Dennis Berry (1944–2021)
O ator e cineasta americano Dennis Berry, que foi casado com duas estrelas da nouvelle vague francesa, Jean Seberg e Anna Karina, morreu no sábado (12/6), em Paris, aos 76 anos. “Ele vai reencontrar Anna Karina”, que faleceu em 2019, declarou seu agente ao informar à imprensa. Nascido nos Estados Unidos, Dennis Berry era filho do também diretor de cinema John Berry (“Fúria de Conflitos”), que se mudou com a família para Paris nos anos 1950, para filmar diversos filmes. Dennis cresceu falando francês fluentemente e fez sua estreia no cinema como ator em “A Colecionadora” (1967), um clássico de Éric Rohmer. Sua carreira de intérprete não foi muito longe, mas incluiu participações em mais três clássicos, “Amor Louco” (1969), marco da nouvelle vague dirigido por Jacques Rivette, “Borsalino” (1970), de Jacques Deray, e “Promessa ao Amanhecer” (1970), de Jules Dassin. Em 1972, casou-se com Jean Seberg, que como ele era uma americana em Paris. Seberg se tornou a grande musa da nouvelle vague ao estrelar o mítico “Acossado” de Jean-Luc Godard em 1960 e, após seu casamento, tornou-se a primeira estrela de um filme dirigido por Denis, “Le Grand Délire”, em 1975. O casal já estava separado quando a atriz morreu em Paris em 1979. Em 1982, Berry se casou com outra estrela da nouvelle vague, a dinamarquesa Anna Karina, que também trabalhou com Godard – não em um, mas em vários filmes, incluindo “Viver a Vida” (1962), “Bando à Parte” (1964) e “O Demônio das Onze Horas” (1965). Eles trabalharam juntos pela primeira vez no último filme de Berry como ator, “Ave Maria”, em 1984, e ele a dirigiu em seu segundo longa como diretor, “Last Song”, em 1987. Nos anos 1990, passou a dirigir várias séries e telefilmes, incluindo atrações americanas como “Stargate SG-1” e “Highlander: A Série”, só voltando ao cinema em 2001 com “Laguna”, filme que lançou a carreira do astro inglês Henry Cavill (o Superman de “Liga da Justiça”). Um de seus últimos trabalhos foi um documentário sobre a esposa, “Anna Karina, Souviens-toi”, lançado em 2017, antes de encerrar a carreira com o drama “Selvagens” um ano depois.
Anna Karina (1940 – 2019)
A atriz Anna Karina, mais que musa, um ícone da nouvelle vague, morreu no sábado (14/12) em Paris, aos 79 anos, em decorrência de um câncer. “O cinema francês ficou órfão. Perdeu uma de suas lendas”, afirmou o ministro da Cultura da França, Franck Riester, no Twitter. Nascida na Dinamarca, a atriz de rosto pálido e grandes olhos azuis foi morar em Paris ainda menor de idade, pedindo carona com a ideia de se tornar atriz. Acabou virando modelo. E foi por sugestão de Coco Chanel que mudou seu nome verdadeiro, Hanne Karin Bayer, para Anna Karina. Jean-Luc Godard, que a dirigiu em nada menos do que sete filmes, a descobriu em um anúncio e propôs um pequeno papel em “Acossado” (1960) com Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo. Mas, inicialmente, ela rejeitou sua proposta, chamando-o de atrevido por querer que ela filmasse sem roupas. O cineasta continuou insistindo, até que ela aceitou estrelar “O Pequeno Soldado”, um drama sobre a guerra da Argélia. Durante as filmagens, os dois começaram um romance que duraria vários anos. Mas, por causa do tema (terrorismo), o filme enfrentou censura e só foi lançado três anos depois, em 1963. Assim, a lenda de Anna Karina acabou se materializando nas telas em seu segundo filme com Godard, “Uma Mulher É Uma Mulher” (1961). E, de forma arrebatadora, o desempenho hipnotizante lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Berlim, com apenas 20 anos de idade. A dupla lançou mais clássicos absolutos, como o drama “Viver a Vida” (1962), que rendeu os closes mais lindos e tristes de Anna Karina, enquanto sua personagem decaía para a prostituição – e inventava o estilo de moda “street” – , a comédia criminal “Bando à Parte” (1964), em que ela protagonizou uma das danças