Narciso em Férias é emocionante e essencial para a democracia
“Eu comecei a achar que a vida era aquilo ali. Só aquilo. E que a lembrança do apartamento, dos shows, da vida lá fora era uma espécie de sonho que eu tinha tido.” Essa é uma das falas de Caetano Veloso em “Narciso em Férias”, ao descrever o seu primeiro momento no cárcere, quando foi colocado, sem a menor explicação, em uma solitária escura. Só de pensar nisso, de ter essa sensação de deslocamento da realidade, já é aterrador. “Narciso em Férias” marca o retorno da dupla de cineastas Ricardo Calil e Renato Terra ao mundo da música popular brasileira, depois do ótimo “Uma Noite em 67” (2010). Desta vez, a opção de entrecortar as falas de Caetano Veloso com imagens de arquivo e depoimentos de outros entrevistados foi deixada de lado, e o filme fica muito mais poderoso apenas com as cenas da entrevista com o cantor, músico e compositor baiano. Há quem diga que apresentar única e exclusivamente a entrevista de uma pessoa à frente de uma câmera não é fazer cinema, mas isso é bobagem. Esquecem da grandeza de Eduardo Coutinho, mestre nesse formato. Em “Narciso em Férias”, os diretores optaram por esconder, sempre que possível, suas próprias vozes na condução da entrevista. E utilizam apenas três enquadramentos básicos: o close-up, um plano que mostra o corpo inteiro do cantor e um plano mais distante, que acentua a parede ao fundo. Tudo que ele conta já está em um capítulo do seu livro “Verdade Tropical”, justamente intitulado “Narciso em Férias”, e que agora se tornará um livro à parte, já em pré-venda. O termo foi tomado de empréstimo de um livro do romancista americano F. Scott Fitzgerald, e que também se refere ao fato de que, durante todo o período em que esteve preso, Caetano não se olhou no espelho – deu férias a seu lado narcisista, por assim dizer. Histórias narradas oralmente são a base da construção de nossa civilização e é bom ver que esse tipo de recurso ainda segue sendo incrivelmente poderoso, especialmente quando encontramos alguém que consegue nos colocar dentro da ação. Há momentos da fala de Caetano que conseguem fazer o público se sentir em seu lugar, com um detalhismo de carga dramática assombrosa. O documentário é cheio de momentos de bastante emoção, especialmente em seu terço final. O próprio Caetano Veloso parece ter se surpreendido com o próprio choro e pede para que os diretores parem a filmagem em determinado momento. E não é um momento em que ele fala de seu sofrimento, mas de quando comenta o sentimento de gratidão, que ele tem por um sargento que ficou com pena de sua situação, de ele ser o único que não podia receber a visita da esposa, e que o ajudou. E ele lamenta não ter procurado saber o nome desse homem. Sem dúvida um dos momentos mais bonitos e tocantes do documentário e que, muito provavelmente, perderia um bocado da força sem a voz e sem o olhar do cantor . Outro acerto de Calil e Terra foi o fato de trazerem canções para o documentário. Já começa com uma canção de Orlando Silva, “Súplica”, cuja importância é exposta ao longo do filme. Além disso, cada vez que “Hey Jude”, dos Beatles, tocava nos rádios – foi um grande sucesso da época, o final dos anos 1960 – trazia esperança para Caetano. Outras duas canções do próprio Caetano, inspiradas pela experiência do cárcere, também são citadas com emoção: “Irene” e “Terra”. Além de enfatizar a importância e a beleza do trabalho de um de nossos mais brilhantes músicos, “Narciso em Férias” também impacta por lembrar como os artistas brasileiros foram presos e exilados durante a ditadura militar, em um momento em que a extrema direita se apresenta como uma ameaça cada vez maior para a democracia do Brasil. E isso o torna um filme essencial.
