Auschwitz. Com o objetivo de registrar depoimentos de ex-nazistas, chegou a se passar por um historiador francês que pretendia “endireitar as coisas”, mostrando o lado dos alemães. E assim conseguiu acesso a pessoas como Franz Suchomel, ex-funcionário da SS em Treblinka, condenado a seis anos de prisão por crimes de guerra. Premiado em diversos festivais – como Berlim e Roterdã – e pelas Academias Francesa e Britânica, “Shoah” é considerado o filme definitivo sobre o Holocausto. Mas Lanzmann o chamava de “uma ficção do real”. Foi conscientemente artístico, disse ele certa vez, de modo a “tornar o insuportável suportável”. Israel e o holocausto continuaram a ser temas dominantes em sua filmografia, que também destaca “Tsahal” (1994), sobre as forças de defesa de Israel, “Un Vivant qui Passe” (1999), sobre como a Cruz Vermelha elogiou os campos de concentração nazistas, “Sobibór, 14 Octobre 1943, 16 Heures”, sobre um levante de prisioneiros contra nazistas, e “O Último dos Injustos” (2013), sobre o gueto-modelo de Theresienstadt. Seu último filme, “Napalm”, foi também o único em que mudou de assunto. Exibido na Mostra de São Paulo do ano passado, revisitava casos amorosos em uma de suas viagens quando era jovem. Poucos anos antes, Lanzmann veio ao Brasil lançar sua autobiografia “A Lebre da Patagônia” e participar da Festa Literária de Paraty (Flip). Mas o debate de que participou, com o tema “A ética da representação”, desandou sob mediação do professor da Unicamp Márcio Seligmann-Silva. Ao fim do festival, o curador da edição de 2011, Manuel da Costa Pinto, atacou Lanzmann afirmando que ele havia feito “uma coisa nazista” ao adotar uma postura “contra o debate intelectual”. Lanzmann ficou indignado. “Esse sujeito (Costa Pinto) é um estúpido. É uma vergonha ele dizer isso. Logo eu, um inimigo dos nazistas. Eu dediquei a minha vida a revelar os abusos do Holocausto. Ele deveria ser demitido. Já o mediador queria demonstrar erudição às minhas custas. Ele queria mostrar o quanto era inteligente, mas eu estava ali para conversar com o público e falar do meu livro”, reagiu o francês. Seu projeto final, “The Four Sisters” – uma minissérie documental de quatro capítulos – foi lançado na França na véspera sua morte. Composta de filmagens feitas para “Shoah” mas não usadas no filme final, “The Four Sisters” traz entrevistas com quatro mulheres que sobreviveram ao Holocausto. No ano passado, ele ficou profundamente abalado pela morte de seu filho Félix, de 23 anos, vítima de um câncer. Amigos dizem que ele nunca se recuperou e foi morrendo aos poucos.
Maria Fernanda Cândido vai estrelar adaptação de A Paixão Segundo G.H., de Clarice Lispector
A atriz Maria Fernanda Cândido vai estrelar “A Paixão Segundo G.H.”, adaptação cinematográfica do romance homônimo de Clarice Lispector (1920-1977). Trata-se de um projeto desafiador, já que a obra é estruturada como um longo monólogo. “A Paixão Segundo G.H.” mostra o fluxo de consciência de uma mulher que demite a empregada e se põe a limpar o quarto de serviço, quando se depara com uma barata. Ela supera o nojo pelo inseto para poder matá-lo e, então, comê-lo. Escrito em 1964, o romance é considerado pelos críticos literários a obra mais importante da autora. A direção está a cargo de Luiz Fernando Carvalho, que já dirigiu a atriz em vários trabalhos, desde a novela “Esperança” (2002) até a minissérie “Dois Irmãos” neste ano. Com o filme, Carvalho retornará ao cinema, após 16 anos dedicados à TV. Seu único longa é o ótimo “Lavoura Arcaica” (2001), que também é uma adaptação literária – de Raduan Nassar. Em entrevista ao jornal O Globo, o diretor contou que “A Paixão Segundo G.H” era o livro que o acompanhou durante a montagem de “Lavoura Arcaica”, “para dar um ‘descanso’ de Raduan”, ele brincou. “Foi ali que surgiu a semente desse projeto, que não é uma adaptação, assim como o ‘Lavoura’ também não era”.