mais charmosas da história do cinema, a influente sci-fi modernista “Alphaville” (1965), o thriller que virou pop art “O Demônio das Onze Horas” (1965), com Jean-Paul Belmondo, e a sátira “Made in U.S.A.” (1966). Cada um dos papéis era incrivelmente diferente um do outro, resultando numa das mais prolíficas e criativas parcerias entre um casal diante e atrás das câmeras – e que foi homenageada pelo cartaz do Festival de Cannes do ano passado. Além dos filmes de Godard, ela ainda abrilhantou outros títulos obrigatórios da nouvelle vague, como o feminista “Cléo das 5 às 7” (1962), de Agnès Varda, e o impactante “A Religiosa” (1966), de Jacques Rivette. Mas não filmou com Claude Chabrol nem com François Truffaut, outros mestres do movimento. “Era a mulher de Jean-Luc. Isso certamente lhes dava um pouco de medo”, ela chegou a comentar, em entrevista. O relacionamento com Godard, porém, foi marcado por uma tragédia, a perda de um filho que ela esperava, que a deixou estéril. Anna Karina também sofreu muito com o machismo do marido. A última vez que o casal se viu foi há cerca de 30 anos, quando um programa da TV francesa organizou um encontro sem avisá-la. Ela desabou em lágrimas diante das câmeras, sendo recriminada por Godard. Desde então, não houve mais contato. “Ele está na Suíça e não abre a porta”, ela disse em 2005. “Não, não fico triste. Afinal, é a vida dele”. Sem arrependimentos, o tsunami que ela causou na nouvelle vague a tornou cobiçada pelo cinema comercial, levando-a a estrelar o sucesso “A Ronda do Amor” (1965), de Roger Vadim, e até produções televisivas. De forma significativa, Anna Karina estrelou e batizou o primeiro telefilme colorido da TV francesa, “Anna”, escrito pelo cantor Serge Gainsbourg em 1967. Foi nessa época que também estourou como cantora, gravando o tema do telefilme, “Sous le Soleil Exactement”, de Gainsbourg. Logo, ela se tornou maior que o mercado local, iniciando uma carreira internacional com a obra-prima do neo-realismo italiano “Mulheres no Front” (1965), de Valerio Zurlini, seguida pelo clássico “O Estrangeiro” (1967), do grande Luchino Visconti, em que contracenou com outro mito da interpretação, Marcello Mastrioianni. Também enveredou por aventuras do cinema britânico – “Mago, O Falso Deus” (1968), com Michael Caine, e “Antes do Inverno Chegar” (1968), com David Niven – e pelo “novo cinema alemão” – “O Tirano da Aldeia” (1969), de Volker Schlöndorff, e “Roleta Chinesa” (1976), de Rainer Werner Fassbinder – , chegando a Hollywood com “Justine” (1969), curiosamente como coadjuvante de outra estrela da nouvelle vague, Anouk Aimée. Após trabalhar com tantos mestres do cinema, Anna decidiu dirigir seu primeiro filme, “Vivre Ensemble”, uma história de amor entre drogas e álcool, lançada em 1973, que ela definiu como “um retrato da minha juventude”. Depois disso, só voltou a comandar mais um longa, “Victoria”, já em 2003. Mas não abandonou a paixão por diretores, casando-se sucessivamente com mais três: Pierre Fabre, Daniel Duval e o americano Dennis Berry, com quem viveu de 1982 até sua morte. Anna Karina teve presença constante nas telas até 1990, adorada pelos discípulos da nouvelle vague – entre outros, ela estrelou o primeiro longa de Benoît Jacquot, “The Musician Killer” (1976). Mas depois disso enfrentou dois grandes hiatos na carreira. Após cinco anos sem filmar, ela voltou a convite de seu colega de geração Jacques Rivette, para integrar o elenco do elogiadíssimo “Paris no Verão” (1995), emendando um longa do marido Dennis Berry, “Chloé” (1996), como uma prostituta veterana, ao lado da então ninfeta Marion Cotillard. Depois de um segundo espaçamento de meia década, vieram seus filmes finais: “O Segredo de Charlie” (2002), do americano Jonathan Demme, “Eu, César” (2003), nova parceria com o marido diretor, e “Victoria” (2008), sua despedida – escrita, dirigida e estrelada por ela própria.