Filme da prisão de Caetano Veloso é “advertência” sobre futuro brasileiro
Único filme brasileiro selecionado para o Festival de Veneza, o documentário “Narciso em Férias” foi exibido nesta segunda-feira (7/9) em sessão de gala, fora de competição no evento italiano. Ausentes devido à pandemia de coronavírus, os responsáveis pelo longa participaram da première de forma remota, via videoconferência. Dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil (“Uma Noite em 67”), o filme traz Caetano compartilhando suas memórias do cárcere e as canções que marcaram o período, quando foi preso com seu amigo Gilberto Gil em 1968 e posteriormente exilado do Brasil. Durante a entrevista coletiva, disponibilizada por streaming, os realizadores destacaram que o filme faz mais que relembrar fatos do passado, que muitos brasileiros não conhecem ou fingem não ter existido. Ele serve também como uma “advertência” para o futuro, diante de rumos dos tempos atuais, “para que não se repitam os erros que culminaram na atrocidade e na imbecilidade que foi a ditadura militar no Brasil”, nas palavras de Renato Terra. O diretor fez uma comparação entre o passado da ditadura e o governo brasileiro atual. “Em 1968, no Brasil, houve o AI-5, o Congresso Brasileiro foi fechado, havia censura na imprensa, pessoas eram sequestradas, tiradas de casa e torturadas, foi um período horrível da História brasileira. Hoje, a gente vive aqui numa democracia, é diferente, mas o caminho que a gente percorreu para chegar até 68 guarda algumas semelhanças com o que a gente tá vivendo nesse momento no Brasil”, apontou. Ele lembrou que a volta da ditadura é bandeira de alguns políticos nacionais. “O AI-5, por exemplo, que foi a causa direta da prisão do Caetano e do Gil… Algumas pessoas no Brasil – poucas, mas barulhentas – pedem a volta do AI-5 ou defendem a ditadura militar. E tem um absurdo muito grande nisso, uma coisa que é muito descolada da realidade”. Ricardo Calil, por sua vez, considerou que “os artistas estavam entre os primeiros alvos da ditadura militar” e, do mesmo modo, também são foco de ataques prioritários do governo atual, mas de forma distinta. “Não há mais a censura, mas há um esforço do governo em desmontar muitas áreas da Cultura, incluindo o cinema, incluindo a Cinemateca Brasileira, que é a instituição que guarda nossa memória cinematográfica, e também as instituições que patrocinam e financiam o cinema e garantem o futuro do cinema nacional” Paula Lavigne, mulher de Caetano e produtora do documentário, acrescentou que “Narciso em Férias” tem a função de relembrar como foi a ditadura, já que “muita gente não sabe que eles [Caetano e Gil] foram presos”, especialmente os mais novos, por causa da proibição de se noticiar a prisão na época e pela disseminação do negacionismo da extrema direita brasileira. Além disso, ela aponta que o verdadeiro motivo da prisão foi “uma fake news”, um boato, “e isso fica claro nos documentos: não existia uma acusação objetiva”. Essa arbitrariedade, que veio à tona em documentos recém-revelados sobre a prisão, transformam o encarceramento de Caetano e Gil “num teatro do absurdo, num pesadelo kafkiano”, na definição de Kalil. Por isso, o filme também serviria para desnudar o despreparo e o caos que caracterizou o regime militar brasileiro. “Uma das táticas da direita é o negacionismo”, ponderou Lavigne, lembrando que há pessoas de direita “dizendo até que não houve ditadura militar”. “Mas muitos artistas foram presos, alguns sofreram até mais que Caetano e Gil, foram torturados, outras pessoas mortas. Então, eu acho que o momento é muito adequado” para se falar disso. A entrevista foi disponibilizada na íntegra no canal do Festival de Veneza no YouTube. Veja abaixo, a partir de 1h13 minutos do vídeo, que reúne outras coletivas desta segunda no festival. Já “Narciso em Férias” pode ser visto, também desde esta segunda-feira, com exclusividade na plataforma Globoplay.
Documentário sobre prisão de Caetano Veloso ganha trailer e música exclusiva
A Uns Produções e Filmes divulgou o primeiro trailer de “Narciso em Férias”, documentário em que Caetano Veloso aborda seus dias de prisão durante a ditadura militar. Dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil (“Uma Noite em 67”), o filme traz Caetano compartilhando suas memórias do cárcere e as canções que marcaram o período, quando foi preso com seu amigo Gilberto Gil em 1968 e posteriormente exilado do Brasil. A prévia traz relatos do cantor sobre o dia em que ele foi preso e também de seu cotidiano atrás das grades, culminando na inspiração para compor a música “Terra”, que ele interpreta ao violão para o documentário. “Terra” não é a única música que integra o filme. Caetano chegou a gravar uma versão de “Hey Jude”, dos Beatles, ao violão especialmente para a produção. Ele conta que a música que Paul McCartney fez para o filho de John Lennon o ajudou a superar os momentos mais difíceis daquela situação. Ouça abaixo. O documentário terá première mundial na segunda-feira (7/9) no Festival de Veneza, mesmo dia em que será lançado na Globoplay.
Globoplay adquire documentário sobre prisão de Caetano Veloso pela ditadura
A Globoplay comprou os direitos de transmissão do documentário “Narciso em Férias”, sobre a prisão de Caetano Veloso em 1968, durante a ditadura militar. O longa chega à plataforma de streaming no dia 7 de setembro, mesmo dia de sua première mundial na 77ª edição do Festival de Veneza. Dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil (“Uma Noite em 67”), “Narciso em férias” será exibido fora de competição no festival italiano. O documentário traz o depoimento de Caetano Veloso sobre sua experiência na cadeia, que incluiu passar uma semana trancado numa solitária. Ele e Gilberto Gil foram retirados de suas casas em São Paulo por agentes à paisana, duas semanas após o decreto do AI-5. À época, o regime militar proibiu que jornais divulgassem a prisão dos artistas. No total, Caetano ficou 54 dias encarcerado. Durante o período, ele compôs a canção “Irene”, inspirado pela lembrança da risada de sua irmã mais nova, e ao sair da prisão foi exilado em Londres. Em entrevista à revista americana Variety, Caetano destacou a importância de lembrar esse período histórico para se contrapor à versão dos fatos propagada pelo atual governo negacionista. “O Brasil tem um governo que diz que a ditadura militar foi uma coisa boa. E eles estão tentando lançar uma luz positiva. É hora de falar sobre esse período da maneira que faço no filme”, afirmou.
In-Edit protesta contra decreto de liberação de armas em vídeo oficial do festival
O vídeo que divulga o In-Edit Brasil, Festival Internacional do Documentário Musical que começa na quarta (12/6) em São Paulo, traz um mensagem embutida contra o Projeto de Decreto n° 9785, de 2019, que facilita a venda de armas de fogo para a população brasileira. A peça traz imagens de quatro músicos que perderam suas vidas após receberem tiros: Sabotage, MC Daleste, Speedfreaks e Evaldo Rosa. Eles aparecem em meio de imagens de munição, com os rostos formados por uma montagem de balas. Sabotage foi morto por quatro tiros, em São Paulo, em janeiro de 2003, aos 29 anos, após provocar uma revolução no rap nacional com seu primeiro álbum solo, “Rap é Compromisso”, além de ter atuado nos filmes “Carandiru” e “O Invasor”. MC Daleste foi morto durante uma apresentação, em Paulínia, em 2013, aos 20 anos. Um dos precursores do funk paulista, ajudou a popularizar o gênero com canções como “Angra dos Reis”, “Água na Boca” e “Mina de Vermelho”. Speedfreaks foi encontrado em um valão, com marcas de tiros, em Niterói, em 2010, aos 36 anos. Considerado um dos pioneiros do hip-hop no Rio de Janeiro, gravou com Black Alien, Planet Hemp, Fernanda Abreu e Marcelo D2, entre outros, e teve canções remixadas por artistas como Afrika Bambaataa e Fat Boy Slim. Evaldo Rosa teve o carro alvejado por mais de 200 tiros, dados por militares do Exército, em frente ao quartel de Guadalupe, no Rio de Janeiro, quando passeava com sua família em abril passado, aos 51 anos. Era cavaquinista no grupo de pagode Remelexo da Cor. Todos eles deixaram um vazio enorme em suas famílias e no mundo artístico. Com esta ação, o In-Edit Brasil pretende convidar a sociedade a refletir melhor sobre o decreto e também se posicionar em pesquisa do Portal e-Cidadania do Senado Federal – este é o link para para dar sua opinião. Veja o vídeo abaixo.



